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4.1 – A CENSURA POLÍTICA DA MÚSICA DE PROTESTO NOS ANOS DE CHUMBO

4 – DA CENSURA POLÍTICA NA MÚSICA DE PROTESTO DOS ANOS DE CHUMBO ÀS FORMAS DE RESISTÊNCIA

4.1 – A CENSURA POLÍTICA DA MÚSICA DE PROTESTO NOS ANOS DE CHUMBO

Rompe o tarol/ Soa o clarin/ Por esse mundo afora/ Brilha o punhal/ Mira o fuzil/ Morre ou se rende agora/ [...]/ É hora de vida ou morte/ [...]/ É hora de ser mais forte/ Minha guerra em medo se esvai/ Por coragem me fiz desertor/ Mas fugir desse encontro de amor/ Eu não posso mais/ Minha história é uma fuga que trai/ A memória do herói que morreu/ Mas meu sangue manchado do teu/ Eu não quero mais/ Para o tarol/ Cessa o clarin/ É hora de não fugir mais/ [...]/ É hora de se morrer em paz.

Carlos Lira, O desertor (1973).

O discurso produzido pelos censores em seus pareceres, como veremos adiante, tentava justificar e legitimar a interdição das canções de teor contestatório contra o regime militar e, ao mesmo tempo, mostrava a sua própria ideologia. A qual, como já dissemos antes, é a maneira como os agentes sociais representam para si mesmos o aparecer social, econômico e político, conforme Marilena Chauí (1989, p. 3), de tal modo que dissimula o real. Além de engendrar uma identificação que unifica pensamento, linguagem e realidade, ganhando coerência, através de seu discurso lacunar, visto que a coerência ideológica só é obtida graças aos não-ditos, pois são os termos ausentes que garantem a veracidade do é afirmado (CHAUÍ, 1989, p. 3-4). Como podemos perceber nas justificativas elaboradas pelos censores para o veto das canções de protesto. Os discursos que eles produziam para justificar a censura política das canções assumem a forma de um “discurso competente”, de “um discurso instituído” (CHAUÍ, 1989, p. 7), passando-se por verdadeiro. O que evitava, em boa parte, que estas canções chegassem ao conhecimento do público, por estarem carregadas de críticas e contestações, em suas “letras”, às diretrizes políticas, econômicas e sociais implementadas pelo regime militar no Brasil. Mesmo durante o período de 1969 a 1974, visto como o de maior recrudescimento da repressão e da censura.

O cantor e compositor Sérgio Ricardo, por exemplo, de acordo com Carocha (2006a, p. 201-202), “teve inúmeras músicas proibidas ou mutiladas pela censura. Suas composições eram perpassadas por um viés eminentemente político”. Em ofício de outubro de 1968, em virtude da composição intitulada Dia de Graça, de Sérgio Ricardo, foi solicitada sua ficha ao diretor do DOPS pelo chefe do SCDP, Aluysio Muhlethaler, que assim se expressou:

Comunico a Vossa Excelência que nesta data estou encaminhando ofício ao Senhor Delegado Regional do D.P.F., em São Paulo, solicitando providências no sentido de que o autor da letra musical – “DIA DE GRAÇA”, senhor Sérgio Ricardo, seja fichado no S.O.P.S., face as suas atividades subversivas, ao compor músicas com mensagem contrária aos interesses nacionais.197

No outro ofício do mesmo chefe do SCDP ao delegado regional do DPF de São Paulo (em resposta há um memorando daquela delegacia regional referente à solicitação de censura para a letra musical Dia de Graça, de Sérgio Ricardo), foi feita a ligação entre uma suposta subversão presente na letra desta música com uma também suposta atuação dos comunistas na produção em massa de músicas com letras subversivas, na tentativa de solapar o regime vigente, como descrito abaixo:

Trata-se de uma letra altamente subversiva, nos moldes das que estão sendo produzidas em massa pelo grupo comunista, que vem agindo no cinema, teatro, rádio e na televisão.

