• Nenhum resultado encontrado

A ASSISTÊNCIA PSIQUIÁTRICA PÚBLICA NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO DURANTE O GOVERNO JK

3.1 Os parâmetros assistenciais do SNDM na cidade do Rio de Janeiro

O decreto lei número 17.185 de 18 de novembro de 1944, que aprovou o regimento do Serviço Nacional de Doenças Mentais, logo no item I do artigo primeiro deste decreto define como uma de suas atribuições a superintendência (ações diretivas e executivas diretas) das atividades dos órgãos oficiais de assistência e proteção a psicopatas existentes no Distrito Federal. É exatamente ao longo deste artigo que se estabelece a distinção de suas atividades em relação aos estados da federação, conforme também demonstram seus itens II e III, que determinavam para todo o território nacional apenas o planejamento dos serviços de proteção e assistência a psicopatas, sem responsabilidade na execução, ainda que, orientando, coordenando (organizando a partir de certa ordem pré estabelecida) e fiscalizando as atividades das instituições que se destinavam a esse fim; e defendendo ainda a possibilidade de opinar sobre as organizações assistenciais públicas ou privadas e rever códigos e regimentos que cuidem do assunto.

Desse modo, é a partir do estudo da assistência psiquiátrica pública prestada no Distrito Federal por meio do SNDM que se pode entender de forma mais concreta e objetiva como as diretrizes que compunham as ideias programáticas (Weir, 1992) para o setor, defendidas pelos profissionais deste órgão, eram colocadas em prática em seus hospitais, ambulatórios e escolas. A observação dessas ideias programáticas defendidas e executadas será ainda relacionada com as vicissitudes inerentes à administração pública, isto é, os “meios administrativos”, segundo Weir (1992).

Em relatório do SNDM enviado ao DNS referente ao ano de 1955, as ideias defendidas por Jurandyr Manfredini92, então diretor do órgão, apontavam para o “progresso da

92 Diplomado em medicina pela Universidade do Paraná, estado onde nasceu, Manfredini muda-se para a cidade do Rio de Janeiro após ser aprovado no concurso para oficiais do exército. Inicia suas atividades acadêmicas na década

assistência a psicopatas”93 a partir de um tripé composto pela: praxiterapia, higiene mental e a psiquiatria infantil94, sobre as quais me aprofundarei ao longo deste capítulo. Embora

não haja referência à data completa, tais relatórios anuais eram escritos sempre em janeiro do ano seguinte ao ano a que se referem as atividades descritas, tendo sido escrito provavelmente em janeiro de 1956, ou seja, antes da posse de Juscelino Kubitscheck como presidente da república ocorrida apenas em 31 de janeiro de 1956. Este seria o último relatório sob a responsabilidade de Jurandyr Manfredini já que, Lysanias Marcelino da Silva, seria empossado no cargo em março de 1956. Lysanias ocupava então o cargo de diretor do Manicômio Judiciário Heitor Carrilho (MJHC), desde setembro de 1954, e fora indicado para esta função no manicômio pelo próprio Jurandyr Manfredini95. Fato que, nos

leva a supor um mínimo necessário de identificação programática entre eles. Neste sentido, podemos pensar que não houve ruptura radical entre as diretrizes defendidas pelo SNDM, antes e depois de 1956, conforme será demonstrado ao longo deste capítulo, considerando- se outros indícios.

Embora não fosse citada por Jurandyr Manfredini quando da definição do tripé supracitado no qual as ações do SNDM deveriam basear-se, a assistência hospitalar não fora esquecida ou mesmo secundarizada pelo órgão. Em julho de 1954, durante a realização do I Congresso Latino Americano de Saúde Mental, tendo em uma das mesas de debates justamente o tema “Hospitais Psiquiátricos”, presidida pelo então diretor da Colônia Juliano Moreira, Heitor Péres, foram aprovadas recomendações a serem adotadas visando a racionalização dos serviços psiquiátricos nos hospitais especializados. As propostas apresentadas por esta mesa eram abrangentes: orientação aos hospitais psiquiátricos para que fomentassem a formação de novos profissionais para atuarem em suas dependências, como médicos psiquiatras, enfermeiros e auxiliares de enfermagem e técnicos em serviços de 1930, como voluntário e posteriormente assistente militar do prof. Henrique Roxo na Faculdade de Medicina da Universidade do Brasil. Nesta mesma década atua como psiquiatra da Seção Nina Rodrigues do Hospital Psiquiátrico da Praia Vermelha (Seção Militar de Observação Mental). No início da década de 1950, torna-se assistente de Maurício de Medeiros, então diretor do Instituto de Psiquiatria da Universidade do Brasil (IPUB). Quatro anos mais tarde assume o posto de diretor do SNDM após a saída o primeiro diretor do órgão Adauto Botelho. O presente trabalho não se aprofunda no estudo deste personagem, devido ao foco (Vidal & Amorim, 2008, pp. 2-3).

