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O ciclo biológico do plasmódio no interior do homem: o visível e o invisível como

No documento UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS (páginas 83-89)

Na atualidade, a nova maneira de pensar o processo saúde-doença-cura precisa

incluir discussões que dialoguem com as pessoas de diferentes condições socioeconômicas,

tendo em vista que as com menores rendas estão associadas a uma pior condição de vida em

termos de saneamento básico e saúde (OLIVEIRA, EGRY, 2000).

Apesar do progresso obtido pela Organização Mundial de Saúde no combate à malária

até final da década de 1970, ela atualmente é um dos mais sérios problemas mundiais de

saúde pública. A malária é causada por protozoários do gênero Plasmódio transmitidos ao

homem por fêmeas de mosquitos do gênero Anopheles infectadas.

A malária causada pelo P. falciparu:tem um período de incubação de 1 a 3 semanas e

pode ocasionar o maior número de morte em doentes, pois é a forma mais grave da doença; A

malária causada pelo P. vivax: é a forma de malária mais frequente no Brasil, tendo um

período de incubação de 1 a 4 semanas (média de 2 semanas). A doença causada pelo P.

ovale: que tem um período de incubação de 9 a 18 dias, ocorre quase exclusivamente na

África; A infecção causada pelo P. malariae tem período de incubação de 2 a 4 semanas e

além dos sintomas gerais, esta forma da doença pode também causar nefrites

33

(FRANÇA et

al, 2008, p. 1273).

O ciclo de vida de todas as espécies de Plasmódio [Figura 22] é complexo.

33Um processo inflamatório que afeta os tecidos e algumas estruturas renais. É provocada por reações do sistema

imunológico, em resposta a algum elemento agressor. Disponível em:<www.abc.med.br/p/sinais-sintomas-e-doenças/299290/n>. Acesso em 14 de mar. de 2017.

Figura 22 – Ciclo biológico da malária no corpo humano

Fonte: https://pbs.twimg.com/media/CjFBhvrWYAURRkh.jpg. Acesso em

02 de set. de 2016.

A infecção em humanos começa quando a fêmea infectada do mosquito vetor injeta

substâncias infectivas denominadas esporozoítos na corrente sanguínea, enquanto se alimenta.

Esses parasitos (esporozoítos) invadem rapidamente as células do fígado (hepatócitos). Este

processo é tão rápido que em torno de 30 min após a infecção, já não há mais esporozoítos na

corrente sanguínea.

Nas céculas hepáticas, nos 14 e16 dias seguintes, os parasitas se diferenciam e sofrem

multiplicação assexuada

34

dando origem a dezenas de milhares de merozoítos que eclodem na

ruptura de cada hepatócito, caindo na circulação sanguínea. Cada merozoíto assim formado,

então, invade um eritrócito (glóbulos vermelhos do sangue que ajudam a transportar o

oxigênio), onde passa por mais uma etapa de multiplicação produzindo de 12 a 16 merozoítos

por esquizonte (glóbulo vermelho contaminado). É na fase de esquizogonia sanguínea que

aparecem os sintomas da malária (FRANÇA et al 2008; BRASIL, 2010, p.9).

Dentro do intestino delgado do mosquito, os gametócitos sofrem rápida divisão

celular, produzindo 8 microgametas flagelados cada um, os quais fertilizarão os

macrogametas formando assim os oocinetos, (macrogametas fecundados). Uma vez injetadas

no hospedeiro, todas as espécies de Plasmodium penetram os hepatócitos. Um mosquito

transfere em sua picada, em torno de 10% de seus esporozoítos para os vasos capilares ou

tecidos perivasculares. A partir daí os esporozoítos têm que iniciar a invasão das defesas do

hospedeiro.

34 Reprodução na qual o indivíduo gera outros indivíduos geneticamente iguais, sem a necessidade de variações

Capítulo IV

O início da caminhada em busca da compreensão do Ciclo Biológico da

Malária no interior do corpo humano

O próprio cientista deve aprender a criticar a ideia de um mundo exterior em si, já que os próprios fatos lhe sugerem abandonar a ideia do corpo como transmissor de mensagens. [...]. Somos convidados a retornar às próprias experiências [...] para defini-las novamente. (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 32).

Tendo em vista que o conhecimento é construído através das interações individuais e

coletivas, no ambiente social e cultural em que o indivíduo está inserido, as concepções

aparecem intrinsecamente vinculadas ao contexto de conhecimento particular de ideias

previamente construídas pelos estudantes. Nesse sentido, quando os alunos recorrem às

representações baseadas em suas concepções alternativas para explicar os fenômenos

relacionados ao ciclo evolutivo do plasmódio no interior do homem e se deparam com o

“invisível”, por conta disso precisa ser devidamente problematizado.