Aparentemente inocente, a letra referida lança o seu veneno, subrepticiamente, solapando o regime e as instituições.

O Departamento de Polícia Federal, vigilante contra a ação desse grupo nefasto, jamais poderá deixar passar desapercebida a tentativa de difusão de uma música de texto subversivo – como é “DIA DE GRAÇA”, de Sérgio Ricardo.

Sugiro, pois, a Vossa Excelência, [que] seja o produtor em questão fichado no Serviço de Ordem Política e Social dessa DR, face às suas atividades contrárias ao regime.198

Em setembro deste mesmo ano de 1968, o chefe do SCDP enviou outro ofício ao diretor da DOPS, em resposta há um documento confidencial enviado por este último sobre a liberação para todo o país do disco “CHE”, de Carlos Puebla, gravado na França e importado para o Brasil, onde foi regravado pela Companhia Brasileira de Discos do Rio de Janeiro. Neste documento, Aloysio Muhlethaler informa que “há dias, já havia tomado providências visando esclarecer se o disco intitulado “CHE”, autoria de Carlos Puebla, Gravação Polidor [...] fôra liberado para todo o país”. Além de mostrar sua preocupação com as consequências que poderiam advir com a apreensão deste disco, nos seguintes termos: “Nesta data, estamos consultando o Departamento [de] Assessoria Jurídica do D.P.F. sôbre a viabilidade de apreensão dos discos em todo o Território Nacional e as consequências jurídicas que a medida poderá acarretar”.199

197

Ofício n.° 393/68-SCDP, do chefe do SCDP Aloysio Muhlethaler de Souza ao diretor da DOPS, Cel. Newton Braga Teixeira, de 16 out. 1968. Grifo nosso.

198

Ofício n.° 394/68-SCDP, do chefe do SCDP Aloysio Muhlethaler de Souza ao delegado regional do DPF/SP, Gen. Silvio Correa de Andrade, de 16 out. 1968.

199

Ofício n.° 310/68-SCDP, do chefe do SCDP Aloysio Muhlethaler de Souza ao diretor da DOPS, Cel. Newton Braga Teixeira, de 04 set. 1968.

Em agosto de 1969, mostrando que o SCDP estava atento com a subversão e os subversivos que supostamente usavam a música como veículo de divulgação do comunismo, Aloysio Muhlethaler informava ao diretor-geral do DPF sobre a existência de uma rádio clandestina na cidade de Bela Vista, Mato Grosso, que irradiava um manifesto do PCB e uma música marcial semelhante à Internacional Comunista. Ele começa informando no início do documento que o técnico de censura Manoel Felipe de Souza Leão Neto e o Agente Auxiliar de Polícia Federal Osório Miranda Ferreira, “que estiveram em Mato Grosso, à serviço dêste SCDP, captaram na cidade de Bela Vista, quarta-feira, dia 30 de julho próximo passado, das 21 às 21,30 horas, uma emissôra de rádio clandestina”. A referida estação – continua o chefe do SCDP – “foi captada através [de] um rádio de pilha ‘Sharp’, japonês, de pouco alcance e na banda de 49 metros (ondas curtas)”, em que teria sido possível perceber o seguinte, segundo ele:

O locutor – de voz pausada e grave – irradiava um manifesto do Partido Comunista Brasileiro, tecendo impropérios contra o govêrno do país e, conclamando os trabalhadores, estudantes, artistas e camponêses para uma luta armada objetivando a derrubada do que chamava de “ditadura do terror”.

No intervalo da leitura do manifesto, a estação apresentou um trecho de uma

música marcial, vibrante, assemelhando-se à “INTERNACIONAL

COMUNISTA”.