93 Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 566 / Env. 4530; Relatório do SNDM 1955, p. 17. 94 Idem.

auxiliares; melhoria das condições de trabalho dos profissionais do setor; criação de padrões para permitir credenciamentos de hospitais psiquiátricos; adotar, para intensificação da assistência, o tipo de unidade compreendendo hospital pequeno e ambulatório de funcionamento amplo e intenso; condensar no menor número possível, os organismos assistenciais, de modo a não dispersar recursos técnicos e financeiros; atualizar as leis referentes aos doentes mentais, de maneira a tornar flexível a assistência, com a criação de serviços de internação e tratamento livre; diferenciar nos serviços especializados, os setores destinados à assistência psiquiátrica ao menor, com a separação entre seus dois grupos principais: infantil e juvenil; promoção da formação de enfermeiros e auxiliares de enfermagem especializados no tratamento em doenças mentais, bem como a técnicos para os serviços auxiliares dos hospitais psiquiátricos; considerar necessária e indispensável a criação de unidades psiquiátricas nos hospitais gerais; instituir o seguro de invalidez para profissionais de hospitais psiquiátricos, especificando como invalidez os acidentes surgidos por agressões dos doentes mentais96.

Outra responsabilidade de caráter executivo do SNDM, também prevista em seu regimento era a realização de investigações e pesquisas científicas97. O item VI do artigo

primeiro impunha ao órgão a produção de investigações e estudos a respeito da etiopatogenia, da profilaxia e do tratamento das doenças mentais. Contudo, ao longo de toda a presente pesquisa apenas duas referências a tais procedimentos foram localizados nas fontes utilizadas para este trabalho. Uma delas encontrada na súmula do relatório anual da Colônia Juliano Moreira de 195898, e a outra na proposta orçamentária do SNDM para o ano

de 196199. A primeira encontra-se na parte destinada às aspirações e necessidades para o ano

de 1959, no qual é defendia a criação do Centro Brasileiro de Estudos Psiquiátricos que na Colônia reuniria “estudiosos, renovando e estimulando o intercâmbio de informes especializados entre os psiquiatras da Colônia, congregando-os em plano capaz de

96 PÉRES, Heitor. Normas para a Racionalização de Serviços Psiquiátricos. In: Revista Brasileira de Saúde Mental. 1955, vol. I, Nº 1. pp. 177-179.

97 Conforme fontes consultadas, embora tenha ocorrido a inauguração do Pavilhão de pesquisa da CJM, inaugurado em 1958, depois de apresentar grande atraso na obra de sua construção, não foi localizada nenhuma informação acerca deste pavilhão.

98 Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 975/ Env. 8291; Súmula do Relatório de 1958, p. 8. 99 Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 627/ Env. 5126; Proposta Orçamentária para 1960, s/p.

combater o pior mal de uma casa sem estudo, a rotina”100. Entretanto, nos relatórios

posteriores a 1958 analisados para esta dissertação não foi localizada nenhuma referência sobre a implementação, de fato, deste centro de estudos.

A segunda referência aparece numa proposta orçamentária do SNDM contida na parte relacionada à saúde e higiene mental, que por sua vez, eram itens que numerados de 1 a 5, subdividia-se respectivamente em: combate às doenças mentais em todo o território nacional, manutenção dos ambulatórios de higiene mental nos estados, manutenção de praxiterapia nos serviços nos órgãos locais, investigações e pesquisas científicas, e por fim, construção de ambulatórios de higiene mental nos estados. A referência ao quarto item aparece no pedido de Cr$ 3.000.000,00 justificando sua importância: “no esclarecimento de questões de patologia regional entre outras coisas, e demandavam gastos específicos”101.

Portanto, mostra que planejava-se o uso de verba para a realização de pesquisas no campo psiquiátrico, porém, seu alcance, diante da pequena presença do tema nos relatórios produzidos pelo próprio SNDM, parece reduzido e sem grande efeito.

Outro indício de que não havia grande ímpeto no trabalho de pesquisa realizado pelo SNDM, encontra-se nas publicações da Revista Brasileira de Saúde Mental, veículo de divulgação científico do SNDM. Entre 1955 e 1961 foram publicados em todas as edições artigos técnicos de psiquiatras que compunham o quadro do Ministério da Saúde, tais como Jurandyr Manfredini, Adauto Botelho, Deusdedit Araújo, Maria Pereira Manhães, Heitor Péres, Nise da Silveira, Maurício de Medeiros, além do sociólogo Florestan Fernandes. Porém, em nenhuma dessas edições há relato sobre possíveis órgãos internos, subordinados ao SNDM que de forma sistemática realizasse pesquisas. Segundo instruções de Jurandyr Manfredini (1955) tais trabalhos, que compunham este periódico, deveriam ser originais e incidir no material clínico e de pesquisa dos órgãos, hospitais, serviços, ambulatórios e escolas do SNDM102. A pesquisa se realiza assim pelos interesses específicos dos médicos

psiquiatras, sem que houvesse qualquer processo coletivo, profissionalizado e sistemático, que planejasse a elaboração de projetos de pesquisas, financiamento para pesquisas,

100 Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 975/ Env. 8291; Súmula do Relatório de 1958, p. 8. 101 Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 627/ Env. 5126; Proposta Orçamentária para 1960, s/p.

102 MANFREDINI, Jurandyr. Fundação da Revista Brasileira de Saúde Mental. In: Revista Brasileira de Saúde Mental. 1955, vol. I, Nº 1. p. 188.

formação de equipe para as investigações, etc. Ao que parece estes trabalhos eram realizados de forma isolada por cada psiquiatra e de acordo com os casos clínicos com os quais tinham contato ao longo de sua vida profissional.