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Centro Hospitalar: Uma Burocracia Profissional do SNS

Capítulo I - Enquadramento Teórico

1.7 Centro Hospitalar: Uma Burocracia Profissional do SNS

Os hospitais são instituições cuja organização se afigura muito diferenciada, com especificidades próprias que têm merecido, particularmente no nosso país, reduzidos estudos empíricos (Monteiro, 1999). Mintzberg (1996) apresenta os estabelecimentos hospitalares como uma tipologia específica de configuração organizacional a que designou de burocracia profissional. De acordo com este autor, no desenho organizacional típico de burocracia profissional, o foco é colocado no centro operacional, composto pelo conjunto de trabalhadores, altamente qualificados, que executam as tarefas relacionadas com a principal atividade da organização que consiste na prestação de cuidados de saúde. A burocracia profissional trata-se de uma tipologia de estrutura que sendo burocrática - na medida em que apresenta considerável formalização interna - é também muito descentralizada e democrática em termos de poder, pois os seus profissionais exercem as complexas funções de forma independente e autónoma (Ferreira, Neves, Abreu &

Caetano, 1996). Detêm, por esta razão, bastante influência e poder. A autoridade legitimada na autoridade hierárquica é, pois, substituída pela autoridade da competência.

As elevadas qualificações dos membros do centro operacional, a complexidade e a urgência das suas funções bem como a autonomia exigida no seu cumprimento, acarretam dificuldades de controlo hierárquico sobre aqueles profissionais. Concomitantemente fazem dos outros serviços de apoio, sobretudo logístico, serviçais do “grande” centro

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operacional. Acresce que, além do poder que lhes é conferido pelas suas qualificações profissionais, os colaboradores do núcleo operacional procuram influenciar as decisões de outra natureza que se relacionem com eles, como as decisões associadas com a linha hierárquica (idem). Com efeito, existe nos hospitais uma estrutura de poder dualista – poder que deriva da competência e o poder que deriva da hierarquia formal.

Tabela 8

Caraterísticas da Burocracia Profissional

Caraterísticas quanto a(o): Burocracia Profissional Mecanismo de coordenação principal Estandardização de qualificações

Componente-chave Centro Operacional

Formação/Instrução Elevada

Formalização e funcionamento Reduzida e burocrática

Idade e dimensão Varia

Ambiente Complexo e estável

Força dominante Profissionalização

Fonte: Adaptado de Ferreira et al., 1996, p. 300

Da revisão efetuada verificamos que a estrutura trazida pela burocracia profissional e à qual obedece a organização dos estabelecimentos hospitalares apresenta algumas limitações. Desde logo, verifica-se a “incapacidade de assegurar a isenção face a interesses particulares”; outra limitação prende-se com “o movimento tendencial para definir prioridades em função de interesses próprios” e, consequentemente, a incapacidade de garantir a conveniência dos clientes/utentes e da organização em benefício da própria conveniência do centro operacional. “As limitações na produção dos resultados esperados, a excessiva hierarquização e a repugna ao controlo e avaliação externa” afiguram-se igualmente como desvantagens neste tipo de configuração (Carvalho, 2008, p. 4). Ferreira et al. (1996) vislumbram ainda como constrangimento deste tipo de estrutura o facto de ser mais adequada a meios estáveis e propensa para a melhoria e aperfeiçoamento do que já existe em detrimento da inovação.

Em Portugal, o reconhecimento de que a utilização das normas da Administração Pública nos hospitais conduz à inflexibilidade do funcionamento destes com consequências quer ao nível da GRH quer ao nível da aquisição de bens e serviços remonta ao ano de 1997. É a partir desta altura que a procura de estruturas hospitalares mais flexíveis, autónomas, norteadas para resultados e focalizadas no interesse dos clientes/utentes começa a ganhar espaço (Observatório Português dos Sistemas de Saúde

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[OPSS], 2009). À luz destes preceitos foi aprovada a Lei n.º 27/2002, de 8/11, que introduziu alterações à Lei de Bases da Saúde, estatuindo um novo modelo de gestão hospitalar aplicável aos estabelecimentos hospitalares que integram a rede de prestação de cuidados de saúde (Portal da Saúde, 2010) e onde se inclui a entidade objeto empírico da presente investigação. No modelo introduzido por esta lei, procurou-se, além de uma maior eficiência e eficácia dos estabelecimentos hospitalares, uma maior equidade e qualidade na oferta da prestação dos cuidados de saúde. Ao nível da Gestão dos Recursos Humanos, proporcionou a liberdade negocial/contratual, pelo alargamento do regime laboral aplicável aos profissionais de saúde à lei do contrato individual de trabalho e à contratação coletiva de trabalho; a criação de centros de responsabilidade e de custos e à criação de sistemas de incentivos por produtividade e objetivos, porquanto o SNS passou a ser financiado pelo Orçamento do Estado, através do pagamento das atividades efetivamente realizadas segundo uma tabela de preços que consagra uma classificação dos mesmos atos, técnicas e serviços de saúde.

Não obstante existam evidências da relação entre o desempenho das pessoas que integram a organização e o sucesso organizacional, o Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS) descurou de certa forma a questão da GRH na saúde ao não aprofundá-la como devia em relatórios anteriores. Segundo o mesmo OPSS (2009), a necessidade de um planeamento e gestão estratégica de recursos humanos na saúde reveste-se de suma importância por várias razões: (1) são os profissionais de saúde que decidem a qualidade e eficiência dos sistemas de saúde pelo considerável nível de especialização e controlo que detêm das atividades críticas das organizações; (2) os profissionais de saúde assumem uma dimensão materialmente relevante se atendermos que representam na União Europeia cerca de um décimo da mão-de-obra total e 70% dos orçamentos. (3) Estes tipos de profissionais, sobretudo médicos, são constantemente aliciados por melhores condições de trabalho, podendo a sua saída comprometer o funcionamento regular dos serviços do SNS e a oferta de cuidados às populações. A implementação de mecanismos de captação, desenvolvimento e retenção de profissionais de saúde pela procura de formas alternativas de realização profissional e de satisfação pessoal, assume, pois, extrema relevância. É neste contexto que se nos afigura a pertinência do estudo das vantagens de uma Liderança Autêntica no meio hospitalar.

Atendendo às particularidades dos hospitais enunciadas anteriormente; ao facto de os recursos humanos destes estabelecimentos cumprirem um papel estratégico no processo de prestação de serviços de saúde, porquanto se relacionam diretamente com os utentes/clientes; e à falta de estudos empíricos sobre a Liderança Autêntica neste tipo de

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configuração organizacional; consideramos deveras pertinente relacionar o conceito recente da Liderança Autêntica à Saúde Organizacional em estruturas tão sui generis.

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