2. AGROECOLOGIA E AGROFLORESTAS SUCESSIONAIS:
2.4. SUBSTITUIÇÃO DE INSUMOS, TRANSIÇÃO AGROECOLÓGICA E
Como salienta Gliessman (2000, p.573) "para muitos produtores, a conversão
rápida a um desenho e manejo sustentáveis do agroecossistema não é possível nem prática". Para o autor, tudo depende das culturas produzidas, do manejo e
insumos aplicados e das condições ambientais. O autor afirma que, para culturas anuais, o processo pode ser de três anos e, para culturas perenes e criação de animais, como é o caso do Assentamento Fruta D'Anta, o tempo é de no mínimo cinco anos ou mais. Portanto, o processo de conversão final para modelos agroecológicos depende de tempo e pode passar por diferentes estágios dependendo da realidade socioeconômica e ambiental de cada conjunto de agricultores. Partindo da concepção de Hill43 (apud GLIESSMAN, 2000) indica que para facilitar a identificação do estágio de conversão produtiva e para facilitar a pesquisa agrícola, é possível e necessário categorizar alguns níveis de transição representados pela Figura 2.3.
42
GÖTSCH, E. Comunicação pessoal. 1998.
43
- Aumento de eficiência nas práticas produtivas convencionais;
- Redução no uso de insumos e energia vindos de fora do sistema; - Redução dos impactos negativos ao meio ambiente. - Substituição de insumos e algumas práticas convencionais pelas agroecológicas; - Uso, por exemplo, de adubação verde, ciclagem de nutrientes, controle biológico de doenças e cultivo mínimo. - Redesenho do agroecossistema baseado em processos ecológicos e adaptado às condições socioambientais;
- Correção das falhas fundamentais do modelo convencional que ainda persistem nos níveis 1 e 2.
NÍVEL 2 NÍVEL 3
NÍVEL 1
Figura 2.3. Níveis de conversão produtiva de modelos convencionais para modelos agroecológicos.
Na concepção de Caporal e Costabeber (2004) a transição agroecológica deve abordar o conceito de processo de ecologização, que corresponde à introdução significativa de valores socioambientais nas práticas agrícolas. Para o autor, o desenvolvimento rural deve incorporar novas concepções sobre a agricultura, capazes de uma análise sistêmica e holística da produção agrícola, que não busque simplesmente rendimentos econômicos. No caso, a abordagem da agroecologia se encaixa perfeitamente nesse processo, pois além de incorporar valores ambientais, introduz variáveis sociais e biofísicas no entendimento de sistemas de produção. Ainda segundo o autor, esse processo se dá ao longo do tempo, mediante uma transição agroecológica, possível pela mudança dos modos de produção intensiva para modelos mais complexos, sob o ponto de vista da conservação e manejo dos recursos naturais. Importante lembrar da necessária reorientação social para a obtenção de índices sustentáveis equilibrados de sustentabilidade, produtividade, equidade e quantidade de vida no agroecossistema.
Logo, a transição agroecológica se refere a um processo gradual de mudança, através do tempo, nas formas de manejo dos agroecossistemas, tendo como meta a passagem de um modelo agroquímico de produção a estilos de agricultura que incorporem princípios, métodos e tecnologias de base ecológica. (...) implica não somente numa maior racionalização econômico-produtiva com base nas especificidades biofísicas de cada agroecossistema, mas, também, numa mudança nas atitudes e valores dos atores sociais em relação ao manejo e conservação dos recursos naturais, o que não dispensa o progresso técnico e o avanço do conhecimento científico (CAPORAL; COSTABEBER, 2004).
Também partindo da concepção de que a transição agroecológica é um processo de estágios de conversão produtiva, Rosset e Altieri (2002) propõem a Tabela 2.2, onde descrevem as características que modelam distintos sistemas agrícolas: convencional, de substituição de insumos e o agroecológico.
Tabela 2.2. Características dos sistemas convencional, de substituição de insumos e agroecológico.
Sistema Técnico Características
Convencional Substituição de
insumos Agroecológico
Dependência de petróleo alta alta baixa
Necessidade de mão-de-obra baixa (contratada) baixa (contratada) alta (familiar e comunitária)
Intensidade de manejo baixa baixa-média complexa
Intensidade de cultivo alta alta a baixa baixa (conservação)
Diversidade de plantas baixa baixa alta
Culturas/variedades anuais/híbrido anuais/híbridos ou de
polinização aberta
anuais e perenes/cultivares regionais
Fonte de sementes todas compradas compradas algumas produzidas pelo
agricultor
Integração (animais/vegetais) nenhuma pouca (esterco) alto grau
Pragas muito imprevisível imprevisível mais estável
Manejo de insetos químico biopesticidas, algum
controle biológico cultural e biológico
Manejo de vegetação
espontânea químico, cultivo herbicidas biológicos competição, rotação de culturas
Manejo de doenças químico, resistência
vertical
antagonistas, resistência vertical, novos cultivares
rotação, resistência horizontal, diversos cultivares e consórcios
Nutrição de plantas química, aplicação concentrada, sistemas abertos biofertilizantes microbianos, fertilizantes orgânicos, sistemas semi-abertos
reconstrução da biologia (vida) do solo, sistemas semi-fechados
Importância da decomposição e da ciclagem de nutrientes
baixa baixa a média alta
Manejo de água irrigação em grande
escala
irrigação por gotejamento
irrigação artesanal e comunitária, culturas de sequeiro, matéria
orgânica, coletores de água
Resposta do sistema a
perturbações pobre, alto risco pobre, alto risco
resistente, resiliente, compensatória, baixo risco
Geração de tecnologias autoritária, de cima para
baixo, importada
autoritária, de cima para baixo, importada
participativa, agricultor em primeiro lugar, local
Delineamento da pesquisa agronômica
convencional
agronômica
convencional pesquisa participativa
Inserção no mercado total: compra de insumos, venda de produtos total: compra de insumos, venda de produtos
menos compras, auto suficiente, vendas variáveis
Necessidade de capital alta mais alta baixa
Produtividade da terra baixa a média baixa a média alta
Produtividade da mão-de-obra a mais alta alta baixa a média
Retorno do investimento alto a baixo baixo a médio alto
Rentabilidade líquida alta a baixa baixa a média variável
Riscos para a saúde altos médios a baixos baixos
É importante destacar que as características sugeridas na Tabela 2.2 serão as mesmas utilizadas para indicar potenciais e limitações para a transição agroecológica dos agricultores do assentamento Fruta D'Anta envolvidos na pesquisa com agroflorestas sucessionais.
O importante é perceber que a transição final desejada não representa apenas a substituição de insumos químicos por insumos orgânicos. Nesse sentido, Rosset e Altieri (2002) apontam que a substituição de insumos, apesar de reduzir alguns impactos ambientais diretos da agricultura, como o dos resíduos e dos agrotóxicos, não reduz a vulnerabilidade fundamental das monoculturas. Os autores afirmam que muitos agricultores que fazem a escolha pela substituição de insumos podem vir a aumentar seus custos com insumos orgânicos que também são oriundos de fora dos sistemas e muitas vezes mais caros que os convencionais.