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As variações climáticas têm sido apontadas como as principais condicionadoras da ciclicidade de alta frequência em riftes continentais (Olsen, 1986; Scholz & Rosendahl, 1990; Chiossi, 2005; Santos, 2005). As alterações no clima podem produzir oscilações do nível do lago e no aporte clástico, resultado de variações na insolação e na pluviosidade nas áreas fontes. Ao contrário dos pulsos tectônicos, mais percebidos nas hierarquias de 2ª/3ª ordens e que apresentam comportamento mais irregular, os ciclos climáticos apresentam características periódicas, atribuídas às influências de natureza astronômica (orbitais). Esses ciclos foram reconhecidos por Milankovich, (1941 apud Perlmutter & Matthews, 1989), com

duração de 410 ka (excentricidade longa), 126 e 100 ka (excentricidade curta), 54ka e 41ka (obliqüidade), 23ka e 19ka (precessão), e causam mudanças climáticas no planeta, mais ou menos intensas a depender da região climática afetada (Perlmutter & Matthews, 1989). A duração desses ciclos também variou no tempo geológico. No Cretáceo, os ciclos acima citados tiveram menor duração em relação aos observados no Quaternário, em função da progressiva redução da distância Terra- Lua (Berger et al., 1992). Os ciclos orbitais impressos no registro estratigráfico podem ser utilizados na caracterização da ciclicidade de origem climática nos depósitos sedimentares, com os objetivos principais de melhorar a resolução estratigráfica e a correlação entre bacias. A metodologia mais utilizada é a análise de séries (por exemplo, valores de um perfil raio gama) através da transformação do domínio do tempo (estratigrafia) para o domínio da frequência. A Transformada de Fourier, computacionalmente realizada com o algoritmo FFT (Fast Fourier

Transform), disponível em programas de análise estatística, permite o rápido

tratamento do dado e a obtenção dos atributos dos ciclos, caso existam. Análises de ciclicidade em riftes lacustres do Triássico da América do Norte foram realizadas por Olsen (1986) e Hu & Textoris (1994), a partir de perfis de poços e curvas litológicas. No Brasil, estudos foram realizados por Santos (2005), em depósitos flúvio-deltaicos da Bacia do Recôncavo, de idade Buracica (Barremiano?). O autor interpretou como climática a ciclicidade de 3ª e 4ª ordens (excentricidade e obliqüidade, respectivamente) nos sedimentos correspondentes à sucessão de preenchimento final do rifte, quando o tectonismo já era bastante brando.

A maioria dos dados geológicos comumente utilizados na análise de ciclicidade, como os perfis eletro-radioativos de poços, encontra-se no domínio da profundidade, e não do tempo histórico. Para que um empilhamento estratigráfico em profundidade possa ser diretamente associado ao tempo de deposição, é necessário que: a) as taxas de sedimentação sejam constantes, b) não deve existir erosão, c) devem ser evitadas pilhas de natureza autogênica, por exemplo, depósitos muito próximos à foz de rios ou canais meandrantes. Por isso, depósitos distais são mais recomendados para a análise. Como frequentemente o registro sedimentar é composto mais por hiatos do que deposição contínua, essas condições ideais são de rara ocorrência, fazendo com que o resultado de uma análise de ciclicidade deva ser considerado com cautela, sempre complementado com informações adicionais.

A Sequência K34/10, cujos tratos transgressivo e de lago alto se encontram numa condição paleogeográfica distal, sem evidências de erosão e com razoável controle bioestratigráfico, é um intervalo interessante para a investigação da influência climática na ciclicidade de 4ª/5ª ordem. A metodologia seguiu o roteiro de Azambuja Filho & Perlmutter (2005). Foi selecionado o intervalo 1515/1594m do poco N (Figura 7.9), localizado no Depocentro Furado, a área menos sujeita aos eventos erosivos. O intervalo compreende o trato transgressivo e de lago alto, ficando excluído o trato de lago baixo, que apresenta características mais proximais. O intervalo apresenta 79m de espessura, depositado em aproximadamente 1,2 Ma (interpretada a partir da bioestratigrafia de ostracodes), o que fornece uma taxa de acumulação aproximada de 66 m/Ma (ou 128 m/Ma se descompactados). Aos valores de perfil raios gama, amostrados em intervalos de 0,2m, foi aplicada a FFT com a utilização do programa Statistica, resultando no periodograma da série (Figura 7.10), que mostra o espectro de frequência dos ciclos.

