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Definições e caminhos metodológicos

3. COMUNICAÇÃO PÚBLICA DA CIÊNCIA NA COPA DO MUNDO DE 2014

3.2 Definições e caminhos metodológicos

Uma vez que a proposta é refletir sobre a comunicação pública da ciência pelo viés da narrativa, a pesquisa tem como corpus um conjunto de textos sobre o simbólico e polêmico pontapé inicial da Copa do Mundo de 2014, dado por um paraplégico usando um exoesqueleto. Serão considerados os textos publicados na página de Miguel Nicolelis no Facebook entre 1 de janeiro de 2014, data que escolhemos para começar a observar a preparação para a Copa na página, e 12 de junho de 2015, data em que se celebrou um ano da demonstração, englobando publicações anteriores e posteriores à cerimônia de abertura. A partir do conceito de tradução mimética de Ricoeur, movimento narrativo que passa pela cultura e diz da prefiguração do texto e sua refiguração na recepção, busca-se perceber quais as estratégias adotadas por Nicolelis antes e após a demonstração do exoesqueleto para divulgar o evento em sua página no Facebook. Para alcançar os objetivos propostos, o corpus será organizado de forma que possamos apreender quais sentidos emergiram na preparação para a demonstração do exoesqueleto na abertura da Copa e após o polêmico pontapé inicial.

Além disso, consideraremos o conteúdo das mídias que compõem o que estamos chamando de ambientação do nosso corpus de análise, de modo que possamos observar o background, ou seja, o contexto no qual os sentidos emergiram e que caracterizou a forma como o percebemos. Tomamos a mídia e a cobertura jornalística sobre o evento como um lugar de percepção, o que nos permite olhar para o nosso objeto de maneira crítica. Para isso, recorremos a textos publicados nos portais de notícias G1 e UOL e no telejornal Jornal Nacional no dia da demonstração e nos jornais impressos O Globo e Folha de S.Paulo no dia seguinte. Inicialmente, estávamos considerando também o Jornal da Band, da Rede Bandeirantes (que junto com a Rede Globo detinha o direito de transmissão da Copa do Mundo de 2014), mas, por problemas no acesso às integras do telejornal no período observado, não foi possível incluí-lo.

Também consideraremos na ambientação alguns textos do blog Ciência na Mídia, escrito pela especialista em divulgação científica Tatiana Nahas, do Observatório da Imprensa e do blog do jornalista brasileiro Luís Nassif publicados após a demonstração, ou seja, até o dia 17 de junho. Estas referências em crítica de mídia podem enriquecer o nosso olhar sobre o corpus e contribuir para a análise. Todos os textos sobre a demonstração extraídos destas mídias são importantes elementos para visualizar o ambiente, o contexto, que despertou a nossa atenção após o polêmico pontapé, e, principalmente, para revelar as relações (políticas, econômicas, sociais, entre outras) envolvidas e que muitas vezes ficam ocultas nas publicações de Nicolelis.

O recorte do corpus consiste no material coletado do dia 1 de janeiro de 2014 na página de Nicolelis no Facebook até o dia 12 de junho de 2015, fazendo uma separação estratégica entre o que foi postado antes, no dia e após a demonstração, somando um total de 75 textos (sem considerar as mudanças diárias da foto de capa durante a contagem regressiva). As postagens anteriores ao período de análise também fazem parte da ambientação, de modo que pudéssemos descrever um contexto, como feito no tópico anterior. Para compreender a dinâmica interna da página consideramos importante conhecer o processo de produção das postagens na rede social. Para isso, tentamos contato via e-mail com Miguel Nicolelis, mas não obtivemos resposta, o que não interferiu no desenvolvimento da pesquisa.

Tomamos a metáfora da tradução como base para pensar a tradução na comunicação pública da ciência, não mais nos termos tradicionais do jornalismo científico, mas como uma complexa mediação que implica o efetivo posicionamento do cientista, ou seja, da ciência, articulando elementos de sua própria cultura ou modos de ser e estar no mundo, que correspondem à forma como as experimentamos. Esta experiência na pesquisa dá-se materializada na rede social

Facebook, especificamente na página do neurocientista Miguel Nicolelis, abrangendo as particularidades da ferramenta e da atuação do pesquisador na cobertura da demonstração do exoesqueleto. Ressaltamos que o Facebook não é uma ferramenta metodológica nesta pesquisa, razão pela qual limitamos nossas considerações a algumas dinâmicas essenciais da rede social que nos permitirão observar o corpus segundo nossos objetivos.

Sendo assim, inicialmente seguimos as especificidades previamente observadas na divulgação promovida pelo cientista em sua página, para então nos debruçarmos sobre o conjunto de textos selecionados tendo como orientação algumas questões discutidas no referencial teórico. Cabe ressaltar que o rumo da análise, a definição de categorias, o que foi ou não considerado para efeito de organização e observação do corpus, só se deu efetivamente no momento que detivemos atenção ao conjunto de textos que compõem nosso corpus de pesquisa e a partir da análise dos dados oriundos deste trabalho cuidadoso.

