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CAPÍTULO IV: REPRESENTAÇÕES DA VIOLÊNCIA DO PÓS-64 NO CONTO A

4.1 Contexto da publicação de A casa de vidro

Em 1979 em São Paulo foi publicada pela editora Vertente A casa de vidro, cinco histórias do Brasil, obra que reúne cinco novelas curtas. O conto que nomeia a obra apresenta a história de um experimento científico aplicado em uma população de um lugar não designado no conto. Essa “experiência” é executada por “Chefes”, “Financiadores” e “Arquiteto”. O mesmo não é datado em tempo histórico determinado. No entanto, os elementos verossímeis da narrativa permitem ao leitor comparar e até mesmo sobrepor a tirania narrada na ficção com aquela vivenciada no contexto da Ditadura brasileira do Pós-64, se observadas algumas características como se mostrará a seguir.

No contexto histórico da chamada “modernização” brasileira, alteraria as estruturas produtivas do país e seria um meio de alcançar o crescimento econômico, porém, voltado para interesses das economias desenvolvidas. Data dessa época: o chamado milagre econômico (1968 -1973), período cuja taxa de crescimento do PIB saltou de 9,8% a.a., em 1968, para 14% a.a, em 1973, enquanto a inflação passou de 19,46%, em 1968, para 34,55% em 1974; o grande número de desaparecidos e torturados políticos; o sentimento de uma “desilusão armada”, ou seja, a descrença na possibilidade de uma guerrilha vitoriosa contra o regime já que importantes líderes da militância clandestina como Mariguela e Lamarca, e a guerrilha do Araguaia foram aniquilados. Seguem sumariamente, outros fatos marcantes do período:

 1969: Emboscada em São Paulo. Sob o comando do delegado Fleury, Marighella leva cinco tiros. Um disparado à queima-roupa secciona-lhe a aorta;  1970: SISSEGIN, o Sistema de Segurança Interna, DOI, o Destacamento de Operações de Informações, CODI, o Centro de Operações de Defesa Interna são instaurados. A seleção brasileira de futebol ganha o tricampeonato da Copa do México e a vitória é usada como propaganda para a ditadura inspirando músicas como “Pra frente Brasil, salve a seleção...” As torturas no Brasil são denunciadas na OEA. O projeto da transamazônica, a estrada que pretendia ligar o Brasil, nunca foi acabada. O papa Paulo VI condena a tortura e nomeia Dom Paulo Evaristo Arns arcebispo de São Paulo, que abre um canal de denúncias contra a ditadura;

75  Sequestros realizados pela esquerda armada urbana- Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e Ação Libertadora Nacional (ALN), como o do embaixador da Alemanha que foi trocado por 40 presos que partiram para a Argélia. Outro sequestro foi o do embaixador suíço realizado pela VPR e MR-8, Movimento Revolucionário 8 de Maio;

 1971: Execução do Capitão do Exército brasileiro Carlos Lamarca, líder do MR-8, morto pela repressão ao tentar instalar uma guerrilha no sertão baiano. O primeiro campeonato brasileiro de futebol é organizado no país;

 Fevereiro de 1971 A ‘Casa da Morte’ é administrada pelo Centro de Informações do Exército (CIE), já funciona em Petrópolis (RJ) de onde só uma presa saiu viva. As organizações armadas de esquerda matam 21 pessoas em 1971, entre elas um major do Exército, um industrial e um militante da ALN;

 Após recolher centenas de denúncias, a Anistia Internacional divulga um relatório listando os nomes de 472 torturadores e de 1.081 torturados;

 31 de Dezembro, 1972: Mortos e torturados no ano em que se inaugura a EsNI, Escola Nacional de Informações, braço pedagógico do SNI, Serviço Nacional de Informação, somam-se 58 mortos, dezoito desaparecidos e cinco ‘suicidas’ (três ‘enforcados’ na cela);

