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marta@martademenezes.com Abstract – A História da Arte é rica em exemplos de

R EPRESENTANDO O I NVISÍVEL

Nos últimos anos tenho trabalhado em colaboração com cientistas no Imperial College em Londres, e Universidade de Oxford e m dois projectos diferentes. Em Oxford tenho procurado fazer retratos em que a função do cérebro é parte integrante da imagem. Para tal utilizo a técnica de ressonância magnética funcional, que permite visualizar as áreas do cérebro que estão em actividade enquanto o sujeito está a realizar uma tarefa no interior do aparelho. Assim, pude fazer um auto-retrato enquanto a desenhar, no qual se pode ver directamente a actividade do meu cérebro enquanto desenhava. Em outros retratos da mesma série representei a actividade do cérebro de outras pessoas enquanto realizavam uma tarefa com a qual se identificavam. Por exemplo, o Professor de História de Arte Martin Kemp optou por ser retratado enquanto a observar um quadro do Renascimento; e a cientista

Patrícia Figueiredo preferiu ser retratada enquanto tocava piano [21] (Fig. 3).

Fig. 4. NucleArt, Marta de Menezes, 2002. Núcleos de

células humanas com padrões pintados, utilizando como tinta moléculas de ADN associadas a partículas

fluorescentes.

Fig. 5. NucleArt, Marta de Menezes, 2002. Instalação

na Bienal de Arte Electrónica de Perth (BEAP) 2002. Vídeos dos núcleos humanos pintados foram projectados

em ecrãs translúcidos para transmitir a estrutura tridimensional dos objectos.

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Copyright © ARTECH 2004 – 1º Workshop Luso-Galaico de Artes Digitais 12 de Julho de 2004, FC - UL

VI.N

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RT

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INTANDO COM

ADN

Durante a minha residência no laboratório da Dra. Ana Pombo, no Imperial College em Londres, procurei criar obras de arte utilizando ADN e cromossomas como medium. Para tal utilizei moléculas de ADN associadas a compostos fluorescentes para pintar especificamente alguns cromossomas, ou partes de cromossomas, no núcleo de células humanas. É possível visualizar através de um microscópio laser confocal a estrutura tridimensional das células. Deste modo conseguem obter-se “micro-esculturas” resultantes do uso directo de ADN como tinta. Estas esculturas têm sido exibidas publicamente como projecções de vídeo em écrans translúcidos e écrans curvos para reproduzir a natureza tridimensional dos objectos de arte – os núcleos de células humanas pintadas [22] (Fig. 4 e 5).

VII.A

S

D

UAS

C

ULTURAS

?

Tem havido uma tendência para discutir se arte e ciência devem ser entendidas como duas culturas separadas [10, 23, 24]. É relativamente fácil encontrar argumentos que apoiam ou contrariam essa afirmação. Contudo, desde que se chegou à época Moderna é difícil considerar as artes visuais sem identificar ligações directas e indirectas à ciência. A proeminência da biologia na ciência dos dias de hoje tem uma repercussão equivalente nas artes visuais. A apropriação da biologia como medium para a criação de arte é um desenvolvimento natural, num momento em que nas artes visuais o processo é tão importante como o resultado. No entanto acredito que colaborações entre artistas e cientistas podem levar a colaborações com benefícios para ambos os campos.

A maioria dos artistas referidos neste artigo têm vindo a ser confrontados com várias dificuldades para produzir ou exibir as suas obras [25]. Inclusivamente, tem sido questionada a própria natureza artística de alguns destes trabalhos, sobretudo aqueles menos visuais e mais conceptuais como os criados por Joe Davis, algumas vezes apontados como puramente científicos [26]. No entanto, julgo que a maior diferença entre estes trabalhos artísticos e a produção científica é sobretudo consequência das diferentes motivações dos artistas e cientistas: um cientista procura um resultado, e como tal o seu produto tem que ser reproducível, enquanto um artista procura um efeito que muitas vezes (por exemplo as borboletas de

Nature? ou as células de nucleArt) são irreproducíveis [24].