Ao final da leitura, o locutor convidou os ouvintes para a nova sintonia no dia seguinte, no mesmo horário e na mesma banda de onda.200

Ao concluir o documento, o chefe do Serviço de Censura de Diversões Públicas – Aloysio Muhlethaler – informou que parecia “tratar-se de uma estação localizada na faixa da fronteira, talvez em alguma fazenda do Brasil ou Paraguai”, e que ao “deixar o ar, o locutor não forneceu qualquer prefixo”. Dessa forma, finalizando sua justificativa, ele determinou que fosse cumprida a sugestão apresentada a seguir: “Assim sendo, sugerimos [que] seja o presente expediente encaminhado ao Centro de Informação, a fim de que sejam tomadas as providências que o caso exige”.

Em 03 de maio do ano de 1971, a “letra” da canção O Mêdo, de Taiguara, foi censurada, apesar do uso da metáfora que falava, dessa forma: “Seus morcêgos de metal cospem fôgo nos seus filhos”, usada pelo autor. Na letra desta canção, que teria gravação do próprio Taiguara, aparece o nome “Vetada”, escrito à mão três vezes, e os seguintes trechos da canção sublinhados horizontalmente: “MEU SONHO” e “SONHOS LIVRES”. Já sublinhado na vertical, aparece o trecho a seguir: “SÔBRE A FESTA DOS VAMPIROS/

200

Ofício n.° 422/69-SCDP, do chefe do SCDP Aloysio Muhlethaler de Souza ao diretor-geral do DPF, Gen. José Brêtas Cupertino, de 07 ago. 1969.

SEUS MORCÊGOS DE METAL/ COSPEM FÔGO NOS SEUS FILHOS/ ME DÃO MÊDO DO REAL”.201 Quer dizer, apesar do uso da metáfora nesta canção, por parte de Taiguara, a mesma ainda acabou sendo vetada. O que demonstra que os censores estavam bastante atentos a isso. Lembremos ainda, que esta composição é exatamente posterior a outra que acabou passando pela censura e os censores, mas depois foi censurada, passando vários anos proibida de ser executada no Brasil. Estamos falando de Apesar de você, do ano 1970, de autoria de Chico Buarque, que era uma crítica endereçada ao presidente Médici, disfarçada em uma querela amorosa.202 Certamente depois desse episódio envolvendo a canção Apesar de você, os censores ficaram ainda mais atentos no uso diário da tesoura censória.

Também em 1971, a música Segure tudo, de Martinho da Vila, foi vetada em virtude do trecho que dizia: “ASSEGURE O PÃO DE CADA DIA/ TRABALHANDO COM VONTADE/ SEGURE, SEGURE, SEGURA E NÃO LARGA/ ESSA TAL DE LIBERDADE”, como percebe-se pelo argumento que o censor Reginaldo deixou escrito à mão: “ENTENDO COMO PERIGOSO O EMPRÊGO DESSE ‘TAL DE LIBERDADE’”. E por isso, acabou por recomendar: “A NÃO APROVAÇÃO DA LETRA ACIMA”, a qual foi liberada depois em virtude de mudança nesse trecho.203 Em ofício do chefe da TCDP da Guanabara, de julho de 1972, em resposta a um documento da DCDP questionando a situação dessa letra musical, foi esclarecido que a letra citada havia sido “vetada em virtude da expressão ‘Tal de liberdade’”, mas como posteriormente o seu autor modificou “na referida obra musical o termo acima citado, para ‘Tal felicidade’, [...] foi a mesma aprovada por esta Chefia, com o registro de n.° 6658/71 datado de 8/7/71”.204 Dessa forma, em 10 de julho de 1972, o diretor da DCDP respondia ao superintendente regional do DPF/SP, que “a aprovação da letra musical intitulada ‘SEGURE TUDO’, de autoria de Martinho da Vila, deu-se em

201

Disponível em: <http://www.censuramusical.com/includes/docs/O_Medo_-_Taiguara_1.pdf>. Acesso em: 30 nov. 2009. Grifo no original.

