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O mundo já assistia os movimentos que lutavam pela conscientização histórica, política e cultural, e valorização do negro e pela igualdade de direitos. Entre estes movimentos destacaremos aqui o movimento político, Pan-africanismo liderado por Willian Du Bois e também por Marcus Garvey. O Pan-africanismo defendia a independência dos países africanos assim como uma associação entre todos os territórios africanos a fim de promover e defender a sua integridade política, econômica e cultural.

A internacionalização da questão do Negro, africana e colonial fez surgir vários movimentos literários, entre os quais a Negritude na França, que contava com Aimé Césaire, Léon Damas e Léopold Sédar Senghor como os principais percussores. A Negritude pretendia reivindicar a identidade negra e sua cultura perante a cultura francesa dominante e opressora. E foi nessa mesma França que Frantz Fanon escreve Pele Negra, Mascaras Brancas, numa tentativa de compreender as relações entre os brancos e negros, pois era na metrópole que o homem negro dos territórios colonizados mais sentia o peso da colonização e do racismo. Segundo Fanon,

“O Negro (…) se for para a Europa terá de repensar a sua condição.

Porque o negro em França, no seu país sentir-se-á diferente dos outros. Disse-se precipitadamente: o negro inferioriza-se. A verdade é que o inferiorizam” (FANON, 2008, p.161).

Foi neste contexto que em Lisboa o núcleo de estudantes que pertenciam a CEI, entre eles, Amílcar Cabral, Agostinho Neto, Alda Espírito Santo, Francisco José

Tenreiro, tentam conquistar por dentro a Casa de África, ora fundada por Raul de Castro, um jornalista natural de São Tomé que “pendia mais para o lado colonial”.Mas o fracasso desta tentativa culminou com a criação em 1951 do Centro de Estudos Africanos, na rua Actor Vele, 37, na casa da família Espírito Santo, oriunda de São

Tomé e Príncipe. O centro “funcionou aos domingos, durante dois anos, provavelmente

entre Agosto de 1951 e o segundo semestre de 1953, em jeito de seminário” (MATEUS, 1999, p.75).

O Centro tinha como objetivos, estudar e conhecer África nas mais diferentes áreas, e ajudar os membros a se redescobrirem enquanto negros africanos inseridos num contexto colonial. Tais objetivos são reforçados nas palavras de Mário Pinto de Andrade, onde segundo ele o objetivo era “ racionalizar os sentimentos de se pertencer a um mundo de opressão e despertar a consciência nacional através de uma análise dos fundamentos culturais do continente” (MATEUS,1999,p.76).

Sob orientação de Francisco José Tenreiro e Mário Pinto de Andrade elaborou- se um plano de trabalho do Centro, dividido em três vertentes: a primeira, A Terra e o Homem direcionada para o estudo geral do homem e do meio envolvente, a segunda, A Socio-economia africana, voltada para a África e as questões econômicas do continente, e uma terceira vertente onde eram abordadas as questões do homem negro: o pensamento negro, o negro no mundo e o negro como colonizador do novo mundo e os problemas centrais para o progresso do mundo negro. Estes encontros ajudaram o estudante negro proveniente da colônia, a pensar e a problematizar seriamente a sua situação enquanto homem negro colonizado.

Amílcar Cabral era um desses estudantes negros provenientes das colônias, e foi no CEA que ele terá sido introduzido no pensamento anticolonial vindo da França, a

Negritude, isso pelas mãos de Mário Pinto de Andrade, através da obra Anthologie de la

Nouvelle Poésie Négre et Malgache, de Leopold Sédar Senghor. Esta obra causou um grande impacto em Amílcar Cabral, o que fica evidente nas suas palavras, “coisas de que eu nem sonhava, poemas maravilhosos escritos por Negros de todas as partes do mundo francês que falam da África, de escravos, de homens, da vida e das aspirações

dos homens… sublime… infinitamente humano… Este livro traz-me muito e, entre

outras coisas, a certeza que o Negro está a acordar no mundo (CABRAL, apud, LARANJEIRA, 1995, p.110). O impacto da Negritude fez Amílcar Cabral passar a incorporar o negro africano, nos seus textos, até então as poesias dele eram caracterizadas pela ausência de cor.

Alguns membros do CEA como, Amílcar Cabral, Alda do Espírito Santo, Agostinho Neto, Francisco José Tenreiro, e Mário Pinto de Andrade, tiveram trabalhos publicados na edição especial da revista Presence Africaine (Les Étudiants noir Parlent). Nesta edição Amílcar Cabral pública o texto, O papel do estudante africano, onde podemos constatar uma clara mudança no discurso de Amílcar Cabral, onde numa das passagens ele demonstra que “Agora é um novo negro que surge entre duas guerras, consciente dos problemas e da sua particular alienação, alienação colonial e reivindica o seu lugar nos quadros da vida econômica, social e política” (LARANJEIRA,2000,p.14). Uma outra iniciativa do Centro resultou no caderno Poesia Negra de Expressão Portuguesa, em 1953, e foi organizado por Francisco José Tenreiro e Mário Pinto de Andrade. Segundo Mário Pinto de Andrade, o caderno era muito importante

porque obrigava os jovens africanos “a estudar, a conhecer África, a pensar a nossa cultura”.

É de se destacar aqui a não participação dos estudantes cabo-verdianos no caderno Poesia Negra de Expressão Portuguesa. O que segundo, Pires Laranjeira (2000) tal ausência se deve ao fato de que os estudantes cabo-verdianos estavam na altura divididos acerca do caráter regional do povo cabo-verdiano: português ou africano. Francisco José Tenreiro reforça essa idéia afirmando o seguinte:

“ A Poesia negra de expressão portuguesa é de todas a mais jovem…

Poder-se-á estranhar a ausência de poetas de Cabo Verde: tal sucede por, em nossa opinião, a poesia das ilhas crioulas, com raríssimas exceções, não traduzir o sentimento da negritude que é a razão-base da

poesia negra… Trata-se, porem, de uma poesia de características

regionais bem vincadas, fruto da aculturação do Negro no Arquipélago, e, como tal, merecedora de um estudo muito

particularizado” (TENREIRO, apud, LARANJEIRA, 2000, Pág.20).

Embora não tenha participado no Caderno, Amílcar Cabral diferente dos alunos cabo-verdianos, nunca hesitou em afirmar que o Arquipélago de Cabo Verde pertencia ao Continente Africano. Esse pode ter sido uma das razões que fez Amílcar Cabral decidir voltar para a Guiné-Bissau, para um aguardado reencontro com as suas raízes, e também poder conhecer a África profunda descrita pelos fundadores da Negritude, aliado também ao projeto de lutar contra a condição imposta ao homem negro africano.

Mas antes de falarmos da experiência de Amílcar Cabral na Guiné-Bissau, falaremos aqui de um outro órgão muito importante na sua formação política em Portugal, o Partido Comunista Português (PCP).