Nessa pesquisa utilizamos como referencial necessário para a identificação da

dificuldade em compreender os conceitos científicos acerca do “ciclo biológico do plasmódio

do interior do homem”, os pressupostos epistemológicos de Merleau-Ponty acerca do

“visível e invisível” e os obstáculos de Gaston Bachelard, já para fragilizar e superar essas

concepções alternativas, empregamos a contribuição pedagógica de Jean-Pierre Astolfi,

conforme abordaremos a seguir.

As ideias de Merleau-Ponty acerca do visível e invisível, direcionaram nossa

interpretação acerca da dificuldade dos alunos em imaginar o fenômeno da penetração do

plasmódio na circulação sanguínea, sua chegada a célula do fígado, a multiplicação desse

protozoário e o seu retorno para a corrente sanguínea e o reinício do processo. As postulações

de Gaston Bachelard nos darão o suporte epistêmico para refletirmos e interpretamos as

dificuldades dos estudantes na assimilação destes conceitos científicos, no entanto, para

proceder na explicação do ciclo aos estudantes, levamos em consideração a adequação da

linguagem e da explicação, ao nível cognitivo dos aprendentes.

Quanto a tratamento das dificuldades, acreditamos que as análises de Jean Pierre

Astolfi acerca das concepções alternativas e a compreensão do erro como ferramenta de

aprendizagem em ciências, possibilitará a verificação dos variados estados que os erros dos

alunos podem ter e como seus efeitos podem reconduzir estudos do fenômeno científico

(ASTOLFI, 2004). Nesta etapa, cabe ao professor epistêmico a escolha de posturas,

abordagens, estratégias didático-pedagógicas que ofereçam melhores resultados do processo

de aprendizagem em ciências.

Na perspectiva de Merleau-Ponty (1999), o mundo é difícil de ser explicado e

abarcado em sua totalidade, por nossas percepções. Para aprender a ver e indagar o mundo, o

aprendiz necessita questionar as imagens e narrativas, buscando as possíveis rotas de

aproximação entre o pensamento, a experiência e a elaboração do conceito científico.

Devido não fazer parte de nosso campo visual, os objetos reais, só nos podem estar

presentes por imagens, e é por isso que eles são apenas “possibilidades permanentes de

sensações. Nesse sentido, buscar a compreensão entre a pele visível e a ideia do ciclo

biológico (fora do campo da percepção visual), prescinde de um movimento cognitivo e

atividade científica empírica e racional.

A atividade científica por sua vez, ao articular-se ao racionalismo aplicado, solicita

raciocinar experimentando e experimentar raciocinando. Cabe ao professor promover um

diálogo constante entre o empirismo e o racionalismo para dar conta da relação entre razão e

experiência, o que requer uma mentalidade abstrato-concreta capaz de sintetizar (BARBOSA,

2003).

A aprendizagem escolar em ciências, a partir dessa perspectiva, é vista como algo que

requer a iniciação do aprendiz por meio de atividades práticas elaboradas que desafiem suas

concepções, encorajando-os a reorganizar suas teorias pessoais para aprender a gerar

significados do mundo natural, tendo em vista a mobilização dos modos de raciocínio e

instrumentos intelectuais de que dispõem, para construírem e reconstruírem o aprendido

(ASTOLFI, 2004; BACHELARD, 1996).

Mediante a construção progressiva de conceitos científicos, as atividades

“experimentais” são de extrema relevância para observação direta e descoberta dos seres e das

coisas através dos sentidos. É nesse movimento do racionalismo aplicado, que o pensamento

será dialetizado e as experiências serão explicadas, através da resolução de alguns problemas

experimentais, com a participação dos alunos por meio da construção de hábitos lógicos de

investigação, comparação e registros escritos.

Tendo em vista que a experimentação é uma das bases do aprendizado científico, é

importante que os estudantes se apropriem de forma abstrato-concreta dos conceitos

científicos, num movimento de superação às concepções prévias que funcionaram como um

sistema de explicação pessoal e alternativa dos fenômenos estudados (ASTOLFI, PERFALVI

e VÉRIN, 1998, p. 119-120).

Neste sentido, com base nas reflexões sobre a formação de conceitos, é importante que

professores e alunos se envolvam com a elaboração de um plano experimental refletido que

associe atividades de visita ao Museu com a elaboração de relatos escritos, desenhos e

fotografias, para endossar as descobertas e diálogos na sala de aula. Convém por isso,

estimular a construção didática de um real empírico, para que o partilhamento de conversas e

o debate de caráter científico proporcione o ver, tocar e vivenciar para desenvolver

curiosidade, questionamento, encorajamento e envolvimento dos alunos com os projetos

(ASTOLFI, PERFALVI e VÉRIN, 1998, p.121).

