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A ASSISTÊNCIA PSIQUIÁTRICA PÚBLICA NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO DURANTE O GOVERNO JK

3.3 Os órgãos locais do SNDM na cidade do Rio de Janeiro

3.3.1 O Centro Psiquiátrico Nacional

Criado em 1944, o CPN origina-se da Colônia de Alienadas do Engenho de Dentro, fundada em 1911 no bairro do Engenho de Dentro, subúrbio carioca, a qual tinha como objetivo inicial abrigar as indigentes que superlotavam o Hospital Nacional de Alienados (Oliveira, 2004, p. 50). A partir da direção de Gustavo Riedel (1918-1932) há uma reformulação no papel da instituição dentro da lógica assistencial da cidade. As ações representativas desta mudança foram a inauguração do Ambulatório Rivadávia Correa, em 1919, primeiro ambulatório psiquiátrico da América Latina, que teve atuação expressiva na profilaxia de doenças mentais; a criação do Serviço Hétero-familiar, que era realizado assistencial oferecido pelo SNDM por critérios, exclusivamente, médicos, não me debruçarei em analisar o manicômio, tal como farei com o Centro Psiquiátrico Nacional e a Colônia Juliano Moreira.

através de casas habitadas por funcionários que cuidariam de doentes postos sob sua guarda domiciliar135; o Instituto de Profilaxia Mental; por fim, a criação, em 1923, do Laboratório

de Psicologia Experimental da Colônia de Psicopatas do Engenho de Dentro que, em 1932, se transforma no Instituto de Psicologia, uma extensão do curso de Psicologia e Psiquiatria, “trazendo o saber para junto da prática” (Oliveira, 2004, p. 51). Toda esta ordenação assistencial vai fazer esta instituição ocupar um lugar de destaque na assistência psiquiátrica do Rio de Janeiro.

Em 1938, quando Adauto Botelho assume a direção da assistência aos alienados, propõe a criação do Serviço Nacional de Doenças Mentais e a transformação da então Colônia Gustavo Riedel em Centro Psiquiátrico Nacional (Facchinetti, 2011, p. 251). Desde então, a idéia de Adauto Botelho era transferir o Hospício Nacional de Alienados para o Engenho de Dentro, o que ocorre de forma definitiva em 1943. No ano seguinte o decreto- lei Nº 7.055 de 18 de novembro de 1944 cria o Centro Psiquiátrico Nacional, transformando-o num complexo hospitalar. Com exceção do surgimento do Pronto Socorro Psiquiátrico que passou a compor o quadro de órgãos ligados ao CPN, a partir de 1955, a estrutura organizacional do Centro durante o período do governo JK manteve-se a mesma que a do período da aprovação do regulamento do SNDM e de sua criação em 1944.

Constituído de seis estabelecimentos hospitalares e seções especializadas, o CPN tendia durante o governo JK, desde a sua criação, a ampliar suas atividades. O IP, órgão de internação para todos os hospitais públicos destinados a psicopatas na cidade, onde eram feitas as admissões e triagens, tinha a competência de receber os doentes, observá-los e tratá-los imediatamente, transferindo-os posteriormente aos diversos órgãos do CPN, ou diretamente para a Colônia Juliano Moreira conforme o caso. Devido à importância desta função na lógica assistencial do CPN e da cidade como um todo, O IP tinha posição de destaque dentro do conjunto do Centro. Possuía também um serviço de internação com um Pronto Socorro Psiquiátrico, com médicos, internos, enfermeiros e guardas para receberem ou irem buscar os doentes em ambulância a qualquer hora de qualquer dia na semana. E este

135 Este serviço teve duração efêmera (Oliveira, 2004, p. 42). Embora não tenha sido localizado nenhum documento referente à informação de quando, de fato, tenha sido fechado.

serviço aliado aos dos ambulatórios tinha o objetivo de evitar internações salvando o CPN de maiores sobrecargas136.

O Hospital Pedro II era composto na segunda metade da década de 1950, por 14 seções para alojamentos de doentes mentais, uma seção para tratamento ambulatorial dos pacientes egressos, gabinete dentário, várias dependências médico-administrativas, uma secretaria e uma portaria. Conforme já descrito, tinha como competência receber, sob o regime de internação mista, para observação e tratamento, psicopatas de ambos os sexos, com perturbações mentais agudas.

