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CENTRAL DA PERIFERIA 33 a periferia e a tevê.

Na entrevista descrita anteriormente, no diário de campo, a aluna criticou o programa Central da Periferia apresentado por Regina Casé. A estudante avaliou o programa como bom, mas mostrou uma realidade que não corresponde às verdadeiras necessidades do local. Para ela, a Rede Globo é formadora de opinião, logo questiona, a intenção da emissora em exibir uma seqüência de programas que falam da periferia como o documentário “Falcão: meninos do tráfico” do rap MV Bill, o filme “Cidade de Deus” e o programa de Regina Casé.

Para a aluna a mídia se apropria dos valores da comunidade periférica, para torná-la caricato. Os programas mostram uma visão negativa dos jovens dessas comunidades, como os envolvidos no tráfico de drogas ou os supostos “heróis”, o bom moço que resistiu a criminalidade, não existindo outra possibilidade de ser cidadão, ou é criminoso ou resistiu ao crime de forma heróica com a ajuda de organizações não governamental.

Em relação à produção cultural, a estudante criticou o programa por divulgar a “cultura bizarra”, termo utilizada pela aluna, produzida nos bairros de periferia, como é o caso do “arrocha”34. Desta forma mostra uma imagem limitada da capacidade crítica e criadora dos jovens da periferia. Talvez aqui, a estudante demonstre a vontade ou necessidade do reconhecimento por aquilo que a mídia e sociedade valorizam de forma positiva. No caso do Rap a aluna admira o ritmo, porém acha que o movimento se “vendeu” para mídia.

Outro ponto que destaco, a partir da entrevista da aluna citada anteriormente, é em relação aos estereótipos criados para identificar alunos da escola pública que geralmente são moradores da periferia, como os alunos do CEBC. Para a mídia, os estudantes da escola pública são identificados como violentos, agressivos que apresentam dificuldades de aprendizagem. Reconhecemos os problemas no sistema de ensino público, porém nas questões cognitivas e comportamentais os alunos são avaliados de forma generalizada.

Os estereótipos nascem quase sempre da mídia, afirma Sposito (1996), e são reforçados pela própria escola, gerando um desconforto que predomina nas escolas da rede pública, pois a própria rede com o auxilio da mídia legitima a sua “falta de capacidade”. Há pouco tempo, aqui em Salvador, foi lançado um programa para escolher o aluno destaque da rede pública municipal de ensino, como prêmio o aluno ganhava uma bolsa de estudo em uma grande escola da rede privada.

Para Sposito (1996) os estereótipos traduzidos por estigmas deformam ou conformam a identidade jovem quando aliado ao preconceito, atribuindo determinadas características ao aluno e negando a este jovem o direito de falar, de se posicionar socialmente, culturalmente, pois já carrega o estigma de ser aluno de escola pública, morador da periferia fadado ao insucesso e a falta de perspectiva para a vida futura.

Esse estigma altera a identidade dos jovens que freqüentam as escolas públicas, colocando-os em um patamar de inferioridade diante dos jovens de classe média, estudantes das escolas privadas. Em uma entrevista no CEBC, a aluna expressou a sua vontade de fazer vestibular para medicina, mas repetiu várias vezes que ela seria discriminada na Faculdade pelo fato de ser negra e nas entrelinhas moradora da periferia, estudante da escola pública.

Segundo Fischer (2002), a forma como a televisão apresenta determinados grupos como diferentes, pode fazer com que esses grupos ganhem visibilidade social, sejam excluídos ou tenham a sua situação de “anormalidade” normalizada. Para a autora, “existe uma imensa responsabilidade dos meios de comunicação no que se refere aos modos de nomear os diferentes”, como: os sem-terra, os adolescentes da periferia, a mulher dona de casa, a professora do sertão nordestino, a juventude consumista, os homossexuais. O posicionamento da mídia em relação às diversas identidades pode causar a exclusão e o distanciamento social desse grupo.

O conceito de “dispositivo pedagógico da mídia” defendido por Fischer (2002) enfatiza o modo como a mídia, principalmente a televisão, atua na produção de imagem, de significações, de saberes, que de alguma forma estão direcionadas para “educação” das pessoas, ensinando-lhes os modos de ser e estar na cultura que estão inseridas, atuando na constituição de sujeitos e subjetividades da sociedade contemporânea.

O argumento de Fischer é de grande importância para este trabalho, pois traz para o debate o que a escola, de certa forma, teme em trabalhar - os meios de comunicação implementados no currículo da escola regular, para tornar possível uma contextualização comprometida com a comunidade sociocultural que os jovens e as escolas estão inseridos.

As culturas juvenis se movimentam e se articulam em torno da diversidade e da simultaneidade cultural em que estão inseridos. Giroux (1996) apud em Cogo e Gomes (2001) atribui a multiplicidade de experiências adquiridas pela nova geração aos vários fatores como: o decréscimo da autoridade, o enfraquecimento das instituições públicas, a incerteza econômica, a proliferação das tecnologias eletrônicas e a pedagogia de consumo.

Para o autor, essa pluralidade marca a cultura de um novo tipo de estudante que está também presente no CEBC., que vive sob a marca de uma cultura globalizada, onde as identidades são fragmentadas e não se organizam mais em torno de um território fixo e duradouro.

A escola pode e deve problematizar as mais variadas situações que acontecem no cotidiano, a partir de trabalhos que tenham como ponto de partida a mídia, pois a escola é o espaço, como alerta Fischer, privilegiado para professores e alunos discutir, pensar o tempo atual, no tempo atual, criando alternativas para interpretações dos fatos narrados que são oferecidos pelos meios de comunicação, afirma Fischer.