202

Entre os versos dessa canção, alguns diziam: “[...]/ Hoje você é quem manda/ Falou tá falado/ Não tem discussão, não/ A minha gente hoje anda/ Falando de lado e olhando pro chão, viu?/ Você que inventou esse estado/ Inventou de inventar toda escuridão/ [...]/ Apesar de você amanhã há de ser outro dia/ Eu pergunto a você, onde vai se esconder, da enorme euforia?/ Como vai proibir, quando o galo insistir, em cantar?/ [...]/ Quando chegar o momento/ Esse meu sofrimento/ Vou cobrar com juros, juro!/ Todo esse amor reprimido/ Esse grito contido/ Este samba no escuro/ [...]/ Você vai pagar e é dobrado, cada lágrima rolada, nesse meu penar/ [...]/ Inda pago pra ver o jardim florescer/ Igual você não queria/ Você vai se amargar/ Vendo o dia raiar/ Sem lhe pedir licença/ [...]/ Como vai se explicar, vendo o céu clarear, de repente, impunemente?/ Como vai abafar, nosso coro a cantar, na sua frente?/ [...]/ Você vai se dar mau/ Etc e tal/ [...]”.

203

Parecer do censor Reginaldo sobre a letra musical Segure Tudo, de Martinho da Vila. Trechos no original escritos à mão e em caixa alta.

204

Ofício n.° 278/72-TCDP do chefe da TCDP/DR/GB, Oresto Mannarino, ao diretor da DCDP, Rogério Nunes, de 04 jul. 1972.

virtude de haver o autor concordado em modificar os termos da referida letra que motivaram o veto inicial”.205

Em julho de 1972, uma informação sigilosa do SNI – Agência RJ –, que teve como assunto o título: “MOVIMENTO ESTUDANTIL NA GUANABARA”, destacou que o DCE da PUC/RJ havia realizado no último dia 26 de junho um show que contou com a participação de Gonzaguinha, Sérgio Ricardo e Egberto Gismonti. Em seguida, foi mencionado que os organizadores se dirigiram ao público, formado em sua maioria por estudantes, alegando que

as falhas porventura encontradas na programação eram decorrentes, unicamente, das prisões ocorridas na PUC, onde inúmeros estudantes foram “arrancados” de suas casas por policiais e “encarcerados” sem culpa formada. Informaram, ainda, que aquêle seria o primeiro de uma série de espetáculos programados com a finalidade de promover o intercâmbio musical e cultural dos estudantes.

Também foram mencionadas as músicas interpretadas por Sérgio Ricardo, Egberto Gismonti e Luiz Gonzaga Júnior, alertando-se que este último ainda “cantou ‘Aquarela do Brasil’ em versão satírica e em seguida encerrou sua apresentação com músicas pornográficas, tais como ‘Bota na tua Bunda’, ‘Acuda Mãe, Acuda Pai, Acuda Gente’”. Segundo o documento, foi distribuído entre os espectadores “uma transcrição sob o título ‘As Liberdades Democráticas na Declaração Universal dos Direitos do Homem’”. Além disso, foi ressaltado que esse espetáculo “transformou-se em um meio de protesto contra a prisão de estudantes que se encontravam envolvidos com a organização subversiva ‘União da Juventude Patriótica – UJP’”, e que a renda auferida com a realização do show provavelmente seria “aplicada na contratação de advogados para a defesa dos estudantes”.206

Em um radiograma de setembro desse mesmo ano foi solicitado à Superintendência Regional da Guanabara, ouvir os cantores Luiz Gonzaga Júnior, Sérgio Ricardo e Egberto Gismonti a “RESPEITO [DA] INTERPRETAÇÃO [DE] MÚSICAS SEM APROVAÇÃO [DA] CENSURA, [...] [NO] TEATRO JOÃO CAETANO, DIA 26/06/72”, neste referido show patrocinado pelo DCE (Diretório Central dos Estudantes) da PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Rio de Janeiro.207 Em 20 de setembro, os artistas mencionados acima prestaram esclarecimentos na Delegacia Regional do DPF/GB, sobre o fato. No dia 22, o encarregado do setor de fiscalização da TCDP/GB informava ao delegado chefe dessa turma de censura que, atendendo ao seu despacho, passava às suas mãos “os têrmos de declarações prestados pelos cantores LUIZ GONZAGA JÚNIOR, EGBERTO GISMONDI [sic], e

205

Ofício n.° 307/72-DCDP do diretor da DCDP, Rogério Nunes, ao superintendente regional do DPF/SP.

