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O grupo de convivência teve sua primeira sessão no dia 20 de julho de 2005, com os adolescentes e jovens soropositivos que aceitaram o convite da equipe técnica durante as consultas. O dia de sábado foi estabelecido para a reunião das sessões do grupo, pois nestes dias as dependências do serviço estão vazias, facilitando a privacidade.

Tive a oportunidade de facilitar, conjuntamente com a psicóloga do serviço, as sessões do grupo. Antes do início de cada sessão, os participantes eram informados que eu estaria presente como facilitador e pesquisador, onde eram apresentados os objetivos e os aspectos éticos da pesquisa. Nesta ocasião eram obtidos os esclarecimentos consentidos dos novos participantes, conforme previsto no protocolo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Ministério da Saúde de Moçambique. Durante todo o período correspondente à pesquisa, nenhum dos participantes colocou nenhuma resistência ou se recusou em participar.

O formato, composição e a dinâmica do grupo, foram delineadas pelos sete participantes que se apresentaram no primeiro dia, sendo reformulado e adaptado com a chegada de novos membros. As características do grupo se mantiveram até a última sessão onde participei como pesquisador: grupo semanal aos sábados à tarde nas dependências do SAAJ, com duração média de três horas; aberto aos novos participantes; as sessões eram temáticas, a partir de temas definidos de acordo com a demanda dos adolescentes e jovens. A cada semana, cerca de um participante novo integrava-se ao grupo, que manteve, ao longo do tempo, uma média de freqüência semanal em torno de 87% dos participantes inscritos.

Os temas de maior interesse dos participantes do grupo foram: sexo e sexualidade das pessoas soropositivas; compartilhamento do diagnóstico; preconceito e discriminação com as pessoas vivendo com HIV/SIDA; gravidez soropositiva;

informações técnicas sobre HIV/SIDA; ativismos e participação social. Para abordagem destes temas foram utilizados diferentes recursos, como debates de filmes e reportagens, dramatizações e produções conjuntas de músicas e peças de teatro.

O conceito de grupo adotado no trabalho do SAAJ, baseou-se nos princípios de que um grupo é mais do que a soma da partes. É um espaço dinâmico de interação que cria pontes, estabelece vínculos e relações de confiança e de trocas, que se transforma e transforma seus participantes. É o encontro dos afetos vividos pelos seus membros, que gera autonomia e cuidado consigo e com o outro, conforme tão bem descrito por Benevides (1994:222) em sua tese de doutorado, quando destaca as várias possibilidades e modalidades de mobilização que o processo grupal pode desencadear em seus integrantes:

Um primeiro destaque a ser feito em relação ao trabalho com grupos é o fato de que nele se estabelecem conexões não apenas entre pessoas diferentes, como também entre modos de existencialização diferentes. Isto cria um vasto campo de confrontos de certezas, de expectativas, de interrogações, que se propagam como ondas sonoras, abrindo fossos onde tudo estava cimentado, fissurando o que estava congelado. Muitos diriam que isto não é exclusivo do grupo. É verdade. Mas é verdade também que as falas portadoras de cristalizações, os afetos congelados em territórios fechados, quando acionados pelo dispositivo grupal são mais facilmente argüidos em seu caráter natural.

Pichon-Riviére (1971:123) é consoante a tal pensamento, quando afirma que“um grupo tem uma estrutura, uma forma, porém não é resultado da soma das partes, mas um todo estruturado que abarca seres individuais, sensíveis, pensantes, atuantes, que se movimentam absorvendo e influenciando o seu próprio caminho, dando singularidade à experiência vivida”. Brabender (1992) também ressalta que a vivência grupal pode fornecer feedback entre os envolvidos no processo, sendo altamente eficaz para provocar mudanças interpessoais.

Os grupos podem assumir diversos formatos conforme suas finalidades, podendo ser de trabalho, de treinamento, terapêuticos, entre outros. Vale, portanto, nos reportar ao estudo de Wood (1990:11), quando conclui que “é difícil dizer o que é e o que não é psicoterapia de grupo, principalmente porque os grupos não terapêuticos podem atingir resultados semelhantes aos dos grupos terapêuticos”. Munari & Zago (1997:36) também fazem um alerta em relação a esta questão, quando afirmam que “os resultados terapêuticos podem permear a vida de qualquer grupo, pela natureza que os caracteriza”.

Uma revisão de literatura sobre abordagens grupais na área de saúde, apresentada no artigo de Rasera (1999), demonstrou a diversidade de modalidades e experiências relatadas neste campo: grupos de apoio atendendo à pacientes em tratamento ambulatorial e hospitalar; grupos terapêuticos abertos; grupos psico- educativos de orientação cognitiva comportamental; grupos fechados; grupos de convivência ou ajuda mútua. Os grupos são apontados pelos autores como uma fonte substituta de apoio e encorajamento, pois podem promover a redução dos medos, ansiedade, sensação de isolamento e a aprendizagem de novas maneiras de lidar com as doenças crônicas.

