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O DESENVOLVIMENTO LOCAL 2.1 INTRODUÇÃO

2.2. CIÊNCIA, TECNOLOGIA E SOCIEDADE

Webster e Etzkowitz (s.d.) postulam que a atual tendência no direcionamento do desenvolvimento econômico dos países implica uma prática industrial para o desenvolvimento baseado na ciência. Os autores argumentam que: (p. 504)

... a maior significação do desenvolvimento econômico baseado na ciência é que isso rejeita uma classe trabalhadora baseada no trabalho industrial e nas formas tradicionais de socialismo. De fato, conhecimento como base do desenvolvimento industrial também rejeita os conceitos tradicionais de capital e capitalis- mo. Capital e trabalho, organizados tradicionalmente, são insu- ficientes para apoiar o crescimento econômico na próxima era.

Se forem observados os elementos determinantes do desenvolvimento econômico e social atual dos países desenvolvidos, confirmam-se as conclusões de autores diversos que colocam a ciência e a tecnologia como a base do desenvolvimento econômico e social das nações.

Muda-se com isso o foco das discussões sobre o desenvolvimento econômico dos países, antes localizado na importância dos fatores tradicionais de produção – capital, trabalho e matéria-prima -, hoje centralizado nos novos fatores de produção capitalista: capital, trabalho e conhecimento.

Sob o enfoque do novo paradigma tecnológico do desenvolvimento econômico global – o paradigma técnico-científico – , que tem na mudança tecnológica o principal fator de produtividade econômica (Etzkowitz s.d.), expressões como cientificização da tecnologia6 e

capitalização do conhecimento refletem novos conceitos em incorporação nas culturas industrial e acadêmica, a partir do momento em que esse dois setores buscam uma aproximação mais efetiva.

Quando analisa a influência da ciência e da tecnologia nas transformações do processo de trabalho e da sociedade capitalista, Braverman (1987, p. 138) assim se expressa:

A ciência é a última – e depois do trabalho a mais importante - propriedade social a converter-se num auxiliar do capital. (...) A princípio, a ciência nada custa ao capitalista, visto que ele tão somente explora o conhecimento acumulado das ciências físicas, mas depois o capitalista organiza sistematicamente e ornamenta a ciência, custeando a educação científica, a pesquisa, os labora- tórios, etc., com o imenso excedente do produto social que ou pertence diretamente a ele ou que o capitalista dispõe como um domínio total na forma de rendas de tributos. Um esforço social antigamente relativamente livre é integrado na produção e no mercado.

Segundo essa análise, o capital, inicialmente, estrutura e organiza a ciência e, em seguida, incorpora-a ao modo de produção capitalista como sua propriedade.

Diferentemente do que ocorre nos dias atuais, não foi a ciência que orientou, diretamente, a Revolução Industrial dos séculos XVIII e XIX. Ao contrário, ela foi resultado direto do desenvolvimento tecnológico gerado nas próprias artes da indústria. O desenvolvimento científico deu-se paralelamente ao desenvolvimento tecnológico ou como resultado dele. Isto é: antes do surgimento do capitalismo, a técnica precedeu a ciência.

Para Braverman (1987, p. 138), na Revolução Industrial, a ciência comparecia como uma propriedade social generalizada ocasional na produção, enquanto que, na revolução técnico-científica iniciada no final do século XIX , a ciência é incorporada como propriedade capitalista no pleno centro da produção.

A Revolução Industrial foi, em suma, um processo de incorporação de inovações tecnológicas e científicas no modo de produção da época; a revolução técnico-cientifica atual é um processo de transformação da ciência em capital pela sua incorporação ao modo de produção capitalista como propriedade do capital.

Para Marx, o capital não gera ciência mas aplica-a no processo de produção e Ao empregar a ciência na produção, o capital opera a separação entre o saber e o trabalhador. A acumulação de saberes e habi- lidades que constituía o patrimônio dos trabalhadores e condição indispensável à produção com o advento da indústria moderna é separado deles e incorporado ao capital (...) A produção capita- lista tende, conforme interpretação de Marx, a desqualificar a maioria dos trabalhadores e a criar um pequeno número de tra- balhadores altamente qualificados. Estabelece-se, assim, a divi- são do trabalho intelectual e do trabalho de execução.

(BRYAN 1996, p. 10)

Seguindo ainda a trilha das interpretações de Marx, embora o capitalismo, como forma de organização social do trabalho, atue no sentido de impedir o desenvolvimento da sociedade, não se pode negar o caráter revolucionário da tecnologia, base do modo de produção da indústria moderna, que tem a característica genuína de tornar o conhecimento acessível a todos e despido de mitos e segredos.