O Hospital Gustavo Riedel, também destinado à internação mista, realizava exames e tratamentos aos doentes mentais em estado subagudo inclusive os enviados pelas instituições de previdência. Era composto por seções e enfermarias para ambos os sexos, serviço de terapêutica ocupacional, gabinete dentário e outras dependências médico- administrativas, além de uma Zeladoria.

O Hospital de Neuro-Sífilis, localizado na Praia Vermelha e não no Engenho de Dentro, tinha como incumbência fazer o tratamento, a profilaxia das doenças nervosas e mentais que tinham causa a sífilis e a realização de estudos e pesquisas no domínio da “neuro-lues137”. Em 1959, ainda era elevado o número de enfermos que:

“contrariamente afirmações apressadas, necessitam de internação, como portadores de neuro-lues inconteste. Permanentemente, durante o ano de 1959, teve o hospital que enfrentar o problema de superlotação com flagrante prejuízo para os requisitos de uma boa assistência”138.

Tal depoimento demonstra que, sua direção estava, neste momento, travando alguma luta política para que os órgãos formuladores das políticas públicas de saúde mental vissem

136 Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx.579 /Env. 4659. Relatório do CPN – 1959. p. 1.

137 Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx.674 /Env. 5583. Justificativa da Proposta Orçamentária Para o Exercício de 1961 – 2º via. p.1.

a importância do trabalho realizado no HNS, e não classificar a sífilis no rol das doenças controladas que não requeriam atenção demasiada.

Por fim, o Hospital de Neuro Psiquiatria Infantil, que recebia para observação e tratamento, até a fase prepuberal, crianças anormais sob o ponto de vista neuro-psiquiátrico. A instituição mantinha uma escola médico pedagógica para educação e instrução de menores anormais, com classes separadas por três categorias de alunos: os perfectíveis, imperfectíveis ou ineducáveis. Sua organização interna compreendia, além de enfermarias para ambos os sexos, ambulatórios, a escola médico pedagógica, serviço de praxiterapia, gabinete dentário e outras dependências médico administrativas, além de uma zeladoria.

Conforme supracitado, grande parte dos pensadores e formuladores de políticas públicas psiquiátricas do período estudado defendiam a praxiterapia como um dos principais métodos de eficácia terapêutica. Embora na Colônia Juliano Moreira (CJM) desde muito cedo já existisse um setor especializado para esse fim, no CPN isso não ocorreu tão cedo139.

“Muitos doentes eram ocupados em trabalhos braçais, serviços de limpeza das enfermarias e das instalações sanitárias, sendo que pequenas verbas eram destinadas para gratificá- los”140. Apenas em 1944, na Seção Waldemar Schiller do Hospital Pedro II (posteriormente

Seção Odilon Galotti), que a terapêutica ocupacional fora introduzida de forma sistemática no CPN, pelo Drº Fábio Sodré141. Neste primeiro momento, a psiquiatra Nise da Silveira

participou como auxiliar deste projeto. Apenas dois anos depois, ela passou a ser a responsável pela organização das atividades de terapia ocupacional no CPN, e agora, sendo- lhe oferecida verba destinada a remuneração de alguns internos que prestavam serviços à economia hospitalar142. Ao assumir o Setor de Terapia Ocupacional, Nise da Silveira introduziu uma nova dinâmica de trabalho a partir da produção artística. O primeiro setor foi instalado em maio de 1946 e era de trabalhos aplicados manuais femininos (crochet, bordados, tricot e tapeçaria). Em setembro do mesmo ano, foi a vez da criação do ateliê de

139 Dias, 2003, p. 54.

140 Idem.

141 SILVEIRA, Nise. No Reino das Mães: um caso de esquizofrenia estudado através da expressão plástica. Revista Brasileira de Saúde Mental. Rio de Janeiro, v. 9, p. 11- 19, 1966b. apud DIAS, 2003, p. 54.

pintura, e no decorrer dos anos seguintes foram abertos mais setores de terapia ocupacional, ao ponto de 1961 estarem em atividades 19 setores diferentes143.

