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Nas entrevistas com alunos e alunas sem muitos adereços que o identificassem com o gosto musical ou ídolos das novelas, procurei saber o que elas assistiam, ouviam e gostavam. As duas são alunas da 2ª série do Ensino Médio. A entrevista trilhou por vários assuntos, inclusive a discriminação racial.

Uma das alunas se declarou pagodeira (1), mas que ouve todos os ritmos, desde o

hip hop até forró, principalmente o grupo “Limão com Mel”27, cujas músicas falam de amor

de “coisas próximas da gente”. A outra aluna (2), disse gostar de música romântica que aborda os sentimentos, o amor como as composições de Djavan e do grupo musical Roupa Nova, também gosta de funk, mas de pagode ela não gosta, “pode até ouvir, mas não gosta”. As alunas declararam que os pais não as deixam irem para as festas, pela faixa etária, pois têm 16 anos. Perguntei se a diferença no gosto musical não atrapalha a amizade das duas? Elas disseram que não, pois são amigas também fora da escola, já estudaram quatro anos juntas em outro colégio.

Perguntei o que elas assistem na tevê e o motivo. As duas responderam Malhação, “pois fala sobre a gente, retrata a realidade dos jovens e ensina a lidar com a personalidade de outras pessoas, com o caráter”. A personagem que as duas se identificam em Malhação é Manuela, protagonista desta fase. Elas afirmam que Manuela é uma pessoa realista. Uma das alunas (1), se considera realista como a personagem, principalmente, por falar tudo que sente e acha verdadeiro sobre as pessoas, “mesmo que doa, o importante é falar a verdade”. Já a aluna (2), também se considera realista, mas espera a hora certa para falar, evitando que a outra pessoa fique constrangida.

Perguntei se tem outro programa que elas gostam e assistem. Responderam a novela “Sinhá Moça”28 (interpretado por Débora Falabella), “pelo o quê ela representa na trama”,

26 Programa exibido pela TVE-Brasil, canal 2.

27Grupo de forró eletrônico diferente do autêntico “Pé de Serra”, que tem vários cantores e dançarinas quase

nuas, e que é uma “febre” atualmente, em quase todo Brasil, não só nas regiões Norte e Nordeste, aparecendo vários grupos com a mesma estrutura e performance.

28 Novela de época da Rede Globo, exibida no horário das 18 horas, no ano de 2006, narra a história de uma

jovem, Sinhá Moça, que luta contra o regime escravocrata liderado pelo próprio pai. Matéria no jornal A Tarde, de 04 mar 2007, divulgou que o Ministério Público da Bahia está exigindo que a Rede Globo refaça a novela Sinhá Moça, com o objetivo de mostrar os negros em condições diferentes daquelas vistas na novela, consideradas humilhantes à auto-estima da população negra.

pois a personagem defende os negros que são discriminados, mostrando que todos são iguais, mesmo que pertençam as classes sociais diferente como a novela retrata o período da escravidão, perguntei se atualmente, os negros continuam sendo discriminados. Elas disseram que sim, a aluna (2) revelou que pretende fazer vestibular para medicina e, na Faculdade de Medicina, ela acredita que vai ser discriminada por ser negra.

Neste momento da entrevista, perguntei se elas discriminam algum colega na escola, pelo jeito de vestir ou pelo comportamento diferente do delas. Uma das meninas (2), revelou que não anda com as meninas da sala, porque são metidas, “tem o nariz em pé”, e se acham melhor que os outros. Elas acham que todos são iguais com características diferentes, uma das alunas citou Cleiton (personagem de Fabrício Santana, em Malhação),

skatista, discriminado por alguns alunos por ser pobre e negro. E argumenta que a novela,

mostra de forma superficial o racismo, pois na “vida real” o pobre e o negro continuam sendo discriminados, principalmente nas universidades.

Perguntei se já tinham sido vítima de preconceito por ser negra, mulher ou moradora da periferia. Elas disseram que diretamente não, mas que ouvem falar que negro é metido, pois “o negro é uma pessoa como outra qualquer”. Resolvi perguntar como a tevê retrata o jovem. Uma das estudantes acha negativa, e narra a notícia que um jovem invadiu uma escola atirando e ferindo vários alunos, para ela a mídia explorou bastante o fato, a partir da juventude do acusado. Também falaram da violência em Cajazeiras VI, onde diversos tiroteios vêm acontecendo com muita freqüência no bairro. Segundo ela (2), a maioria dos envolvidos são jovens moradores com idade entre 15 e 17 anos, entram no mundo do crime. A menina (1) citou a notícia de uma moça que roubou uma caixa de manteiga e foi presa. Perguntei se era um caso acontecido no bairro, ela disse que viu na televisão, e acha um absurdo alguém ser preso por este motivo. Fiz uma intervenção, no sentido de mostrar que o ato de roubar não se justifica, mesmo que seja uma manteiga ou uma grande quantidade de dinheiro público, o que deve ser revisto é a forma de punir os delitos.

Aproveitei a descontração das alunas e o período da Copa do Mundo, para inquirir se elas tinham orgulho de ser brasileira. Responderam de forma positiva, e uma delas para afirmar acrescentou o orgulho que tem de ser afro-brasileira, embora reconhecesse que o Brasil precisava melhorar as condições sociais e econômicas, e que cada cidadão tem

obrigação “de fazer a sua parte”. Voltei a perguntar, se o sentimento de patriota não estava atrelado ao de torcedor no período da Copa do Mundo existindo mais união entre as pessoas. Uma delas respondeu que não sabia. Refiz a pergunta: Vocês acham que neste período as pessoas se unem para torcer? Afirmaram que para torcer o povo se une de verdade, que no bairro que moram vão colocar um telão, para formar uma grande torcida em prol da seleção brasileira.

As alunas afirmaram que o povo brasileiro não se une para reivindicar os seus direitos políticos, só fica reclamando que os candidatos não cumprem o seu papel na hora de representar o povo. A aluna (2) declarou que no bairro em que mora e que nasceu, atualmente não tem segurança, está muito violento, conta que teve até tiroteio, assustando a todos, inclusive as crianças que já não podem mais brincar na rua.

Neste momento, a aluna (1), disse que estava com medo da violência também no Rio de Janeiro, pois o irmão dela, de 15 anos de idade, tinha viajado para o Rio sozinho, foi fazer um teste para ser jogador de futebol de um clube carioca. Franziu a testa e concluiu: “é o destino dele, né!” Encerramos a entrevista com comentários sobre os políticos brasileiros.