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Ciberespaço, cibercultura e trabalho colaborativo

PARTE I – MATRIZ TEÓRICO-CONCEPTUAL

Capítulo 3. TECNOLOGIAS AVANÇADAS E NOVOS CONTEXTOS DE APRENDIZAGEM

3.7. Ciberespaço, cibercultura e trabalho colaborativo

Segundo Lévy (2000), não se pode desvincular o humano do seu ambiente material, nem dos símbolos e imagens através dos quais ele confere sentido à vida e ao Universo. Da mesma forma, não se pode desvincular o mundo material – e menos ainda a sua componente artificial – das ideias pelas quais os objetos técnicos são desenvolvidos e usados, nem dos humanos que os inventam, os produzem e se servem deles.

Mesmo supondo que existem efectivamente três entidades: técnica, cultura e sociedade, mais do que acentuar o impacto das tecnologias poderíamos do mesmo modo afirmar que as tecnologias são produtos de uma sociedade e de uma cultura. Mas a distinção nítida entre cultura (a dinâmica das representações), sociedade (as pessoas, as suas ligações as suas trocas, as suas relações de força) e a técnica (os artefactos eficazes) não pode ser senão conceptual. Não lhe corresponde nenhum protagonista, nenhuma «causa» verdadeiramente independente. (Lévy, 2000, p. 23)

Assim, as relações autênticas não se tecem entre a tecnologia, enquanto causa, e a cultura, que sofreria os seus efeitos, mas entre um grande número de protagonistas humanos que criam, produzem, usam e interpretam técnicas de forma distinta.

O que se nomeia imprecisamente sob a designação de «novas tecnologias» alude vagamente a uma atividade polimórfica que se cristaliza particularmente em torno de programas informáticos e de dispositivos de comunicação de dados.

É o processo social em toda a sua opacidade, é a actividade dos outros, que reaparece ao indivíduo sob a máscara estranha, desumana da técnica. Quando os «impactos» são negativos, convém incriminar de facto a organização do trabalho, ou as relações de dominação, ou ainda a complexidade indestrutível dos fenómenos sociais. Do mesmo modo, quando os «impactos» são considerados positivos, não é evidentemente a técnica que é responsável pelo sucesso, mas aqueles que a conceberam, puseram em prática e utilizaram certos instrumentos. Neste caso a qualidade do processo de apropriação (isto é a qualidade das relações humanas, afinal) é por vezes bem mais importante do que as particularidades sistemáticas dos utensílios, se é que os dois aspectos são separáveis. Em suma quanto mais rápida é a mudança tecnológica mais parece ela vir do exterior. (Lévy, 2000, p. 28-29)

Além disso, a sensação de estranheza cresce com a desvinculação das atividades e a opacidade dos processos sociais. Segundo o autor, é aqui que intervém o papel primordial da inteligência coletiva, que é um dos principais motores da cibercultura.

De facto a sinergia das competências, dos recursos e dos projectos, a constituição e manutenção dinâmica das memórias comuns, a activação dos modos de cooperação flexíveis e transversais, a distribuição coordenada dos centros de decisão opõem-se à separação estanque das actividades, às compartimentações, à opacidade da organização

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social. Quanto mais se desenvolvem os processos de inteligência colectiva – o que supõem evidentemente o questionamento de numerosos poderes –, melhor os indivíduos e os grupos se apropriam das mudanças técnicas, menos efeitos de exclusão ou de destruição humana tem a aceleração do movimento técnico-social. (Ibidem, p. 29) Ora o ciberespaço, sistema de comunicação interativo e comunitário, apresenta-se exatamente como uma das ferramentas privilegiadas da inteligência coletiva. Os exemplos são inúmeros e integram, por exemplo, sistemas de colaboração descentralizados de grandes empresas, fóruns de investigadores e estudantes que trocam ideias, artigos, imagens, experiências ou observações, bem como comunidades de interesse formadas em torno de uma tecnologia ou de um outro qualquer domínio.

Eis o ciberespaço, o pulular das suas comunidades, o emaranhado das suas obras, como se toda a memória dos homens se desdobrasse neste instante: um imenso acto de inteligência colectiva sincronizada, convergindo para o presente, relâmpago silencioso, divergente, explodindo como uma cabeleira de neurônios. (Ibidem, p. 276)

A Internet possibilita a criação de comunidades virtuais de aprendizagem e de trabalho

colaborativo, potenciadoras de “uma construção que é individual, mas alcançada a partir

do colectivo, das trocas, da vivência em comunidade.” (Carvalho, 2007, p. 9), onde “Collaboration is a social structure in which two or more people interact with each other and, in some circumstances, some types of interaction occur that have a positive effect.” (Dillenbourg, Baker, Blaye e O'Malley, 1996, p. 21) e em que “Além de se fomentar a aprendizagem individual dos seus membros, também tem lugar a aprendizagem colectiva através da interacção, da partilha e da colaboração dos seus membros.” (Miranda, Morais, Dias e Almeida, 2001, p. 587).

Os estudos de Vygotsky têm influenciado muitos novos paradigmas locais para a criação de ambientes de aprendizagem colaborativa. Também Papert (1993), que cunhou um termo para designar a arte de aprender – “matética”, não é indiferente aos ambientes colaborativos (ou conectivos) antevendo estratégias facilitadoras da aprendizagem melhorando a conectividade no ambiente onde ocorre “Procurem conexões! É um conselho matético sólido” (p. 105).

Parece não restarem dúvidas de que a geração mais jovem apresenta diferenças substantivas relativamente à que a precedeu. Sobre a natureza do que denominou de “Geração Net”, Brazão (2008) refere que se trata de indivíduos que possuem sumariamente as seguintes características:

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Cresceram em ambientes saturados de tecnologia, lidando naturalmente com isso; mantêm-se sempre conectados pela internet e não se imaginam sem ela; são imediatos na procura de informação, e nas respostas, executam simultaneamente várias tarefas; cresceram com os jogos de jogos vídeo, aprendem bem por descoberta, com um estilo exploratório, usam a internet de modo criativo e significante; são comunicadores e gravitam para atividades que promovem e reforçam a interação; exibem uma franqueza notável face à diversidade e à diferença; são emocionalmente abertos, compartilhando informação muito pessoal; desenvolvem mecanismos de inclusão; preferem trabalhar e aprender de forma alternada, ora de igual para igual, ora de perito para aprendiz; necessitam de parâmetros, regras, prioridades e procedimentos; são orientados para a descoberta indutiva fazendo observações, formulando hipóteses definindo novas regras; desejam a interatividade; são visuais e cinestésicos, lidam confortavelmente com ambientes mais ricos em imagem que com texto; não são só um fenómeno da idade mas de exposição à tecnologia; não equacionam a sua ação em termos de tecnologia, pensam em termos no que a atividade da tecnologia os habilita; aprendem pela prática e pela participação. Mostram também períodos de atenção mais curtos; desejam interatividade imediata a cada e em toda a ação; promovem a aprendizagem informal no tipo de interação, instrução de igual - para - igual, síntese e reflexão em situações informais. (Brazão, 2008, pp. 72-73)

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