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6 COMPONENTE ARTEFACTUAL: ANÁLISE DO CONJUNTO

6.4 CERÂMICA COMUM

A análise do conjunto de cerâmica comum recolhido na CGTB apresentou algumas condicio- nantes, sendo a mais significativa a reduzida dimensão da maioria dos fragmentos. O estudo de cerâmica comum, independentemente da época histórica a que se refere, apresenta determinadas dificuldades, nomeadamente o facto de serem produções regionais, com variabilidade das for- mas ou semelhanças entre grupos funcionais distintos (por vezes torna-se difícil diferenciar potes de panelas), bem patentes no conjunto em análise. Alguns dos critérios usualmente utili- zados para diferenciar algumas formas, como sejam as proporções geométricas, não são passí- veis de ser utilizados nesta análise, em função das dimensões dos fragmentos.

O conjunto de cerâmica comum recolhido na CGTB é representado por 186 fragmentos, tendo- se realizado uma classificação tipológica em 48 (cerca de 26%) e em 66 (NR) foi possível determinar se era uma forma fechada ou aberta. Importa ainda considerar o facto de que estes fragmentos se encontravam dispersos pelos diversos tanques intervencionados, não se verifican- do uma concentração de cerâmica comum em nenhuma área específica da unidade de produção. Considera-se que as razões apresentadas invalidam a aplicação do Protocolo de Beauvray ao grupo de cerâmica comum. Assim sendo, a referência será sempre relativa ao número de restos (NR) e não ao número mínimo de indivíduos (NMI).

Os critérios utilizados para a sua datação baseiam-se essencialmente na tipologia definida para São Cucufate por Inês Vaz Pinto (Pinto, 1999), o que se justifica pela sistematização das for- mas, com apresentação de cronologias, baseadas na estratigrafia do sítio e do recurso a parale- los. Esta opção tem presente os problemas daí decorrentes, que podem reflectir-se essencialmen- te na atribuição de datações de cada forma, tendo em conta que o facto de se tratar de cerâmica comum implica que os regionalismos podem ter implicações cronológicas distintas.

tram-se representadas em maior número (NR=90) que as abertas (NR=23), o que significa que as formas de cozinha relacionadas com a confecção de alimentos e o transporte de líquidos encontram maior representatividade do que as formas de mesa, mesmo contando com o facto de que algumas formas fechadas, como os jarros, servem igualmente para o serviço de mesa (mas são minoritárias no registo).

O grupo com maior número de exemplares é o dos dolia, espacialmente divididos pelos tanques 6, 8, 10, 15 e 34 e numa área exterior aos tanques, no quadrante sul da unidade de produção, derrube [1444]. Em termos funcionais, armazenamento, a presença de dolia enquadra-se na orgânica de uma unidade de produção de preparados de peixe, razão pela qual a sua maior expressividade numérica no grupo da cerâmica comum seja compatível com o tipo de estabele- cimento em causa.

Os nºs 289 (Tanque 15, [1532]) e 386 (Tanque 8, [1096], contexto de onde apenas são prove- nientes fragmentos de dolium) podem inserir-se no Grupo XIII-A-1-a definido por Inês Vaz Pin- to para o conjunto de São Cucufate (talha de bordo horizontal amendoado ou arredondado levantado em relação à pança, e com pequenas asas verticais) (Pinto, 1999, p. 544-548). O segundo exemplar apresenta decoração ondulada incisa no bojo, definida por duas linhas. Em termos cronológicos, Inês Vaz Pinto considera que apesar de ser uma forma de longa duração em São Cucufate, confere maior importância ao Alto Império (Pinto, 1999, p. 548). O nº 272 pode incluir-se no grupo XIII-B (talhas de bordo direito) (Pinto, 1999, p. 554).

O grupo das panelas/ pote é o segundo com mais exemplares no conjunto das formas fechadas. Muitas vezes os fragmentos recolhidos não permitem diferenciar de forma definitiva ambas as formas, razão pela qual se optou por considerar esta designação, ainda que para alguns fragmen- tos, o recurso a paralelos privilegie uma forma em detrimento da outra. O nº 134 pode ser classi- ficado no Grupo VIII-B-8b (panela de bocal largo, colo muito pouco pronunciado e bordo amendoado levemente voltado para fora) ou VIII-B-9 (panela de bordo e parede voltado para fora, bojo ovóide ou piriforme e asas verticais (Pinto, 1999, p. 448-449). Em ambos os casos tratam-se de formas que a autora coloca no Baixo Império, apontando como paralelo para a forma VIII-B-9 a peça 163 da olaria do Pinheiro, proveniente de uma camada datada de meados do século IV (Pinto, 1999, p. 449). Ainda no grupo pote/ panela considera-se o nº 350, com uma proposta de classificação na forma VIII-B-2 (panela de bordo oblíquo, geralmente amendoado e voltado para fora, pança esférica ou ovóide, sem asas), no entanto, a reduzida dimensão do fragmento coloca muitas reticências a esta proposta. Inês Vaz Pinto refere que a distribuição desta forma pelos horizontes cronológicos definidos ―[...] mostra que esta é uma forma de longa duração [...]‖ (Pinto, 1999, p. 417).

