• Nenhum resultado encontrado

Nuno Quá

Não se trata de ruas, casas ou árvores. Não se trata de pessoas. Não se trata de zonas ou periferias. Não se trata do quotidiano ou de rotina. Trata-se de observação, de emoção e introspecção. Trata-se de uma experiência epidermica e sensorial, porventura intransmissível. A cidade que vos quero falar não é uma cidade, é uma imagem, é uma miragem. A cidade de que vos quero falar é a paisagem que eu vejo. Paisagem, como uma extensão de território que se abrange num lance de vista. É a paisagem vista da outra margem, vista à margem. É a paisagem vista do (e no) Tejo.

Nesta visão não há espaço para o detalhe, para o fragmento, para a parte. Procuro a totalidade, o todo. Procuro uma ideia global de cidade, e essa ideia é uma imagem da cidade global, vista como um só corpo. O rio oferece-nos a possibilidade de sairmos fisicamente da cidade e de a podermos observar de fora. É como se saíssemos do nosso próprio corpo e, por momentos, pudessemos olhar-nos nos olhos. Como se a consciência do lugar desse lugar à consciência do eu.

Por isso este trabalho se debruça mais no rio que suporta a cidade do que em si mesma. A minha imagem da cidade é indissociável do rio. Todo o imaginário da cidade, numa lógica de expansão e de universalidade não existe sem a presença do rio. Mais do que um rio, o Tejo é um mar, é um pré-oceano, com todo o potêncial imaginário que daí pode advir. O rio é a essência da viagem física – a diária – e da viagem metafísica – a eterna. Por isso, vivo povoado de um certo “sentimento oceânico”, num apelo constante da partída e da descoberta. E isso efectivamente acontece, ainda que nos escassos 15 minutos da travessia do Tejo………..

§

não me posso encontrar em mim

Inês Rolo

Olho à minha volta. Estou no meio da rua. As pessoas que passam por mim olham-me de lado. Um fosso separa-me delas — estão em sono profundo. Eu estou às voltas na cama, já não consigo dormir mais. Acordei e não consigo voltar a dormir.

Continuo a caminhar pelas ruas, só agora me apercebo que fujo de qualquer coisa. Não sei o quê. Sinto- me perseguida, e não é pelos olhares de soslaio com quem me cruzo. Viro à direita, entro numa rua deserta, a sensação de estar a ser perseguida intensifica-se... Ouço o eco dos meus passos, o som causa- me uma certa hipnose e continuo sempre a andar não sei para onde, só sei que não consigo parar. Já não sei onde estou, noto uma certa irrealidade nas ruas da cidade, está tudo deserto, não oiço mais nada para além de mim mesma. A sensação persiste. Sinto um frio no estômago, uma grande ansiedade que não me deixa engolir. A minha garganta está completamente seca.

Reparo agora que a rua onde me encontro é um beco, não tenho outra saída senão voltar para trás. Tento fazer algumas respirações profundas para me dar coragem, estou completamente a transpirar, mas ao mesmo tempo calafrios percorrem-me todo o corpo. Sim, estou a tremer... volto-me. Olho até ao fundo da rua, e nada. Não vejo nada, a não ser a mesma cidade cenário. Apesar de não ver nada, sinto-me numa emboscada, sinto-me a presa. A qualquer momento vou ser atacada... vou?? Não acontece nada e a sensação suavisa, mas não desaparece. Olhei para o chão e vi-a, pela primeira vez olhei para ela como nunca olhara.

148

Copyright © ARTECH 2004 – 1º Workshop Luso-Galaico de Artes Digitais 12 de Julho de 2004, FC - UL

§

PROJECTO LITHIUM

Arlete Castelo

“O Projecto Lithium é um programa urbano marginal alternativo ao modo superficial de viver a cidade, e concebido para apresentar uma apreensão global dos factores que compõem o espaço urbano, exponenciando os seus efeitos corrosivos sobre o sujeito.

Tem-se por hábito interpretar o espaço circundante com base na apropriação do transeunte sobre esse espaço. No entanto, em Lithium o predicado é invertido e toma o lugar do sujeito. Interessa sobretudo a forma como este sofre a acção do contexto urbano.

A acção da selva urbana sobre o seu habitante propaga-se subrepticiamente, dissemina-se em paranóias imperceptíveis, abate-se dia após dia sobre o sujeito, satura constantemente a resistência individual, forçando-a por vezes ao limite. Começa por se revelar em leves disfunções comportamentais, para em casos extremos culminar em rupturas estruturais na sua capacidade de inter-relacionamento, quer com o espaço público, quer com os seus agentes.

O Projecto Lithium fundamenta-se em momentos limite, em que o sujeito vencido pela sua paranóia, se deixa consumir totalmente pelo espaço público.”

Este objecto multimedia resultou de pesquisas e estudos desenvolvidos ao longo de 2000-2001. Ele era complementado com uma instalação vídeo, que condensava numa experiência metafórica a relação do transeunte com o espaço urbano, ao sentir o seu espaço privado devassado.

§

SABOTAGEM

Marco Silva, Marta Horta e Tânia Carvalho

Num local público, de fácil acesso e de constante movimento de pessoas, altera -se o

fenómeno da comunicação. Habituados que estamos a dirigir -nos para o telefone com uma finalidade, o objecto surpreende-nos ou provoca-nos a curiosidade.

Um telefone, não distante do vulgar, quer na forma, quer na sua apresentação, encontra -se disponível para efectuar chamadas, mas quando se marca um número, qualquer número, não se efectua a ligação pretendida. Do outro lado, como se as linhas se tivessem cruzado, surge uma voz inesperada protagonizando uma conversa banal. Não tendo nada a ver com a situação expressa no telefonema, qual será o comportamento do sujeito?

É apresentado um espaço com um telefone, aparentando uma cabine telefónica. Fazem parte desse pequeno espaço duas placas em acrilico transparente que ladeam o telefone, uma horizontal que o suporta e uma que permite a fixação na parede. O fio do telefone deve ser extensível até 10 metros e coberto por calhas.

A essa distância encontra -se um computador escondido, ao qual é ligado o telefone.

Este telefone foi alterado interiormente, sobretudo na sua funcionalidade. Cada tecla numérica foi ligada a uma outra num teclado, para que a tecla "1" do telefone correspondesse à tecla "1" desse teclado, e assim sucessivamente. Nesse computador está instalado um software desenvolvido propositadamente para este projecto e que permite activar um ficheiro de som quando uma determinada tecla do telefone é premida. O som faz a viagem de volta até ao telefone, onde através de head-phones incorporados no auscultador é ouvido pelo sujeito da acção.

§

ESAP - Curso Superior de Arte e Comunicação