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Uma das principais causas da problemática ambiental foi atribuída ao processo histórico do qual emerge a ciência moderna e a Revolução Industrial. Este processo deu lugar à distinção das ciências, ao fracionamento do conhecimento e à compartimentalização da realidade em campos disciplinares confinados, com o propósito de incrementar a eficácia do saber científico e a eficiência da cadeia tecnológica de produção (LEFF, 2002, p.60).

Os esforços do setor industrial-agrícola e dos Estados Nacionais não seriam tão significativos caso não fosse a contribuição da comunidade acadêmica e das instituições de pesquisa no processo de expansão e consolidação do chamado

pacote tecnológico da Revolução Verde. Com o objetivo de aumentar a produção de

algumas culturas específicas, a pesquisa científica e a extensão convencional, passaram a desenvolver tecnologias em estações de pesquisa e fazendas experimentais que gradualmente foram transferidas na forma de pacotes de insumos e energia vendidos aos agricultores.

Nesse sentido, pode-se afirmar que a transferência de conhecimento e tecnologia foi um sucesso. Porém, apesar de uma significativa contribuição para o incremento de produção e do alcance de supersafras, os avanços das pesquisas agrícolas foram em sua maioria direcionados para os produtores de monocultivos em grandes áreas. As inovações tecnológicas dedicaram-se ao agronegócio e a produção de commodities para exportação. Com isso, os modelos tecnológicos foram extremamente desatentos com a realidade de milhões de pequenos agricultores, que muitas vezes não dispunham de acesso aos recursos disponibilizados pelo sistema financeiro oficial e estavam quase sempre inseridos em zonas agrícolas marginais, onde, na maioria dos casos, ocorrem os mais significativos riscos ao meio ambiente.

Segundo Altieri e Nicholls (2003), a pesquisa acadêmica tem tido como objetivo "melhorar os rendimentos de culturas alimentares e gados específicos, mas

geralmente sem entender adequadamente as necessidades e opções dos pobres, nem o contexto ecológico dos sistemas que estão sendo tratados". Ao que tudo

indica, o principal problema foi a fragmentação da pesquisa em disciplinas específicas, não havendo, ao longo do tempo, significativos avanços no entendimento das interações nas diversas áreas do saber constituído e de uma visão holística. Hoje, entende-se que a transdisciplinaridade precisa necessariamente estar presente quando se faz o uso dos recursos naturais e/ou se trata de populações que tradicionalmente vivem da agricultura.

O desenvolvimento da ciência e tecnologia (C&T) constitui-se como um dos meios mais eficazes da aplicação dos saberes científicos à produção de mercadorias. Especialmente no período pós Revolução Industrial o desenvolvimento científico e tecnológico foi feito de forma ramificada pelas diferentes disciplinas e os

processos produtivos foram desagregados em suas diferentes funções, para que, segundo Leff (2000, p.69), "suas aplicações se tornassem eficazes e operativas na

elevação da produtividade do capital".

A realidade complexa do mundo rural foi, portanto, tratada de maneira fracionada, sem um entendimento pleno da realidade. Principalmente, porque parte dos avanços em C&T foram desenvolvidos nos países ricos da Europa e América do Norte. A agricultura se incluía nesse processo e, enquanto surgia com grande potencial inovador para o incremento de áreas cultivadas e na produtividade de monoculturas comerciais, agricultores de países em desenvolvimento se sustentavam com uma agricultura de subsistência de baixo uso de insumos externos. A especificidade das inovações tecnológicas não foi capaz, portanto, de atender ao universo da agricultura familiar de subsistência, um ambiente com fatores socioambientais tão, ou mais, relevantes que os aspectos econômicos da produção.

Talvez essa cegueira conjuntural tenha sido a falha central do processo científico das ciências agrárias ao longo do tempo: os modelos produtivos convencionais, desenvolvidos em países ricos, não eram compatíveis com a realidade dos países pobres, o que não impediu a expansão do modelo, principalmente devido às forças de mercado. Nos países em desenvolvimento o elevado nível de exclusão social era determinado, de acordo com Medeiros et al. (2002): a) pela substituição da mão-de-obra rural pela mecanização intensiva da produção; b) pelo fato de os pequenos produtores não terem sido capazes de acompanhar o nível de inovação e padronização tecnológica estruturados no âmbito do moderno agribussiness.

Os pequenos produtores e agricultores familiares tiveram poucos benefícios e, em alguns casos, ficaram em situação pior com a chegada do pacote tecnológico da Revolução Verde. Segundo Reijntjes, Haverkort e Water-Bayer (1999), as pesquisas realizadas em estações experimentais eram inadequadas à realidade socioambiental dos agricultores tradicionais, com isso, esses pequenos produtores passaram a ocupar terras marginais, enquanto que a agricultura e a pecuária intensivas em capital se expandiram para as melhores terras. Para os autores, as atividades e os procedimentos da pesquisa agrícola convencional tem contribuído diretamente para a atual insustentabilidade da agricultura mundial. A Tabela 1.2 foi

elaborada a partir da análise desses autores e procura apresentar e descrever algumas razões que caracterizam as falhas da pesquisa e extensão convencionais.