206

Informação n.° 11.919/72/ARJ/SNI, de 06 jul. 1972.

207

SÉRGIO RICARDO, os quais foram ouvidos no SOPS/SR/GB”. Como também enviava “cópia do pedido de aprovação de programação, solicitado pelo Diretório Acadêmico GALILEU-GALILEI, da PUC/RJ, para o Show do dia 26/06/72, realizado no Teatro João Caetano”. Além disso, continuou informando o seguinte: “das músicas constantes nos Têrmos de declarações dos cantores em causa, não constam como aprovadas nos arquivos desta TCDP: SÓ ISSO EU POSSO DIZER, DEUS E O DIABO NA TRILHA [sic] DO SOL, SALVADOR, MULHER RENDEIRA, TREM [...] e MULEQUE [...]”.208

Sobre essas músicas que teriam sido interpretadas no show da PUC/RJ e sem a aprovação da censura, podemos perceber nos termos de declarações as explicações e justificativas dadas por Gonzaguinha, Sérgio Ricardo e Egberto Gismonti ao SOPS do DPF/GB. O escrivão da Polícia Federal anotou que Gonzaguinha declarou ter participado do referido show no Teatro João Caetano, no qual executou seis números musicais de sua autoria, e “de títulos: ‘POBREZA POR POBREZA’, ‘MUNDO NOVO VIDA NOVA’, ‘UM ABRAÇO TERNO EM VOCÊ, VIU MÃE?’, ‘MULHEQUE’, ‘UM PEDAÇO DO TREM’ e ‘SÓ NÃO VOU SER MAIS DE PACIÊNCIA’”. Números esses já liberados pela Censura Federal, segundo o declarante.

Foi assinalado, ainda, que o mesmo declarou possuir “uma música de título ‘SÓ ISSO EU POSSO DIZER’, cuja letra em parte é a seguinte: ‘ACUDA MÃE, ACUDA PAI’, a qual segundo consta ao declarante teria sido liberada pela Censura do Estado de São Pulo”. Ele teria afirmado, ainda, “com toda a sua convicção que [...] a música de [...] título ‘SÓ ISSO EU POSSO DIZER’ não foi executada no show efetuado no teatro João Caetano”. Além disso, foi assinalado no documento, que “o declarante deseja deixar consignado que suprimiu do seu repertório musical a referida música em virtude da má impressão que causa cacofonia”, apesar de a mesma já ter sido liberada pela TCDP do Estado da Guanabara.209

Também foi escrito que João Lutfi (nome verdadeiro do cantor e compositor Sérgio Ricardo), também declarou ter participado desse show patrocinado pelos estudantes da PUC/RJ, no qual executou quatro números musicais do seu repertório: “‘ZELÃO’, ‘parte da trilha sonora [de] DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL’, ‘CANTO AMERICANO’ e ‘ENQUANTO A TRISTEZA NÃO VEM’”. Os quais inúmeras vezes apresentou ao público e toda vez que “os executa em shows, apresenta a Censura local para a devida liberação”. Por isso, não teria executado nenhum número musical fora daqueles já determinados, “muito

208

Informação s/n.°, do encarregado do setor de fiscalização da TCDP/GB, José da Costa Negrão ao delegado chefe da TCDP/SR/GB, de 22 set. 1972.