Em relatório do CPN de 1958, o diretor da instituição, Drº Ignácio da Cunha Lopes fala da seguinte forma sobre o Setor de Terapia Ocupacional:

“As atividades da Seção de Terapia Ocupacional têm merecido elogios e devem ser ampliadas. A praxiterapia traz benéficos resultados à assistência e ao tratamento dos doentes mentais, compreendendo a terapêutica pelos vários tipos de trabalho e pelos divertimentos, que põe em ação importantes funções neuro-psíquicas. Na modalidade ocupacional, associam-se atividades produtivas, artísticas e profissionais (cerâmica, pintura, escultura, etc); e na recreativa, encontram-se atitudes emocionais dirigidas (esportes, jogos intelectuais, canto, execução de músicas, etc.) ou influências estéticas (leituras, audição de músicas, espetáculos cinematográficos, televisão, teatro, etc)”144.

Embora, correspondesse ao principal órgão no tocante a engrenagem da assistência psiquiátrica prestada pelo CPN, pois “nenhum outro hospital do SNDM interna diretamente os doentes e sim através do Serviço de Triagem do IP”145. O IP não era o órgão que mais

mantinha pacientes internados. Este posto, durante o período do governo JK, era preenchido pelo Hospital Pedro II, seguido respectivamente pelo próprio IP, HGR, HNS e por último o HNPI.

143 Idem, p. 56.

144 Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx.975 /Env. 8289. Relatório que apresenta o Dr. Ignacio da Cunha Lopes, diretor do CPN, ao exmo Sr. professor H. Lopes Rodrigues Ferreira, diretor do SNDM, concernente ao período de 01 de janeiro a 31 de dezembro de 1958. p. 5.

Quadro 19: Pacientes internados no CPN, por unidade de tratamento (1953-1959)

Fonte: Acervo do IMASJM / Arquivos do Serviço Nacional de Doenças Mentais146.

Porém, ao compararmos os números relativos às admissões de pessoas que internavam-se pela primeira vez no CPN, conforme o quadro 20, percebe-se na prática a importância do IP. Em 1958 e 1959, mais de 75% dos internados no CPN passaram pelo órgão, demonstrando claramente sua missão como setor de triagem e primeiros cuidados psiquiátricos. Apesar do HPII ter um número maior de pacientes internados, recebia proporcionalmente poucos doentes, num sinal de que seus pacientes permaneciam mais tempo em suas instalações.

146 Botelho, 1955A, 197-244; Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx.370 /Env. 2558. Mapa de Movimentação de Doentes – 1956. s/p; Cx.566 /Env. 4528. Relatório da Seção de Cooperação – 1960, Vol. II. s/p. Tais números representam os pacientes internados no último dia dos respectivos anos e hospitais. Porém, não foi computado, por não ter sido localizado nas fontes, o número de pessoas internados nestes mesmos períodos no Bloco Médico Cirúrgico, o que poderia alterar ou não (caso já estejam computados em uma das instituições descriminadas acima) a quantidade total de internados no CPN.

ANO IP HPII HGR HNPI HNS Total

1953 75 516 311 117 224 1243 1954 21 561 310 117 97 1106 1955 114 506 314 127 68 1129 1956 261 601 286 131 108 1387 1957 443 615 180 120 136 1494 1958 502 589 231 133 148 1603 1959 508 620 301 134 146 1709

Quadro 20: Primeiras admissões no CPN, por unidade de tratamento (1956-1959)

Fonte: Acervo do IMASJM / Arquivos do Serviço Nacional de Doenças Mentais149.

Devido à dinâmica de interdependência entre as instituições de atendimento do SNDM, o mau funcionamento de um deles acarretava em prejuízo aos serviços prestados por outro. Se a capacidade de triagem ou transferências realizadas pelo CPN fosse afetada por qualquer razão, o acúmulo de pacientes no IP, principal porta de entrada da assistência pública no Distrito Federal, seria insustentável. No outro extremo do sistema, a Colônia Juliano Moreira, válvula de escape natural e regimental do CPN, caso apresentasse um quadro de superlotação ou déficit grave de profissionais técnicos, poderia impossibilitar a transferência de doentes crônicos do CPN, como ocorreu em 1957150. Tal fato acarretaria

por consequência na sua superlotação ou na impossibilidade de realizar novas admissões no complexo hospitalar-psiquiátrico do Engenho de Dentro, prejudicando diretamente o trabalho do IP e dos órgãos que atendiam aos sub agudos (HGR) e agudos (HPII), que observariam a cronificação de seus pacientes, e estes misturando-se aos agudos, prejudicaria, sobremaneira, as ações terapêuticas.