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Chaves de acesso a uma leitura acerca da representação da violência no Pós-64

CAPÍTULO III. A FESTA, ROMANCE PUBLICADO EM 1976

3.1 Chaves de acesso a uma leitura acerca da representação da violência no Pós-64

Sobre o romance A festa, críticos e estudiosos da literatura costumam dizer que se trata de uma obra paradoxal na literatura brasileira. Escrita durante os anos iniciais do golpe, o livro só veio a ser publicado em 1976, pelo então jovem escritor na cena literária e jornalista, ganhador de um prêmio na cidade de Belo Horizonte com o seu primeiro livro de contos Duas faces, Ivan Ângelo.

Na abertura do livro, encontramos um prólogo34 (figura 10) que apresenta ao leitor mais atento chaves de leitura que antecipam questões relativas à composição da diegese35:

Figura 10. Prólogo de A festa

34 Do grego prólogos, na tragédia grega, constitui a parte anterior à entrada do coro e da orquestra, e na qual se

enuncia o assunto da peça. Aparece por vezes também a anteceder o discurso romanesco e outras formas de

narrativa. Fonte: Dicionário de termos literários disponível em

http://www.edtl.com.pt/index.php?option=com_mtree&task=viewlink&link_id=397&Itemid=2. Acesso em: jun. de 2014.

35 Termo de origem grega divulgado pelos estruturalistas franceses para designar o conjunto de ações que

formam uma história narrada segundo certos princípios cronológicos. O termo já aparece em Platão (República, Livro III) como simples relato de uma história pelas palavras do próprio relator (que não incluía o diálogo), por oposição a mimesis ou imitação dessa história recorrendo ao relato de personagens. Por outras palavras, o sentido da oposição que Sócrates estabelece entre diegesis e mimesis corresponde, respectivamente, à situação em que o poeta é o locutor que assume a sua própria identidade e à situação em que o poeta cria a ilusão de não ser ele o locutor. Ainda, segundo a teoria de Sócrates o drama (que é sempre mimesis) e o ditirambo (que é sempre

diegesis) diferenciam-se salvaguardando-se a natureza da épica (que é ambas as coisas). Divergindo desta

oposição clássica, a partir dos estudos da narrativa cinematográfica de Étienne Souriau (que chamava diegese àquilo que os formalistas russos já haviam chamado fábula) aplicados por Gérard Genette à narrativa literária, considera-se diegese o conjunto de acontecimentos narrados numa determinada dimensão espácio-temporal ("l'univers spatio-temporel désigné par le récit"), aproximando-se, neste caso, do conceito de história ou intriga. Não se confunde com o relato ou o discurso do narrador nem com a narração propriamente dita, uma vez que esta constitui o "ato narrativo" que produz o relato. Fonte: texto adaptado pela autora a partir de consulta ao

41 Nesse prólogo, há quatro citações, das quais duas referenciam figuras históricas na política: o renascentista Nicolau Maquiavel e Herodes (nascido em 73 A.C), rei da Judeia. O primeiro é um dos precursores do realismo político no pensamento moderno, para o qual a moral religiosa não se aplicava às necessidades da racionalidade e virtude necessária para governar um povo, o que ele atestava através de exemplos históricos. A outra citação é de W. H. Auden, um dos grandes autores anglo-americano do século XX, fazendo referência a Herodes, popularmente conhecido na tradição do cristianismo, por ter ordenado a morte de todas as crianças nascidas por volta do ano 7 a.C. na esperança de que Jesus, o esperado rei dos judeus, fosse também executado. Herodes, cuja corte era helenizada e culta, ficou conhecido por ter empreendido colossais projetos de construção, admiráveis nos tempos de hoje ainda. A segunda citação do prólogo faz crítica à presença do misticismo na vida política e na cultura do povo o desse rei.

As demais referências paratextuais36 são brasileiras, dos reconhecidos artistas Carlos

Drummond de Andrade, e Chico Buarque, cujas matérias de suas expressões estéticas e poéticas representavam preocupação com o presente e o contexto nacional. A citação do primeiro é parte do conhecido poema Mãos dadas, escritas no terceiro livro de poemas de Carlos Drummond de Andrade, Sentimento de Mundo, publicado em 1940. Nesse poema, o poeta trata de solidariedade e compromisso da litertura ao questionar o lirismo contemplativo, o escapismo romântico e a desesperança em sua própria poesia.

A citação do segundo, músico e compositor, apresenta parte de um texto escrito primeiramente para a peça de teatro Gota d'água, em de autoria conjunta com Paulo Pontes publicado em livro homônimo, em 1975. A interessante história dessa obra conta que para liberar a peça que continuara censurada no teatro, alguns cortes foram negociados. Mesmo assim, a peça obteve sucesso de público e de crítica sendo foi premiada com o Prêmio Molière, recusado como forma de protesto contra a censura, no mesmo ano, de outras obrascomo O abajur lilás, de Plínio Marcos (figura 11).

36 Paratexto: Aquilo que rodeia ou acompanha marginalmente um texto e que tanto pode ser determinado pelo

autor como pelo editor do texto original. O elemento paratextual mais antigo é a ilustração. Outros elementos paratextuais comuns são o índice, o prefácio, o posfácio, a dedicatória ou a bibliografia. Sobre paratextualida de consultar: GENETTE, Gérard. Palimpsestes. La littérature au second degré. Col. Poétique. Paris: Éditions du

Seuil, 1982. Disponível em:

10.http://www.edtl.com.pt/index.php?option=com_mtree&task=viewlink&link_id=351&Itemid=2. Acesso em: abril de 2014.

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Figura 9. Carta que censura o espetáculo Roda viva. Parecer do técnico de censura ao Serviço de Censura de Diversões Públicas (SCDP)/ SP sobre peça teatral em 1975. Imagem disponível no sítio: <http://www.memoriasreveladas.arquivonacional.gov.br/multimidia/linhadotempo/timeline.html,> Acessado em: 20 de julho de 2011.

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Figura 10. Parecer do técnico de censura ao Serviço de Censura de Diversões Públicas (SCDP)/ SP sobre

peça teatral em 1975. Imagem disponível no sítio:

<http://www.memoriasreveladas.arquivonacional.gov.br/multimidia/linhadotempo/timeline.html,> Acessado em: 20 de julho de 2011.

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