Dividindo-se o intervalo de amostragem pela frequência dos ciclos, são obtidos os períodos (espessuras de ciclos, supostamente proporcionais à duração). As relações entre os ciclos são comparadas com as relações temporais (matriz de Milankovich, Tabela 7.3) do Cretáceo Inferior (Berger et al., 1992), associadas (ou não) aos ciclos climáticos. Segundo Azambuja Filho & Perlmutter (2005), deve haver uma similaridade de no mínimo 90% entre as matrizes para que os ciclos climáticos caracterizados sejam considerados confiáveis. No periodograma da Figura 7.10 alguns ciclos ficam evidentes, e os assinalados são os que apresentam forte similaridade com a matriz de Milankovich.

Os ciclos de 26,5m provavelmente são associados às mudanças na excentricidade longa, com duração de 413ka (intervalo de 4ª ordem). Na sequência K34/10, tem equivalência a um conjunto de reservatórios independentes, classificado como “pacote de reservatórios” na estratigrafia de produção (zoneamento). Este assunto será discutido com mais detalhe no próximo item.

Ciclos de 8,8m foram associados à excentricidade curta de 126 ka. Um pico de 7,2m ocorre muito próximo ao de 8,8m (Figura 7.10). Ciclos próximos no espectro de frequência podem ser resultados de variações na taxa de acumulação, e um valor médio pode ser mais apropriado para a obtenção das relações entre ciclos. Neste caso, se for utilizada a média entre os picos de 7,2m e de 8,8m, a similaridade com a relação de Milankovich sobe de 91% para 99%. O intervalo analisado apresenta 10

ciclos, similar às sequências de 4ª ordem caracterizadas neste trabalho. Totalizam um tempo de deposição de 1,26 Ma, próximo à estimativa de tempo da Sequência K34/10 baseada na bioestratigrafia. Dentro da hierarquia de estratigrafia de sequências (Vail et al., 1991), ainda se encontram na 4ª ordem, e na estratigrafia de produção (zoneamento), cada ciclo corresponde a um reservatório individual, hidraulicamente isolado, embora em muitos casos delgado demais para justificar operacionalmente um mapeamento individualizado.

O ciclo de mais alta frequência bem correlacionado com os ciclos de Milankovich é o de 3,3m, ligado à alteração de obliquidade (49 ka) e fisicamente causando intercalações dentro de uma zona reservatório, hierarquizados em 5ª ordem na estratigrafia de sequências. Na estratigrafia de produção equivalem às heterogeneidades internas de um reservatório individual, que podem constituir barreiras de permeabilidade. Nos pelitos (não reservatórios), os ciclos podem ser expressos na maior ou menor presença de matéria orgânica.

Apesar de os ciclos ligados à precessão possam ter grande amplitude (Azambuja & Perlmutter, 2005), não puderam ser aqui caracterizados, devido à limitação da resolução da ferramenta de perfilagem. Apesar das amostras serem de 0,2m, o efeito de média móvel da leitura da ferramenta resulta em suavização das curvas de raios gama, limitando a resolução em torno de 2m. Além disso, nesta escala a superposição com eventos autocíclicos (aleatórios) deve interferir na ciclicidade.

Figura 7.9 – Ciclicidade do intervalo analisado no Poço N. Os triângulos (ciclos de Karagodin) representam os ciclos progradacionais (vermelho) e retrogradacionais (azul). Em preto pontilhado é representado o pulso tectônico responsável pela sequencia de 3ª ordem.

Figura 7.10 – Periodograma da Sequência K34/10, com a identificação dos ciclos. Os círculos mostram o tipo de ciclicidade, a espessura do ciclo e a similaridade com a relação de Milankovich.

Tabela 7.3 – Matriz de Milankovich para o Cretáceo Inferior (compilada de Santos 2005).

7.6 Relação da estratigrafia com zoneamento de produção de