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Ciência, educação e religião: o projeto protestante de mudança

4. METODOLOGIA

6.3 As impressões dos visitantes

6.3.2 Ciência, educação e religião: o projeto protestante de mudança

(instrução) e a ciência para a propagação de sua fé. Estes valores estavam presentes na constituição da Escola Superior de Agricultura de Lavras.

A 11 de março daquele mesmo ano, outro visitante, chamado Abelardo Lopes, assim escrevia no mesmo caderno:

“Visitando a Escola Agrícola de Lavras, sob a competente Direção Técnica do Dr. Benjamim Hunnicutt, só tenho a dar parabéns a minha Pátria. Aí, nesse campo de estudo da Ciência e das Práticas Agrícolas, observei o quanto poderá, em futuro próximo ser Lavras o grande centro da moderna veia da reforma da nossa Agricultura. Ali, ante a grande força produtiva da terra brasileira, vi o espírito metódico, inteligente, disciplinado do Americano, que é Dr. Benjamim Hunnicutt, trabalhando pelo nosso progresso, tratando a face querida de nossa terra, como se fora a sua própria Pátria. Daqui lhe registro os meus agradecimentos, por essa nova seiva da vida que vai infiltrando no organismo dos nossos agricultores, como grande ensinamento que a Escola e o campo que dirige são a mais robusta prova. Que Deus abençoe a obra americana trabalhando a alma da Pátria brasileira, sua irmã.” (grifo nosso)

Nesta inscrição, o visitante, em tom bastante otimista, vê a possibilidade de uma reforma na agricultura via Escola Agrícola de Lavras, reconhecendo a inter-relação entre a ciência e a prática agrícola, e a

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possibilidade de progresso advinda desta aliança. Ao elogiar esta aliança, reproduzia mais uma das idéias correntes de ciência à época dos positivistas, que o real está aí para ser transformado, e não apenas teoricamente pensado. Mas, talvez como sobrevivência da theoretiqué platônica, não se podia deixar de dar-se este caráter teórico ou científico à prática da agricultura. Esta pretensão, de transformar o mundo sem abrir mão do pensamento teórico e tornar-se um técnico, acabou virando lema da Escola Superior de Agricultura de Lavras, pois tanto na bandeira como no hino da mesma, já se observa sua presença. O hino assim canta:

Hino à ESAL

Avante ESAL grandiosa Empunha a tua bandeira; Eis que teu nome enaltece Esta terra brasileira Nessa coroa de glórias Que ostentas firme, altaneira, Teus mestres são gemas raras Que aureolam tua bandeira CORO

“Ciência e prática”, um lema Que a fé dará com amor, Ao esaliano que ostenta Teu emblema com fervor Gammon, Hunnicutt, Wheelock, Sábios de tuas fileiras,

O teu nome projetaram Além de nossas fronteiras. Hoje tu tens Paulinelli, Jovem, audaz, varonil Abrindo teus horizontes Para a glória do Brasil.

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Esta versão do hino acabou tornando-se a oficial, talvez por seus elementos simbólicos de se exaltar os grandes valores de sua fundação, chegando mesmo a citar expressamente o nome de seus fundadores. O lema “Ciência e Prática” aparece aqui, modesto, é verdade, porém, com a pretensa intenção inconsciente de resolver o problema epistemológico travado entre platônicos e positivistas. Ambos os termos aparecem inscritos no lema com iniciais maiúsculas. Platonicamente maiúsculas.

Em reconhecimento ao projeto de educação protestante, também escreve R. Werner, em 1º de outubro de 1920:

“Passei dois dias muito agradáveis visitando a Escola Agrícola de Lavras. Aqui existe algum do melhor Duroc-Jersey do Brasil e as manadas do gado Suíço-marron são créditos para esta instituição. Ficaria muito agradecido de ver manada do rebanho Hereford na fazenda em Lavras, pois, esta raça tem provado por si mesma, se adaptar ao Brasil e cruzar com qualquer que já tenha feito na criação nativa, resulta na alta qualidade de carne bovina. A Escola de Lavras está certamente atuando e tendo grande destaque na educação alguns dos melhores e progressistas futuros fazendeiros e criadores de gados do Brasil.”

Já se viu o quanto os protestantes preocupavam-se com a educação no seu intuito de formar homens livres preparados para o Estado. Os visitantes não deixam também de beber desta fonte, que acabou também por influenciar imensamente a letra do Hino do Instituto Gammon (de Jeni Gomes), que assim diz:

Oh! Salve, salve berço amado Da instrução sublime e do saber, Que a todos nós tens ensinado

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A longa via do dever; E, com prazer,

Ao teu pendão cheio de glórias Vimos prestar leal tributo, Para depois de mil vitórias, Te darmos vivas, ó Instituto! Em cada filho, tu verás

Recompensado o teu grande labor; E, em cada alma, encontrarás Sincero preito de amor, Pois, com valor,

Vamos lutar em prol do bem, Levar a todos os teus ensinos E difundir do mar além,

Com todo o ardor, os nossos hinos!

Vê-se que o hino relaciona a idéia de instrução com a de trabalho (labor) e de bem. E ainda afirma, no último verso, querer espalhar por outros cantos “os nossos hinos”, o que pode ser lido como “os nossos valores”, “os nossos ideais”.

O lema que a Escola Agrícola tomaria como seu seria o Ciência e Prática, cantado em seus hinos e retomado em suas memórias ao longo de sua história. Conquanto observar-se a estrutura curricular dos primeiros cursos (vide anexo 2), ainda no século XIX, perceber-se-á, que em várias séries de estudos de formação do Agrônomo, havia disciplinas teóricas e uma prática, obrigatória, representada por certo número de horas em uma das várias oficinas do campus.

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A preocupação em integrar a teoria à prática é uma constante não só da Escola Agrícola, mas também de sua idealização: o projeto educacional dos presbiterianos, que visava preparar as pessoas para o trabalho, como fim em si mesmo e como uma necessidade apontada por Rhea Gammon de preparar o agrônomo brasileiro para a atividade cotidiana da lavoura e, também, para que pudessem, com condições de igualdade, ocupar espaços nas tribunas e parlamentos nacionais.

O que perpassava esta questão, provavelmente inconsciente aos idealizadores do lema Ciência e Prática,a era a tentativa de equalizar uma questão bem maior e mais antiga que havia incomodado vários pensadores da história da filosofia, de Platão a Bacon, para citar só os principais

De qualquer forma, quando, no início do século XX, nasceu a Escola Agrícola de Lavras, a discussão entre Ciência (entendida como a produção de pensamento teórico, meramente especulativo e contemplativo) e Prática (entendida como observação, experimentação e intervenção no mundo) já estava consolidada.

Os protestantes, bastante influenciados pelo pensamento pós- renascentista de Bacon, porém, portando valores religiosos que aspiravam à eternidade e ao mundo espiritual, pretenderam conciliar as duas tradições, fundando um ensino agrícola que (re)conciliasse a teoria à prática, elegendo como lema para a Escola Agrícola de Lavras o Ciência e Prática, que ainda hoje tremula em sua bandeira.