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2. A MIDIATIZAÇÃO DA CIÊNCIA

2.3 Ciência e mídia

Além de desempenharem um importante papel na produção e difusão do conhecimento e interpretações da ciência, os meios de comunicação também são um espaço para a discussão pública e a legitimação da ciência. Um exemplo disso é o fato de que a maioria das pessoas aprende muito mais sobre a evolução do planeta Terra nos filmes e documentários de TV, como o famoso

Jurrassic Park, que na escola (HJARVARD, 2012). Mesmo assim, segundo Rödder e Schäfer (2010 apud HJARVARD, 2012), a midiatização da ciência é limitada a algumas disciplinas, cientistas e fases de pesquisa. Por este motivo, a ciência é menos midiatizada, em relação a outras instituições.

De acordo com Peter Weingart (1998 apud HJAVARD, 2012, p. 57), para pensar a midiatização da ciência é essencial considerar que “com a crescente importância da mídia na formação da opinião pública, da consciência e da percepção, por um lado, e uma crescente dependência por parte da ciência de recursos escassos e, portanto, da aceitação pública, por outro, a ciência passará a ser cada vez mais midiática”. Segundo Oliveira (2012), Weingart preocupa-se com o futuro da ciência na era da midiatização, uma vez que ela passa a depender da mídia, da “aclamação pública”, para se legitimar. Com isso, a comunicação pública da ciência deixa de ter a função de educar o público não-científico (ideia que vem se perdendo nos últimos 30 anos) para ganhar um papel mais instrumental e estratégico, no qual a mídia passa a ser um espaço para discussão daquilo que, por algum motivo, não pode ser debatido dentro dos laboratórios.

[O] envolvimento [do público não-científico] perde a característica de educação e esclarecimento e assume função mais estratégica. Públicos não-científicos são engajados pela ciência de forma a resolver conflitos que não podem ser solucionados internamente. De uma maneira geral, pode-se dizer que o recurso ao público pelos cientistas serve ao propósito de mobilizar legitimação com referência a dois tipos de problemas: (1) a conservação e a expansão das fronteiras da ciência visa seu entorno social, e (2) a resolução de conflitos no interior da própria ciência. (WEINGART apud OLIVEIRA, 2012, s.p.)

Segundo Fausto Neto (2012), a midiatização afeta todas as práticas sociais de maneiras diferentes. No caso da ciência, o discurso científico e acadêmico precisa se submeter às regras do discurso midiático. No entanto, a midiatização da ciência não se restringe à operação mecânica de colocar dois polos em contato através de uma estrutura mediadora, algo que remete ao conceito de

tradução mimética ou intercultural de Ricoeur (2011). Hoje, ela evoluiu para “complexas operações realizadas por uma nova ação técnica-discursiva que articula os campos sociais e seus conhecimentos de uma forma inteiramente nova” (FAUSTO NETO, 2012, p. 213).

Para o autor, na “sociedade dos meios”, os discursos científicos apoiavam-se no modo de funcionamento da mídia para se disseminar e esta tinha controle sobre os processos de publicização da ciência. Na sociedade midiatizada este processo é mais complexo e envolve a cultura, as operações e lógicas da mídia. A mídia transformou-se num lugar onde as instituições científicas vão em busca de reconhecimento. Além disso, as atividades das instituições científicas passam a se submeter ao sistema midiático de produção da ciência.

Escapando dos âmbitos da “vida em laboratório”, os processos e estratégias que midiatizam hoje a ciência, não seriam apenas espécie de um compêndio de complexa ‘indústria cultural’ que caracteriza a midiatização dos conhecimentos. Trata-se de um dispositivo que, agenciado por diversos processos e operações simbólicas, constrói a noção de ciência segundo uma realidade que é caucionada por regras e postulados da mídia. (FAUSTO NETO, 2012, p. 215)

Propomos considerar a midiatização da ciência como metáfora para pensar os atuais processos de comunicação pública da ciência. A midiatização como metáfora representa possibilidades de ampliação da compreensão da filosofia da ciência. Esta perspectiva tem duas dimensões distintas: 1) a dimensão própria da ciência e seus modos de ação, metodologias e aparatos teóricos que tem que se desenvolver independente da publicização da ciência e 2) a dimensão da divulgação, parte da dinâmica da ciência, mas que não se confunde com ela, embora a lógica da atividade científica se confunda com a divulgação.

Nesse sentido, a midiatização da ciência interessa muito mais como uma metáfora dos modos de funcionamento da comunicação pública da ciência, do que como uma mudança em curso na ciência, que estaria se subordinando à lógica da mídia. A demonstração pública do exoesqueleto, por exemplo, encontra-se numa ponta do processo de divulgação científica em que os resultados alcançados permitiram a exposição. No entanto, como as próprias polêmicas em torno do evento de que nos ocupamos nessa dissertação explicitam, a divulgação pública da ciência, até por exigências éticas, é algo que deve ocorrer após a consolidação de resultados, evitando falsas promessas, sensacionalização a partir de resultados parciais e sujeitos a retificações, dentre outros cuidados típicos da ciência como atividade que requer aportes teóricos e metodológicos de complexa formulação. Está claro, por outro lado, que a divulgação de resultados parciais, particularmente quando envolvem grandes perspectivas para a solução de problemas humanos aflitivos, tem claro

objetivo de angariar aportes econômicos, políticos e de opinião pública que garantam a manutenção e ampliação das pesquisas em curso.

Dentro desta perspectiva ainda chamamos atenção para quando a midiatização deixa de ser uma metáfora para cair no midiacentrismo. Neste caso, o midiacentrismo é perigoso porque significa que a midiatização deixa de ser vista como metáfora para fazer parte de uma lógica em que tudo está submetido aos ditames da mídia.