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A CEPAL e a Vulnerabilidade Externa da Economia Periférica

CAPÍTULO 3 SISTEMA NACIONAL DE INOVAÇÕES, COMPETITIVIDADE E

3.2 A CEPAL e a Vulnerabilidade Externa da Economia Periférica

A idéia do desenvolvimento desigual foi elaborada pela Comissão Econômica para o Desenvolvimento da América Latina (CEPAL) no âmbito da relação Centro-Periferia.57 A dinâmica Centro-Periferia estaria associada ao método histórico–estruturalista de análise do desenvolvimento das economias latino-americanas, adotado pela CEPAL.

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Para a CEPAL, havia especificidades estruturais no desenvolvimento das economias latino- americanas associadas à geração e propagação do progresso técnico, aos ganhos de produtividade, ao crescimento econômico e do emprego, à distribuição de renda e à competitividade e inserção internacional. O conjunto dessas especificidades estruturais, relacionadas e condicionadas mutuamente, se expressaria na condição periférica das economias latino-americanas vis-à-vis as economias desenvolvidas (Centro), e cujo entendimento exigia teorização própria.

A dinâmica Centro-Periferia se referia a estrutura que determinava um padrão específico de inserção internacional: a Periferia produzindo bens e serviços com demanda internacional pouco dinâmica e importando bens e serviços com demanda doméstica em rápida expansão. Isto é, no Centro a elasticidade-renda da demanda de importações de bens primários seria menor do que um, ao passo que a elasticidade-renda da demanda de importações da Periferia seria superior à unidade (PREBISCH, 2000b).

Este padrão de inserção econômica internacional denotaria outra especificidade periférica: uma vulnerabilidade externa estrutural, que engendraria uma restrição externa ao crescimento econômico da América Latina. Essa vulnerabilidade externa (e a inserção internacional periférica) seria operacionalizada pela deterioração ao longo do tempo dos termos de intercâmbio entre Centro e Periferia, em prejuízo desta. Neste caso, a divisão internacional do trabalho ditada pela dotação relativa de fatores de produção não permitiria à Periferia usufruir os frutos do progresso técnico ocorrido no Centro. A tese da deterioração dos termos de troca afrontava o postulado liberal das virtudes do comércio internacional livre. 58

Na medida em que os ganhos de produtividade no Centro, decorrentes do progresso técnico, não fossem repassados aos preços, a Periferia não poderia usufruir desses ganhos via comércio internacional. Ao mesmo tempo, o progresso técnico verificado na Periferia seria repassado ao Centro, parcial ou integralmente, através da redução dos preços de seus bens exportados em relação aos preços dos bens importados do Centro.

Sendo assim, mesmo que a eficiência da produção industrial fosse menor (em relação à produção primária) na Periferia, no longo prazo ela seria superior à eficiência alcançada com

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a aplicação alternativa dos recursos produtivos na produção primária, justificando o protecionismo à indústria (nascente). Conforme Prebisch (2000a, p.119), “tratar-se-ia, então, de averiguar se o aumento da produção industrial obtido com os fatores deslocados da produção primária seria ou não (futuramente) superior à massa de artigos anteriormente obtidos em troca das exportações”. Se ele fosse superior, o que seria tanto mais provável quanto maior fosse a deterioração dos termos de troca, teria ocorrido um aumento de produtividade, havendo um ganho de renda real. Haveria, então, um caráter dinâmico no processo de industrialização da Periferia visto que este poderia resultar na superação futura da produtividade alcançada a partir da especialização em bens primários. 59

A solução proposta por Prebisch seria, então, a industrialização das economias da América Latina, processo que romperia com seu subdesenvolvimento e com a dinâmica Centro- Periferia, viabilizando a superação das especificidades típicas das economias Periféricas. Todavia, após terem ocorrido vários ciclos de industrialização em diversos países latino- americanos, iniciados após a Grande Depressão dos anos 1930, as especificidades do desenvolvimento periférico não foram superadas, seja no tocante à geração e difusão de tecnologia, passando pela distribuição da renda, ou à redução da vulnerabilidade externa dessas economias.

Posteriormente, Fanjzylber (1983 e 2000) contribuiu para o debate argumentando que o traço central do subdesenvolvimento da América Latina é a sua incorporação insuficiente do progresso técnico. 60 Para Fajnzylber (1983) o desenvolvimento tecnológico está incorporado na indústria de bens de capital; ou seja, esta incorpora materialmente o progresso técnico, sendo, inclusive, importante canal de sua difusão. E mais, haveria um "círculo virtuoso" entre crescimento-progresso técnico (produtividade)-comércio internacional que tem como elemento portador básico o setor de bens de capital.

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O caráter dinâmico da industrialização periférica teria, ainda, um segundo aspecto. Visto que a elasticidade- renda da demanda de importações primárias do centro tende a ser menor do que um, enquanto na Periferia a elasticidade-renda da demanda de importações totais é superior à unidade, se os países da América Latina crescessem somente em virtude de suas exportações primárias, como ocorria antes de 1930, seu crescimento econômico teria um ritmo sensivelmente menor que o dos centros industrializados. Daí a necessidade dinâmica da industrialização, para que o crescimento da economia possa realizar-se num ritmo superior ao do crescimento das suas exportações primárias sem causar desequilíbrios no setor externo.