Tabela 1.2. Enfoques e falhas da pesquisa e extensão convencionais.

Enfoques Falhas verificadas

a) Produtos considerados isoladamente

A ênfase em maximizar a produção de uma determinada mercadoria e não a produção global da unidade agrícola prejudica o estudo e o aprimoramento das interações entre diferentes plantas, animais e pessoas.

b) Orientação voltada para o mercado, aliada a um processo de escoamento de nutrientes

A integração de terras produtivas aos mercados nacionais ou internacionais resulta em uma drenagem líquida de nutrientes do campo para as cidades. Poucas tecnologias foram desenvolvidas para retornar estes nutrientes das áreas consumidoras para as áreas produtoras.

c) Desconsideração dos efeitos ambientais

Com a ênfase sobre produtos e áreas de produção, os efeitos a longo prazo sobre a fertilidade do solo, a capacidade regenerativa da vegetação natural e da fauna, a saúde humana, etc., não foram suficientemente considerados.

d) Negligência com as regiões de sequeiro e os recursos locais

Na maioria dos casos, as regiões marginais e sem irrigação foram negligenciadas pela pesquisa convencional, além dos cultivos tradicionais e espécies animais e vegetais nativas de importância local, essenciais para a sustentabilidade da produção.

e) Tendenciosidade no que diz respeito a gênero

Tem sido dedicada pouca atenção por parte das pesquisas agrícolas à solução dos problemas das mulheres agricultoras, bem como sua influência nos processos de tomada de decisão e na alocação de recursos e força de trabalho.

f) Descaso com o

conhecimento local próprio dos agricultores

Tem havido uma atitude generalista de extensionistas e pesquisadores, que consiste em considerar o sistema formal como a fonte última de todas as inovações, não se familiarizando com as condições, objetivos e conhecimentos dos agricultores.

g) Ênfase na realização de pesquisas em estações experimentais

Freqüentemente, as tecnologias desenvolvidas em estações não funcionam nas condições em que vivem os agricultores, enquanto que as variedades locais de melhor qualidade, que são adaptadas a essas condições, não são validadas nas estações de pesquisa.

h) Extensão rural baseada em produtos incompletos

A extensão rural vem, de modo geral, representando respostas para apenas um problema técnico de uma determinada disciplina, sem levar em conta os objetivos da produção, a alocação do trabalho entre as diferentes lavouras, a distribuição dos riscos entre as atividades, o acesso aos insumos externos, as possibilidades financeiras dos agricultores e outros aspectos socioeconômicos. Fonte: Modificado de Reijntes; Haverkort e Water-Bayer (1999).

O que se verifica como uma falha generalizada na análise que consta na Tabela 1.2 é a limitação da pesquisa e extensão convencionais em atender às demandas e observar a realidade dos pequenos agricultores. Hecht (2002, p.47)

afirma que "existem mais de um bilhão de agricultores com grandes limitações de

recursos financeiros, de renda e de fluxos de produção, os quais trabalham num contexto agrícola de extrema marginalidade". Diante deste quadro mostra-se

fundamental o redirecionamento da ciência e da tecnologia no sentido de atender à realidade dos produtores pobres, principalmente porque, segundo a autora "enquanto os resultados das pesquisas nas estações experimentais parecem

extremamente promissores, sua baixa repetibilidade no campo tem causado sérias dificuldades a muitos projetos".

No Brasil, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) representa o principal vetor institucional de transferência de tecnologia no setor agrícola e pecuário. A instituição teve sua origem no Departamento de Pesquisa e Experimentação Agropecuária (DPEA) criado em 1962 para, em 1973, vir a tornar-se Embrapa. Oliveira (2003) afirma que, durante sua origem, a Embrapa demonstrou pouca preocupação com a sustentabilidade ambiental da produção de alimentos e fibras, tendo como principal foco as culturas que produziam divisas, culturas para fins de alimentação, pesquisas fundamentais, pesquisas zootécnicas, pesquisas veterinárias e tecnologias de alimentação. No entanto, afirma a autora, com a evolução do conceito de desenvolvimento sustentável, surgem demandas de alterações nas prioridades sociopolíticas e de ciência e tecnologia para a agropecuária, o que, segundo Oliveira, (2003, p.159) "está requerendo da Embrapa

maior capacitação para a resolução dos problemas ecológicos e a redefinição de prioridades e parâmetros em seu programa de pesquisa para atender a estas exigências". No entanto, por estar ciente de que as questões socioambientais

permeiam outras instituições governamentais, a Embrapa, apesar de considerar tais questões, não assume por completo a responsabilidade pelo desenvolvimento de uma produção agropecuária sustentável. Isso demonstra uma clara pulverização institucional na resolução dos problemas e demandas na construção do desenvolvimento sustentável.