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CIÊNCIA E PEDAGOGIA: ALGUMAS APROXIMAÇÕES HISTÓRICAS

VERDADES CIENTÍFICAS ABSOLUTOS METAFÍSICOS

4 CIÊNCIA E EDUCAÇÃO: DA CERTEZA DESARTICULADA À DÚVIDA ARTICULADA

4.4 CIÊNCIA E PEDAGOGIA: ALGUMAS APROXIMAÇÕES HISTÓRICAS

A transitoriedade das teorias científicas, ainda que evidente, e amplamente demonstrada pela história da ciência, não é discutida no ensino de ciências nos níveis fundamental e médio e, por vezes, sequer no superior (CALOR, SANTOS, 2004, p. 60). Professores e programas pedagógicos tendem a tratar a ciência como um conjunto de invenções e descobertas individuais, herméticas e fixas, visão amplamente corroborada por grande parte dos livros didáticos e pela grande mídia, que se limitam a apresentar as conquistas teóricas sem seus contraditórios históricos e metodológicos. A bem da verdade, a “ciência normal” e a resistência às iniciativas de refutação são estruturas muito poderosas que transcendem, em muito, o universo próprio da atividade pedagógica e científica. Recursos para a ciência básica (a ciência que avalia criticamente os fundamentos da própria ciência) são escassos no mundo inteiro e, de modo contrário, recursos para a ciência aplicada (ciência de resultados, que se converte em tecnologia) são fartos e até exagerados. O curioso é que, paradoxalmente, a inovação tornou-se um valor decisivo de competitividade no capitalismo contemporâneo. A questão é que sem investimento em ciência básica a “inovação” permanece sendo conduzida por um dado paradigma, até esgotá-lo tecnologicamente. Serão, portanto, programas de inovação com um tempo de vida determinado. Estaremos lidando com “revoluções de mensagens” e não com “revoluções de código” em ciência, tecnologia e educação. De fato,

Dos 4 bilhões de dólares que no momento se gastam com pesquisas pelo governo, indústrias e universidades, somente 150 milhões - menos de 4% - se destinam ao trabalho criador. A maioria absoluta das pessoas envolvidas na pesquisa, além disso, deve trabalhar em equipes nas quais não possuem autonomia alguma, e somente uma fração insignificante está em condições de fazer trabalho independente. Das 600.000 pessoas engajadas em trabalho científico,

calcula-se que não mais de 5.000 tenham a liberdade de escolher os seus próprios problemas (FILHO, 2001, p. 85).

A pressão econômica, efetivamente, trabalha a favor da ciência normal, e o limite é o esgotamento do paradigma para as aplicações em tecnologia. De fato, a presença da educação técnica (que deriva basicamente da ciência aplicada) é indispensável para estudantes do ensino superior, mas não pode ser hegemônica, sob pena de reduzir a formação profissional à habilidade de verificar hipóteses do paradigma hegemônico. E as habilidades de refutação? E a prática de uma educação extraordinária, motivada por uma ciência extraordinária, para lembrar a referência de Kuhn? Quem educa deve estar, também, trabalhando em problemas desafiadores e em permanente contato com outros pesquisadores, estar motivado pela possibilidade da descoberta e com a perspectiva, sempre presente, da renovação teórica para receber e processar novas informações. O ceticismo oferece um consistente campo conceitual para assegurar uma abertura cognitiva e intelectual à inovação. Hoje, é a melhor alternativa para conferir qualidade à educação, em todos os seus níveis: fazer do professor um investigador, um mestre da suspeita, um cético, um zetético. Nesse sentido, as universidades, por exemplo, concentraria pessoas dispostas, sobretudo, a criar, gerando um vigoroso círculo de realimentação positiva em torno da transformação do conhecimento. De fato, a educação desvinculada da geração de conhecimento básico em ciência é muito problemática e leva, inevitavelmente, a uma queda irreparável da qualidade do ensino, sobretudo, hoje, quando a inovação é elemento chave de competitividade.

A adoção de uma perspectiva dinâmica para a transmissão do conhecimento, baseada na idéia de teorias científicas transitórias também é indispensável à consolidação de um programa de qualidade em educação, sobretudo do ponto de vista motivacional, uma vez que alunos críticos e reflexivos assumem, necessariamente, uma postura ativa em sua relação com o conhecimento e com o processo de aprendizagem. Essa visão contrapõe-se à linearidade e à

falta de contextualização histórica encontradas na educação básica e, mesmo, na educação superior. Em realidade, observamos que a cultura epistemológica do positivismo (e do empirismo lógico) ainda marca uma presença decisiva na prática pedagógica contemporânea, desconsiderando o aluno como sujeito da ação da aprendizagem, e o transforma em simples receptor passivo do produto final da atividade de educar. O conhecimento é alcançado sem busca, sem processo de construção. A passividade do aluno no processo de aprendizagem não é uma constatação ou preocupação nova. A bem da verdade, o alerta sobre a necessidade de alçar o aluno para o protagonismo do processo de aprendizagem é fartamente reivindicado por dezenas de autores, em diferentes sistemas pedagógicos. Paulo Freire é um exemplo contundente:

Saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção. Quando entre em uma sala de aula, devo estar sendo um ser aberto a indagações, à curiosidade, às perguntas dos alunos, a suas inibições; um ser crítico e inquiridor, inquieto em face da tarefa que tenho – a de ensinar e não de transferir conhecimento (FREIRE, 1999, p.52).