209

Termo de Declarações prestado por Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior ao cartório da delegacia do SOPS/SR/DPF/GB, de 20 set. 1972.

menos com conteúdo pornográfico, desconhecendo o declarante que isto tenha ocorrido por outro artista, até o momento de sua saída do Teatro”.210 Já sobre Egberto Gismonti, o escrivão anotou que o mesmo declarou que recordava-se de ter participado do referido espetáculo, no qual executou os seguintes números musicais: Salvador, Mulher Rendeira, Ano Zero e Água e

vinho, “e se não está equivocado executou o número de título ‘NELSON CAVAQUINHO’”. Como também, teria afirmado que executou músicas “já liberadas pela Censura”, além de ignorar “qualquer acontecimento extra show com a execução de números artísticos contendo letra pornográfica”.211

Por outro lado, de acordo com Maika Lois Carocha (2006a, p. 207), alguns cantores/compositores como Geraldo Vandré e Chico Buarque, por exemplo, tornaram-se ainda mais conhecidos por causa de seus constantes embates com a censura. A mesma Maika Carocha diz que apesar dos casos desses cantores-compositores serem bem mais visíveis devido ao relativo sucesso que eles detinham na época, também “existiram muitas outras músicas censuradas por razões político-ideológicas” (CAROCHA, 2006a, p. 208). Ela cita como exemplo um parecer datado de 1973, sobre a canção intitulada Figa de Guiné, de autoria de Baden-Powell e Paulo Sérgio [sic] Pinheiro,212 que vetava integralmente a referida canção.213 Segundo Carocha (2006a, p. 208), naapreciação sobre o veto o censor deixou bem claro seus motivos para tal ato, dizendo:

A letra musical abaixo discriminada, frontalmente contrária à orientação política vigente no país, bem como pelo seu conteúdo francamente de protesto, entendo como violadas as normas contidas nas letras D e G do artigo 41 do Decreto 20.493.214 Opino pela sua não liberação, sem a

possibilidade de grau de recurso.215

No entanto, a canção Figa de guiné foi apreciada em Brasília, em grau de recurso, juntamente com outra composição da parceria entre Baden Powell de Aquino e Paulo César Pinheiro, de título O semi-Deus. Apesar do que foi exposto acima por Maika Lois Carocha,

210

Termo de Declarações prestado por João Lutfi ao cartório da delegacia do SOPS/SR/DPF/GB, de 20 set. 1972.

211

Termo de Declarações prestado por Egberto Gismonti Amim ao cartório da delegacia do SOPS/SR/DPF/GB, de 20 set. 1972.

212

Acreditamos que houve um erro aqui por parte da referida autora, pois, o nome correto deste último cantor/compositor é Paulo César Pinheiro, e não Paulo Sérgio Pinheiro.

213

O parecer mencionado é este, a seguir, segundo Carocha (2006a, p. 208 [nota 50], grifo nosso): Parecer n.° 5.240/73, de 25 de julho de 1973. O qual encontra-se em: Arquivo Nacional de Brasília, Fundo Divisão de Censura de Diversões Públicas.

214 Sobre as alíneas d e g do artigo 41 do Decreto 20.493, ver o segundo tópico do 1.° capítulo deste trabalho. 215 O grau de recurso, proibido pelo censor acima, segundo Maika Lois Carocha, era “uma medida importada da

prática jurídica que possibilitou aos compositores e gravadoras recorrerem das decisões da censura”. Ela diz, ainda, que o recurso “poderia ser utilizado apenas duas vezes e era necessário justificar a sua utilização”. Por isso, continua a autora: “Muitas vezes as letras das músicas eram alteradas (por sugestão ou não do censor) para uma nova tentativa de liberação” (CAROCHA, 2006a, p. 208).

neste parecer da Divisão de Censura de Diversões Públicas a composição Figa de guiné foi vista como sendo vetada por motivação moral e não político-ideológica. O censor Antônio Gomes Ferreira, em 25 de julho de 1973, deu o seguinte parecer conjunto para as canções

Figa de guiné e O semi-Deus:

Em SEMI-DEUS expressa ocultamente o mandamento da subversão a longo e curto prazo, baseada na violência da convicção de que o governo revolucionário já é decadente; em FIGA DE GUINÉ identifica seu amor erótico, próprio de cabarés, com o amor de Jesus de Nazaré com Maria Madalena. Conotação perigosa para o que se propõe: confundir, despertar dúvidas, solapar as convicções.

Pelo espírito expresso nas duas letras, de encontro ao espírito do