 Guerrilha do Araguaia (1972 – 1973). Em 1972, inaugurada transmissão a cores de TV com a Festa da uva em Caxias, Rio Grande do Sul. Nesse mesmo ano, duas expedições do exército brasileiro tentam sem sucesso desmantelar a guerrilha, combatendo mais de 800 homens, liderados pelo Partido Comunista do Brasil. Oficialmente derrotada em 1973, os corpos dos guerrilheiros ainda seguem desaparecidos. Raul Seixas lança seu primeiro álbum, é exilado nos EUA em 1974; Secos e molhados chocam com sua performance;

 1973: Governo Médici e o Milagre Econômico, PIB recordista. O ano termina com crescimento do PIB em 14%. Isso nunca havia acontecido nem voltaria a acontecer pelo menos nos quarenta anos seguintes;

 1974: projeto Itaipu: hidrelétrica binacional. Em discurso aos dirigentes da Arena, Geisel pronuncia as cinco palavras mais importantes de sua vida ao anunciar a “lenta, gradativa e segura distensão” do regime;

 1975, o jornalista Vladimir Herzog é encontrado morto nas dependências do DOI-CODI, em São Paulo. A versão de suicídio é contestada pela sociedade. Após

76 uma década de negociações, é iniciada a construção da usina hidrelétrica de Itaipu, Geisel assina com a Alemanha um Acordo Nuclear para a construção de oito usinas nucleares. Só uma é construída, Angra 2. O ano termina com 585 denúncias de tortura (o maior número de denúncias durante o governo de Geisel);

 1976: O operário Manuel Fiel Filho é assassinado pela ditadura, como consequência disso o comandante do II Exército, o general Eduardo D´Ávila Melo, foi exonerado. O sequestro do bispo de Nova Iguaçu, dom Adriano Hipólito, e o assassinato do padre João Bosco Burnier, em Mato Grosso, causaram ainda mais pressões da Igreja sobre o governo e suas ações de segurança. O ex-presidente Jango e JK morrem em condições duvidosas para a oposição. A exumação de Jango ocorreu em 2013, na cidade de São Borja, no Rio Grande do Sul.

 Terroristas de direita atiram bomba no Cebrap (SP), onde Fernando Henrique Cardoso liderava a produção de acadêmicos expulsos da USP. Dom Adriano Hypólito, bispo de Nova Iguaçu, é sequestrado e deixado nu em uma estrada. Seu carro é explodido em frente à CNBB. Terroristas de direita atiram uma bomba na sede do semanário Opinião, leitura obrigatória da esquerda na época, junto com O Pasquim. O depósito da editora Civilização Brasileira é atacado à bomba. Seu proprietário, Ênio Silveira, edita livros de oposição ao regime. Inflação fecha o ano em 46%, a maior taxa desde 1964. O PIB cresce 10,2%;

1977: Maluco Beleza tem um clip no Fantástico, na rede Globo. Em 1988, em entrevista concedida ao jornalista André Barbosa, na extinta rádio FM Record de São Paulo, conta detalhes das torturas que o músico sofreu durante três dias no ano de 1974. O ano termina com 214 denúncias de torturas de presos políticos

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 Pacote de abril, para mudar as leis eleitorais em favor da Ditadura. Divórcio no Brasil: legitimidade dos novos comportamentos. Para preservar o poder da Arena, Geisel fecha o Congresso, torna indiretas as eleições para governadores e cria o ‘senador biônico’ Em meio a grande polêmica, Geisel consegue finalmente aprovar a instituição do divórcio, combatido pela Igreja católica, que incluiu a eleição indireta para governadores e para um terço dos senadores, o chamado senador biônico, e a extensão do mandato para o sucessor de Geisel por seis anos;

1978: Grandes greves do ABC paulista. Depois de muita censura Cálice e Apesar de você são liberadas. Em dezembro é finalmente abolido o AI-5, depois de dez anos sob sua tutela;

77  1979: Greve dos trabalhadores: mais de três milhões param em todo o país. Anistia é decretada: Luiz Carlos Prestes, Leonel Brizola, Miguel Arraes, Henfil e outros retornam do exílio. Torturadores também são anistiados.