Para adentrarmos o debate científico sugerido, no dia 08 de novembro de 2016,

apresentamos a proposta de pesquisa aos alunos e esclarecemos que o estudo abordaria o

vínculo entre a História da cidade de Manaus, com breve relato sobre o cotidiano do seringal e

o espaço do Museu do Seringal Vila Paraíso e o estudo das Ciências Naturais. No momento

do diálogo e de apresentação do projeto, aproveitei a ocasião para sondar algumas concepções

trazidas pelos alunos, demonstrada no [Quadro 5]:

Quadro 5 – Conversa sobre o Museu do Seringal Vila Paraíso e sua contextualização histórica

Perguntas

(pesquisadora)

Respostas

(Estudantes)

Vocês sabem o que é um Museu? um lugar que conta nossa história

Vocês acham que é possível estudar ciências fazendo visitas a um Museu?

Os alunos se entreolharam e demonstraram estar indecisos, no entanto, alguns responderam que seria possível

Vocês já visitaram um Museu? Três alunos responderam que já haviam

visitado esse espaço

Vocês conhecem o Museu do Seringa? Todos disseram que não conheciam mas tinham

muito interesse em conhecer Vocês sabiam que a cidade de Manaus, no início do século

XIX, havia enriquecido expressivamente com o comércio da borracha extraída do látex?

A maioria respondeu, já ter ouvido falar, porém, não expuseram outras informações.

Fonte: TRINDADE, 2017

A aula expositiva também contemplou a abordagem sobre as práticas sócio culturais

das etnias cambebas e omáguas na utilização da borracha para confecção de bolas, sapatos,

mantas para aquecimento no frio, com a única finalidade de atender as necessidades de

subsistência do grupo. No entanto, a apropriação dos sabres indígenas como matéria-prima da

indústria da borracha, beneficiou os mercados do Ocidente, tanto quanto provocou a

exploração dos indivíduos e dos recursos naturais, desencadeando uma intensa degradação

ambiental, em nome do progresso capitalista.

Convidei os alunos para refletirem sobre um dia de trabalho no seringal, que iniciava

na madrugada e era concluído no final do dia, com a defumação da borracha. Ressaltei que,

para executar esse processo, o seringueiro necessitava fazer seu trabalho nas proximidades de

rios ou lagos, tornando-os suscetíveis à malária, conhecida como impaludismo. Os olhares

dos alunos estavam atentos, então, aproveitei a ocasião para lançar alguns questionamentos,

conforme consta no [Quadro 6]:

Quadro 6 – Concepções dos alunos sobre o tratamento dado aos seringueiros doentes

Perguntas

(pesquisadora)

Respostas

(Estudantes) Nas concepções de vocês, qual o tratamento dado aos

seringueiros doentes que apresentavam a febre alta e tremedeira?

Eles tomavam

remédio.

Fonte: TRINDADE, 2017

No decorrer do diálogo, informei aos alunos que na metade do século XIX, o

tratamento para a malária ainda estava sendo desenvolvido por pesquisadores e não havia

tratamento e distribuição de remédio para os seringueiros. Alguns dos que eram trazidos para

Manaus para recebem cuidados médicos tinham que pagar todas as despesas ao retornar para

o seringal.

Esse momento de conversa inicial aguçou a curiosidade dos alunos para o momento da

visita ao Museu, anunciada na aula posterior, mediante a convocação para a reunião de pais e

descrição do roteiro didático aos estudantes e seus responsáveis.

A partir do acordo didático estabelecido com a direção da escola, eu utilizei alguns

tempos de aula do professor de ciências, para desenvolver atividades que aferissem as

concepções iniciais destes aprendentes, acerca do ciclo biológico do plasmódio no interior do

corpo humano.

A escolha dos respectivos procedimentos de desenho, modelagem com massinha

colorida, aula-passeio e produção de texto, referenciou-se na proposta dos PCN’s de Ciências

Naturais (1998), quando diz quea proposição para a solução de problemas é bastante variada

e abrange a observação, a elaboração de hipóteses e suposições, o debate oral sobre as

hipóteses, o estabelecimento de relações entre fatos ou fenômenos e ideias, a leitura e a escrita

de textos informativos, a organização de informações por meio de desenhos dentre outros que

proporcionarão o confronto entre suposições e entre elas e os dados obtidos por investigação.

A seguir, explanaremos a descrição e análise da pesquisa que realizamos com os

alunos de uma turma de 7º Ano da Escola Municipal situada numa área endêmica

35

de

malária, na zona leste de Manaus.

No documento UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS (páginas 83-89)