A grande maioria dos trabalhos de Bio -Arte coloca problemas éticos, sobretudo resultantes do uso de seres vivos para criação de arte. Estes aspectos éticos têm sido extensivamente discutidos e não são o objecto deste artigo [27]. Pessoalmente, acredito que nem tudo deve ser permitido quer em nome da Arte, quer em nome da Ciência. Actualmente os projectos científicos são avaliados, caso a caso, por comissões de ética em relação à justificação para o uso de animais ou para determinar se determinadas experiências em seres humanos são aceitáveis. Do mesmo modo, projectos artísticos que utilizem biologia como medium, deveriam ser sujeitos ao mesmo tipo de avaliação. Em alguns projectos artísticos, como em Alba de Eduardo Kac, a própria discussão gerada faz parte integrante da obra, tornando-a mais complexa e rica que o próprio coelho (que ninguém viu). No caso particular do meu projecto que tem gerado maior controvérsia – Nature? – julgo que o debate criado, as dúvidas que o projecto suscita no público e em mim própria, a complexa relação gerada no interior da galeria em que o público é confrontado com seres vivos que são simultaneamente objectos de arte, justificam a utilização de borboletas. Tanto mais que essa utilização foi feita de acordo com protocolos em uso no laboratório, avaliados por uma comissão de ética, e através dos quais o stress provocado nas borboletas procura ser o menor possível.

Muito recentemente, o debate sobre a legitimidade do acesso por parte de artistas a equipamento de biotecnologia alcançou grande proeminência na comunicação social, em virtude da prisão do artista Steven Kutz nos Estados Unidos, acusado de bioterrorismo. Kutz, professor na escola de arte da Universidade de Buffalo, é um dos fundadores do grupo Critical Art Ensemble. Este grupo utiliza equipamento biológico em performances destinadas a comentar o modo como a ciência e o capitalismo estão a modificar a sociedade. Em trabalhos anteriores recriaram uma empresa de biotecnologia, e mais tarde um culto que defendia a clonagem humana. O trabalho actual centrava-se na ameaça bioterrorista e simulava um ataque com antrax à audiência. As autoridades americanas foram alertadas por paramédicos que suspeitaram do equipamento biológico existente na casa de Kutz, quando responderam a uma chamada de Kutz por a sua mulher ter morrido. As autoridades, não só prenderam Kutz, como apreenderam todo o equipamento biológico, bem como literatura científica na posse do artista [28].

Contudo, qualquer discussão sobre a justificação ética da utilização de organismos vivos tem sempre subjacente o conceito de “valor” da obra. Em ciência a avaliação ética procura equacionar os recursos

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necessários em relação com o valor esperado, em termos de avanço do conhecimento, geração de novos tratamentos, ou outros benefícios. Em Arte, a justificação ética terá que ser ponderada em relação com o valor esperado da obra de arte, valor este que é mais subjectivo. No entanto, a mesma avaliação ética poderá ser feita em relação a qualquer projecto artístico: a avaliação se os recursos utilizados – nomeadamente recursos materiais – são justificados pelo “valor” esperado da obra.

Acredito que o maior benefício que a Bio-Arte fornece à sociedade, e ao meio artístico, é a variedade de leituras e interpretações que estes trabalhos sugerem, nomeadamente induzirem a discussão de aspectos estéticos, éticos e questões sociais. Em última instância fazendo-nos pensar melhor nas nossas motivações, limitações, crenças e, sobretudo, ignorância.

A ciência, e a biologia em particlar, sempre têm tido um grande fascínio para mim. Estou sempre disposta a aprender mais, e sempre com pena de não saber o suficiente. As minhas opções artisticas refletem esse fascinio, e as direcções que tomo são apenas limitadas por aquilo que pode ser feito em laboratórios de biologia.

A

GRADECIMENTOS

Os trabalhos mencionados foram desenvolvidos com ajuda dos seguintes cientistas, artistas e instituições: P. Brakefield, A. Monteiro, P. Beldade, R. Kooi e K. Koops, na Universidade de Leiden, Holanda (nature?); A. Pombo, no MRC – Clinical Sciences Centre, Imperial College London e M. Higgbottom, na Vivid – media arts, Birmingham (NucleArt); P. Figueiredo, na Universidade de Oxford, J. Waldmann e M. Higgbottom (Functional Portraits). Agradeço ainda a leitura crítica do artigo e sugestões a L. Graça. Este artigo é uma versão actualizada do artigo apresentado na Bienal de Artes Electrónicas de Perth (BEAP) 2002, Perth, Austrália.