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O “conjunto vazio” (representado pela ausência de países latino americanos com taxas de crescimento per capita e, concomitantemente, distribuição de renda, semelhantes às dos países desenvolvidos) estaria diretamente vinculado ao que se poderia chamar de incapacidade de abrir a “caixa preta” do progresso técnico.

O setor de bens de capital seria o núcleo central de determinação do crescimento e da competitividade das economias. Conforme o autor, no mundo desenvolvido, a indústria de bens de capital competitiva e integrada é expressão de sua igualmente desenvolvida capacidade de produção de tecnologia, visto que progresso tecnológico e desenvolvimento da indústria de bens de capital são fatores que se articulam e alimentam-se mutuamente.

Deste modo, o pequeno desenvolvimento da indústria de bens de capital dos países da América Latina estaria associado à debilidade tecnológica que a caracteriza. Essa debilidade, por sua vez, repercute sobre a competitividade não apenas da própria indústria de bens de capital, mas, também, sobre toda a indústria das economias da América Latina, principalmente em seus segmentos capital-intensivo. Assim, tal debilidade explicaria o déficit externo estrutural das economias latino americanas.

Em suma, segundo Fajnzylber (1983), o desenvolvimento de um “núcleo endógeno de dinamização tecnológica”, e, portanto, o desenvolvimento da indústria de bens de capital, não aconteceu na América Latina. Deste modo, a indústria latino americana, embora constituída em maior ou menor grau em países dessa região, mostrou-se sem competitividade.

Por núcleo de dinamização tecnológica Fajnzylber (1983) entende uma infra-estrutura científico-tecnológica estreitamente inserida e vinculada ao aparato produtivo, nos moldes propostos pelos neo-Schumpeterianos. 61 Segundo o autor, a industrialização sem a constituição de um núcleo endógeno de produção de tecnologia, embora possível, não leva à superação das especificidades periféricas de uma economia. De outro lado, as inovações decorrentes do núcleo endógeno de progresso tecnológico aumentam a competitividade internacional do tecido produtivo, estimulando suas exportações ao mesmo tempo em que reduz o seu coeficiente de importação, reduzindo o grau de vulnerabilidade externa da economia.

Não obstante a importante contribuição de Fajnzylber, o autor não é claro sobre os motivos para o diferencial de competitividade que haveria entre a economia especializada em bens

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Ou seja, na sua constituição participaria “uma ampla gama de agentes e motivações: plantas industriais, institutos de tecnologia, institutos de ciência básica, organismos que preparam pessoal qualificado dos distintos níveis e os ministérios e órgãos centrais que definem políticas e normas; é na interação entre esses agentes e motivações que se dá o processo de criatividade (...) associado ao processo de aprendizagem, que é fator determinante da competitividade a longo prazo”. Fajnzylber (1983, p.281).

intensivos em tecnologia e a economia especializada em bens com baixa intensidade tecnológica. Por que as inovações tecnológicas aumentam a competitividade internacional do setor produtivo de uma economia? Por que elas estimulam as exportações ao mesmo tempo em que reduzem o coeficiente de importação? No modelo das vantagens comparativas relativas de Ricardo, ou no modelo de Heckscher-Ohlin, por exemplo, o livre comércio traz ganhos de bem-estar para todas as economias que dele participam. Tais ganhos se verificam em um contexto de equilíbrio externo, seja equilíbrio estático ou intertemporal, independentemente da especialização das exportações do país se basear em bens intensivos em tecnologia ou em recursos naturais e/ou mão-de-obra não qualificada.62

Do mesmo modo, embora Prebisch (2000b, p. 181-185) tenha explicado porque produtos primários apresentam menor elasticidade-renda da demanda em relação à elasticidade-renda da demanda de produtos industrializados, sua solução para a superação da vulnerabilidade externa da economia periférica não se mostrou promissora. Após a industrialização das economias latino-americanas, o problema das elasticidades não foi eliminado (MCCOMBIE E THIRWALL, 1994). Ademais, a tese de deterioração dos termos de troca não é consensual na literatura:

There has been some dispute in the literature whether the net barter terms of trade has moved consistently through history against the primary producing LDCs (less developed countries) as Prebisch claimed. (…) if no allowance is made for the war years, however, the terms of trade series look trendless. McCombie e Thirlwall (1994).

Estes questionamentos a respeito dos argumentos de Prebisch e de Fajnzylber serão objeto de análise na seção 4 deste capítulo. Antes, porém, serão apresentados na próxima seção os argumentos dos autores que trabalham com modelos de crescimento liderado pelas exportações para a presença de diferenças no grau de restrição externa ao crescimento das economias.

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O postulado dos ganhos de bem-estar decorrentes da abertura comercial e financeira das economias em um contexto de equilíbrio externo intertemporal destas está, por exemplo, em Obstfeld e Rogoff (1996). Uma crítica a este postulado é feita em Resende (2006).