O nº 553 pode inserir-se na forma VIII-B-7-b (panela de bordo oblíquo voltado para fora e pan- ça ovóide) (Pinto, 1999, p. 445-446). À semelhança do que foi registado num exemplar de São Cucufate, também o exemplar da CGTB apresenta vestígios de fogo, na superfície externa, um dos elementos usualmente considerados para diferenciar as panelas dos potes. De acordo com a proveniência dos exemplares de São Cucufate, será uma forma típica do Baixo-Império (Pinto, 1999, p. 445).

Recolheram-se ainda fragmentos que apontam para outras formas, menos expressivas numeri- camente, como são os casos dos púcaros (nºs 177, 292 e 492), bilhas (nºs 331 e 613), jarros (nºs 552 e 774), garrafa (nº 248) copo/ potinho (nº 309). Neste conjunto destaca-se o nº 28 ([1049]), classificado no tipo X-A-1, potinho, com decoração em guilhoché, forma que Inês Vaz Pinto considera característica do Ato Império (Pinto, 1999, p. 478).

A escassa representatividade destes elementos condiciona a percepção do seu significado crono- lógico. Reportando-se maioritariamente a produções lusitanas, importa destacar o exemplar nº 613, classificado como bilha, possivelmente uma produção Bética.

Dentro das formas abertas destacam-se as taças/ tigelas (NR=11), tendo-se registado um único fragmento susceptível de ser classificado como prato (nº 273). Os nºs 380 e 540 enquadram-se na forma III-A-1 (tigela hemisférica com o bordo simples ou levemente espessado, arredondado ou aplanado (Pinto, 1999, p. 263). A análise da distribuição dos exemplares desta forma permite a Inês Vaz Pinto constatar a sua presença em todos os horizontes, mas com especial incidência nos mais antigos, o que leva a autora a concluir sobre a longa diacronia de produção desta for- ma, mas com especial enfoque no Alto Império (Pinto, 1999, p. 263-264). Para o nº 839 apre- senta-se com proposta de classificação o Grupo III-A-2 (tigela com parede aberta e recta, e o bordo simples por vezes levemente espessado) (Pinto, 1999, p. 270). O exemplar da CGTB apresenta uma canelura sob o lábio, característica que não é apresentada em nenhum dos exem- plares de São Cucufate. Em termos cronológicos, Inês Vaz Pinto considera que é uma forma com longa diacronia de produção (Pinto, 1999, p. 271). Na Praça do Bocage (Setúbal) foi reco- lhida uma tigela desta forma, proveniente dos níveis datados de finais do século I e século II (Pinto, 1999, p. 271).

Relativamente aos exemplares nº 333, 572 e 648, propõe-se a sua classificação no Grupo III-B-2 (tigela hemisférica com o bordo simples ou levemente espessado e ligeiramente voltado para dentro) (Pinto, 1999, p. 286-287). Inês Vaz Pinto considera que é uma forma do Alto Império, apresentando como paralelos para os seus exemplares peças provenientes das escavações em Pisões (níveis dos séculos I e II) da necrópole de Valdoca e de Monte Farrobo (Pinto, 1999, p.

Os nºs 180, 818 e 870 podem ser considerados dentro da categoria taça (não considerada por Inês Vaz Pinto), no entanto, tendo em conta que os fragmentos se limitam ao bordo, não é pos- sível determinar a profundidade, factor importante para a sua classificação. Os nºs 180 e 818 apresentam bordos exvertidos, rectangulares com aba pendente para o interior e o nº 870, bordo exvertido, triangular, com aba pendente para o exterior.

No panorama formal da cerâmica comum importa ainda registar a presença de dois pesos de rede, nº 231 (Tanque 8, [1083]) e nº 413 (Tanque 24, [1396]), de forma circular com um orifício central, elemento que aponta de forma inequívoca para a actividade pesqueira.

6.4.1 Difícil Classificação

Neste ponto consideram-se essencialmente os 31 fragmentos de asa, 14 dos quais provenientes do tanque 24. Pelo seu estado de degradação, resultado provável da salinização, não foi possível determinar a que tipo de recipientes se reportam. Tendo em conta o contexto de que são prove- nientes, onde se recolheram maioritariamente ânforas das formas Almagro 51c e Almagro 50, poderá inferir-se que pertenceriam a ânforas, contudo, a análise de todos os dados disponíveis permite apenas colocar essa hipótese, sem a sua corroboração efectiva. As dificuldades de clas- sificação relativamente aos restantes exemplares resultam igualmente do mau estado de conser- vação do fragmento ou do seu tamanho reduzido.