Os grupos constituídos por pacientes com uma patologia comum têm sido cada vez mais reconhecidos como recurso viável e eficaz para a saúde. O aumento do número de grupos nos últimos anos tem legitimado a necessidade destes. Eles podem ser descritos como associações voluntárias, facilitados por profissionais ou auto-facilitados por pessoas que compartilham de problemas comuns, doença ou condição humana, que confiam no conhecimento derivado da experiência de quem passa ou passou a mesma situação. Essas pessoas tendem a lidar e resolver seus problemas por meio de interesses comuns na perspectiva de ajuda - mútua. As teorias sobre as relações de troca apontam que elas ocorrem porque são reforçadas mutuamente por ambos os participantes e trazem vantagens para todos. “Os principais reforços costumam ser a aprovação social e a auto-realização, que perdura na vida do indivíduo, maximizando seus resultados” (WOOD, 1990: 32).

Vários autores apresentam em suas obras a importância e benefícios dos grupos de convivência. Getzel (1991), em seu trabalho sobre os benefícios de grupos de pacientes com patologias comuns, ressalta que as intervenções grupais capacitam seus membros a desenvolver um senso mais positivo de si próprio, tornando-os mais ativos e seguros, elevando a auto-estima e facilitando o encontro de novos significados na vida.

Especialmente em relação aos portadores do HIV/SIDA, a produção cientifica encontrada, traduzida em pesquisas e experiências de atenção a esse segmento, são unânimes em salientar os resultados positivos obtidos em relação à qualidade de vida dos pacientes, enfocando a adesão ao tratamento. Bernstein & Klein apud RASERA (2003) e Tunnell (1991), enfatizam que apesar da eficácia desse tipo de intervenção, a abordagem grupal ainda se constitui um grande desafio para os profissionais de saúde, dado a complexidade de fatores envolvidos no seu processo de planejamento e desenvolvimento. Muitos destes aspectos já foram ressaltados por Freire (1997), como: o respeito aos saberes dos componentes do grupo; os riscos; a aceitação do novo e rejeição de qualquer forma de discriminação; o respeito à autonomia do ser do participante; a convicção de que a mudança é possível; a disponibilidade de diálogo; o comprometimento; a pesquisa; a criticidade; a estética; e a ética.

Munari & Rodrigues (1997), constataram em trabalho com pessoas vivendo com HIV/SIDA no Brasil, que esse tipo de grupo traz substanciosos benefícios aos seus integrantes, pois se apresenta como uma opção voluntária com o objetivo de fornecer aos pacientes, convivendo com situações semelhantes, uma oportunidade de expressar suas preocupações e buscar formas de enfrentamento da soropositividade.

Para Aguiar et al (2001), baseados nas suas experiências com grupos de convivência entre portadores do HIV/SIDA em Portugal, os grupos costumam

proporcionar aos seus membros um favorecimento no processo de adaptação às diferentes situações geradas pelo diagnóstico da soropositividade; aquisição e reforço de atitudes positivas face à integração no contexto social; melhoria da qualidade de vida; proximidade com os profissionais envolvidos no seu tratamento; facilidade de expressar seus sentimentos ligados ao viver com HIV/SIDA; melhoria no processo de auto-compreensão; favorecimento ao conhecimento e a mobilização de recursos pessoais; melhoria da comunicação no contexto familiar, laboral, sanitário e de auto-cuidados; apoio na resolução de problemas; participação social.

A composição desse tipo de grupo é objeto de uma série de posições antagônicas entre diferentes autores. Spector & Conklin (1987), sugerem que a composição do grupo deve obedecer a uma similaridade baseada nos estágios da infecção, em contrapartida a outros estudos, como o de Zimerman (1997), que demonstra experiências positivas com grupos de pacientes soropositivos em diferentes estágios da infecção. Outras variáveis também são apontadas em alguns estudos como determinantes na composição dos grupos de apoio, como as formas de contágio por Getzel (1991) e gênero por Siebert & Dorfman (1995).

Souza & Vietta, no artigo intitulado “Benefícios da interação grupal entre portadores do HIV/AIDS”, publicado em 2004, revelam que a partir do momento em que adolescentes e jovens tomam conhecimento da sua soropositividade costumam entrar em uma estreita relação com a doença incurável, com o sofrimento físico e mental e com a morte. A reação negativa do portador de HIV/SIDA frente a seu diagnóstico, geralmente são expressas por sentimentos de insegurança, medo, impotência, desesperança e revolta, justificados, muitas vezes, pela culpa e por uma sensação de fatalidade inerente. Discorrem ainda, que embora as condições evoquem sentimentos pessimistas, são surpreendentes, a força e a garra com que certos pacientes revelam e mobilizam recursos para recobrarem seu equilíbrio em busca de alternativas de enfrentamento. A pesquisa demonstrou ainda, que é desejo da maioria dos pacientes, conviver em um espaço

com pessoas que apresentam os mesmos problemas e que essa convivência pode ser facilitadora no enfrentamento das suas dificuldades, contribuindo de forma positiva para o processo de aceitação e participação destes no próprio tratamento.

O ACORD (2006), periódico que divulga estudos e trabalhos relativos ao HIV/SIDA no continente africano, apresenta em algumas de suas edições, experiências dessa natureza em associações de pessoas vivendo com HIV/SIDA no Zimbábue, Angola, Tanzânia e África do Sul. As experiências apontam para grandes dificuldades de adesão dos pacientes aos grupos de convivência por medo de serem identificados por outros pacientes ou pela comunidade, porém nenhum dos periódicos consultados refere-se exclusivamente a grupos com adolescentes e jovens.

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