De fato, não são novas as formulações pedagógicas que pretenderam assegurar o protagonismo da aprendizagem sobre o ensino. Ainda que não se trate, aqui, de recuperar a história das teorias que iniciaram ou contribuíram para equilibrar a relação entre ensino e aprendizagem, entendemos que algumas referências são indispensáveis. Referências pedagógicas que antecipam ou criam condições conceituais e teóricas para uma aproximação da epistemologia com a pedagogia, ou seja, uma aproximação do modo como se constrói o conhecimento e do modo como se transmite o conhecimento científico. O pensamento de Rousseau, por exemplo, um dos principais inspiradores da revolução francesa de 1789, revela com clareza a necessidade de um elevado grau de independência do aluno em sua relação com o processo de aprendizagem. Rousseau lembra que a

nossa maneira pedante de educar é sempre a de ensinar às crianças o que aprenderiam muito melhor sozinhas e esquecer o que somente nós lhes poderíamos ensinar (ROUSSEAU apud Rosa, 1998. p. 195).

Rousseau desloca o eixo da reflexão filosófica que, até então, pensa a educação como uma faculdade exclusiva da razão, atribuindo à experiência sensorial o verdadeiro impulso para o conhecimento. Assim, não é mais o mundo exterior o objeto exclusivo a ser estudado, mas também a realidade singular e experimental de cada ser humano. Seu pressuposto básico é a certeza na “bondade” do homem, uma vez que o homem é um ser natural, produto de uma harmonia da natureza. O homem, em princípio, é beneficiado por uma relação de reciprocidade com todos os elementos da natureza e o homem resulta desde equilíbrio. A civilização, com seus processos de adequação é a responsável pela origem do mal, pois desorganiza o equilíbrio natural que estruturou o homem. Conseqüentemente, para Rousseau, os objetivos da educação consiste no desenvolvimento das potencialidades naturais da criança e seu afastamento das tutelas sociais. A ciência e a educação com suas receitas prontas aprisionam e impedem o desenvolvimento infantil. É, no mínimo, impressionante a postura de Rousseau, pois encontramos em Vygotsky, autor tão distante do filósofo francês, no tempo e no espaço, argumento semelhante. Afirma Vygotsky:

O nível de desenvolvimento da criança não deve ser avaliado por aquilo que ela aprendeu através da instrução, mas sim pelo modo como ela pensa sobre assuntos a respeito dos quais nada lhe foi ensinado (VYGOTSKY, 1993, p. 82).

O tipo de educação imaginado por Rousseau depende da vida originária (natural) sem convencionalismos, ou seja, a educação sem mediação acional (tutelada) é o destino, inevitável, da aprendizagem dos homens. No seu texto, Rousseau insiste em que o papel mais adequado do meio é o de não interferir nos processos internos da maturação, sendo que assim

os professores deveriam ter atitudes não diretivas para um melhor desenvolvimento de seus alunos. Devem, ao contrário, esperar o desenvolvimento natural dos homens. Impressiona que a partir de pressupostos tão diferentes, Rousseau chegue a conclusões tão semelhantes quanto à independência e autonomia do sujeito no processo de aprendizagem, formulações coerentes com uma perspectiva de utilizar procedimentos céticos em pedagogia.

O fato é que não podemos pensar pedagogicamente a ciência como verdade absoluta e dada, pois este tratamento repercute nas atividades de educação de forma muito negativa, com carregadas doses de dogmatismo o que, conseqüentemente, gera práticas pedagógicas tuteladas e “invasivas” no campo cognitivo do aluno. A ciência assim percebida sugere que o seu conteúdo é, exclusivamente, o resultado do trabalho de cientistas geniais, desestimula e distancia o aluno, desvinculando, inclusive, o ensino de ciências da própria prática científica, prática da investigação e da descoberta.

Educadores como Dewey e Montessori, influenciados pelo pensamento de Rousseau, já no início do século XX, também enfatizaram a importância de estruturar o ensino em termos da espontaneidade da criança, além de sua participação ativa no processo educativo, que deve orientar-se em função das suas necessidades e descobertas. O fundamento dessa nova pedagogia encontra-se na idéia de que existe uma íntima relação entre os processos da experiência real e a educação. Maria Montessori (1870-1952), por exemplo, se concentrou na criação de um ambiente apropriado para o desenvolvimento infantil. O ambiente refere-se tanto ao mobiliário quanto ao material didático. Substitui o mestre que ensina pelo ambiente onde a criança possa escolher o que é apropriado a seu esforço pessoal e as necessidades e interesses de sua personalidade.