Desse modo, analisaremos o conjunto de textos publicados por Nicolelis em sua página no

Facebook com base no conceito de tradução intercultural de Ricoeur (2011), trabalhando a hospitalidade linguística como operador de análise derivado desta perspectiva. Com isso, buscamos observar se o pesquisador se preocupa em fazer uma abordagem que coloque em relação aspectos culturais e a forma como ele faz isso no material que utiliza para divulgar a demonstração e tratar de outras questões relacionadas. É importante notar que estamos tratando de elementos da cultura

científica brasileira, visto que voltamos nosso olhar para a repercussão do acontecimento nas mídias do país, apesar de reconhecer a influência da relação de Nicolelis com a ciência fora do Brasil em suas postagens.

Uma vez que procuramos compreender as estratégias utilizadas pelo neurocientista para divulgar a demonstração, a percepção do corpus sob o prisma da ciência é essencial para entendermos os vários aspectos destas narrativas. Ao analisar as narrativas de Nicolelis sob a ótica da tradução intercultural, consideramos aspectos culturais da atividade científica, que caracterizam os processos de produção e difusão do conhecimento científico. Esta visada leva em conta não só elementos da própria ciência, mas também midiáticos e sociais. Para divulgar a demonstração o cientista se orienta pelos modos de funcionamento da mídia, e de como a ciência deve se comportar neste espaço, e pela relação com o público. Ao observar tudo isso, estamos necessariamente tratando da cultura científica.

Como vimos no tópico 1.3.1, estudar a cultura científica é uma forma de abandonar os modelos tradicionais de comunicação pública da ciência e pensá-la no contexto contemporâneo. Mas, para isso, de acordo com Castelfranchi (2003), é necessário ir além de fatos, dados e noções, dando destaque para os aspectos culturais mais profundos como símbolos, metáforas, medos e o imaginário social acerca da atividade científica. Desse modo, é importante considerar este contexto, para além das informações que temos acesso na mídia e na escola, que interfere na imagem que criamos da ciência. O modo como as narrativas são construídas, a escolha das palavras e vocabulário que dê inteligibilidade, revelam as estratégias adotadas pelo neurocientista.

Para desenvolver a análise, selecionamos 15 publicações que julgamos serem representativas do todo para a discussão proposta sobre as estratégias adotadas por Nicolelis em sua página no

Facebook. Salientamos a dificuldade de selecionar e delimitar o corpus a uma quantidade específica de modo que fosse possível uma observação mais detalhada e, ao mesmo tempo, que abarcasse um todo que é muito expressivo. Visto que o material postado já é algo selecionado, o que o cientista escolhe para colocar na página do projeto já é aquilo que ele considera ser importante dentre tantas informações sobre a demonstração divulgadas pela mídia ou que poderiam vir a ser divulgadas por sua equipe.

A partir das discussões teóricas desenvolvidas nos capítulos anteriores, acionamos três elementos que guiarão a nossa análise, acreditando que estes operadores nos permitem observar como o neurocientista lida com os critérios e perspectivas da comunicação pública da ciência como estratégias para divulgar o projeto. São eles: metáfora, tradução intercultural e midiatização. Ao

refletirmos sobre os processos de midiatização da ciência, mais especificamente da divulgação científica promovida por Nicolelis, temos como pano de fundo a tradução intercultural e as diversas possibilidades de metáforas acionadas.

No capítulo a seguir, apresentaremos a análise. Na primeira parte, faremos uma breve quantificação, na qual apresentamos um quadro cujo objetivo metodológico é unicamente mostrar as temáticas centrais dos 75 textos que compõem o corpus. Assim, o quadro é divido da seguinte maneira: preparação para o evento (textos sobre os processos anteriores à demonstração, como os testes com o exoesqueleto e as etapas da pesquisa); repercussão do evento (textos sobre informações a respeito da demonstração divulgadas por terceiros, publicações científicas e detalhes divulgados posteriormente pela equipe do projeto, incluindo imagens feitas durante a preparação) e explicação do exoesqueleto (textos que de alguma forma explicam o funcionamento da veste robótica e de seus componentes). Feito isso, nossa atenção se volta para a análise qualitativa dos 15 textos que melhor sintetizam e delineiam as estratégias adotadas por Nicolelis. Optamos por dividir esta segunda parte em três momentos distintos, a preparação, o dia e após a demonstração do exoesqueleto na cerimônia de abertura, acionando os instrumentos metodológicos apresentados nesta seção.

O olhar lançado para o recorte visa observar as estratégias adotadas por Nicolelis de modo a possibilitar uma discussão para além do corpus, que permita a reflexão sobre a comunicação pública da ciência de modo amplo e ímpar, para além das particularidades da linguagem e atividade jornalística, em especial do jornalismo científico, e as relações da ciência nos dias de hoje. Faz-se isso a partir da noção de que a narrativa funda a experiência, neste caso, a experiência com a ciência. Desse modo, fugimos de um olhar comparativo que tende a separar a ciência e a mídia, entendendo que, ao convocar o diálogo entre as duas instâncias, temos em vista as diferentes relações compreendidas com a demonstração do exoesqueleto e que dizem dos diversos sentidos que daí emergem.