Sobre esse assunto, Marx assim se expressa: (1988, livro primeiro, tomo 2, pp. 86-87) A grande indústria rasgou o véu que ocultava aos homens seu

próprio processo de produção social e que transformava os di- versos ramos da produção, que se haviam naturalmente particu- larizado, em enigmas de uns para os outros e até mesmo para o iniciado em cada ramo. Seu princípio – dissolver cada processo de produção, em si e para si, e para começar sem nenhuma con-

sideração para com a mão humana, em seus elementos constitu- tivos – produziu a bem moderna ciência da tecnologia.As colori- das configurações, aparentemente desconexas e ossificadas, do processo de produção social se dissolveram em aplicações

conscientemente planejadas e sistematicamente particulariza- das, de acordo com o efeito útil tencionado das ciências natu-

rais. A tecnologia descobriu igualmente as poucas formas bá- sicas do movimento, em que necessariamente ocorre todo fazer produtivo do corpo humano, apesar da diversidade dos instru- mentos utilizados, assim como a Mecânica não se deixa enga- nar pela maior complicação da maquinaria quanto à repeti- ção constante das potências mecânicas simples. A indústria moderna nunca encara nem trata a forma existente de um processo de produção como definitiva. Sua base é, por isso, revolucionária, enquanto a de todos os modos de produção anteriores era essencialmente conservadora.

Ora, se o capitalismo moderno, segundo essas interpretações, é revolucionário no conteúdo mas conservador na forma, a questão relevante que primeiro surge , na trilha dessas reflexões, diz respeito à quantificação da influência do caráter revolucionário da indústria moderna na sociedade e na vida das pessoas.

Essa discussão leva, diretamente, ao conceito de tecnologia cuja definição, nos tempos atuais, tem passado por alterações em função das suas múltiplas e variadas presenças na moderna produção industrial. São procedimentos, habilidades e processos que determinam a produção industrial, perpassam a vida das pessoas, moldam as sociedades e passam a ser designadas, genericamente, de novas tecnologias.

Chesneaux (1995, p. 108) argumenta a esse respeito que:

Aquilo que comumente se chama “novas tecnologias” representa, na verdade, um conjunto muito heterogêneo de procedimentos, de

habilidades e de equipamentos. Não respondem todas a necessi- dades da mesma natureza e, sobretudo, não agem sobre o corpo social no mesmo nível de generalidade.

As novas tecnologias hoje congregam a tecnologia informática, a nuclear, a espacial, a de novos materiais e processos e a biotecnologia geradas pela tríade revolucionária: microeletrônica, microbiologia e energia nuclear (Schaff 1995), as quais constituem a base estruturante do chamado paradigma técnico-econômico do desenvolvimento econômico global e compõem a presente revolução técnico-científica.

Chesneaux, na mesma obra (p. 109), prossegue na sua argumentação e análise, apontando que as novas tecnologias foram elevadas à dignidade de um conceito, tornaram-se emblema salvador da modernidade em crise, seu sinal de unificação.

Mas não são as novas tecnologias também vetores da crise da modernidade? Em que medida o desenvolvimento tecnológico, laureado pelo capital como operador da organização econômica dos países, está também construindo os caminhos da sua degradação social?

Chesneaux, na mesma página, provoca:

(As novas tecnologias) são tão declarativas quanto operatórias. Teriam elas uma função ideológica, além da técnica? A de con- vencer sobre seu futuro brilhante uma humanidade que parece ter necessidade dele ...

Mais adiante, o autor sentencia: (p. 110)

Se as novas tecnologias são tão ideológicas quanto técnicas, no entanto, são novas, comprometendo em nós os assuntos morais tão antigos quanto a consciência humana.

O que nada tem de novo, pelo contrário, é sua estreita associa- ção com o poder político e o lucro capitalista.

Ou seja: a subserviência das novas tecnologias ao poder político e ao lucro capitalista nasce e se desenvolve com o capitalismo.

Com isso voltamos ao ponto inicial da discussão levantado pelas características paradoxais do modo de produção capitalista – revolucionário no conteúdo e conservador na forma -, dentro das quais às novas tecnologias ficam designadas, na verdade, funções políticas, ideológicas, técnicas e econômicas.

Expostas como ferramentas irrecusáveis de organização social, elas se transformam também em vetores de novas desordens sociais quando não conseguem dar respostas às demandas sociais de emprego e trabalho, de saúde e qualidade de vida, de estabilidade social e emocional, de paz e segurança.

A perspectiva do futuro ser pré-determinado e construído, prioritariamente, pelo desenvolvimento técnico e tecnológico causa ansiedade, temor, pânico, ...

Schaff (1995, p. 154) aponta um caminho de esperança:

O futuro não é um destino determinado pelo desenvolvimento da tecnologia, mas obra do homem ( ... ); o homem criador do seu próprio destino e que esteve presente durante todo desenvolvi- mento histórico.

Na mesma linha de apontar alternativas ao discurso fatalista do caminho único, Chesneaux (1995, p. 117) assevera que não são as técnicas que conduzem o mundo. Elas não são revolucionárias, a não ser que a sociedade esteja disposta a acolhê-las.

Resta a esperança de o homem, ser histórico e social, assumir seu papel de primeiro responsável pelos destinos da humanidade e do planeta, consciente de suas limitações e possibilidades para criar e escolher alternativas para o desenvolvimento social, tanto nos países desenvolvidos quanto naqueles em desenvolvimento.

Razões, necessidades e motivações para sustentar essa esperança e enfrentar o desafio que dela brota não faltam num mundo com um bilhão de desempregados dos quais dez milhões encontram-se em nosso país.

2.3. RELAÇÃO INSTITUIÇÃO ACADÊMICA-SETOR INDUSTRIAL: origens e