Na atualidade, a nova maneira de pensar o processo saúde-doença-cura precisa
incluir discussões que dialoguem com as pessoas de diferentes condições socioeconômicas,
tendo em vista que as com menores rendas estão associadas a uma pior condição de vida em
termos de saneamento básico e saúde (OLIVEIRA, EGRY, 2000).
Apesar do progresso obtido pela Organização Mundial de Saúde no combate à malária
até final da década de 1970, ela atualmente é um dos mais sérios problemas mundiais de
saúde pública. A malária é causada por protozoários do gênero Plasmódio transmitidos ao
homem por fêmeas de mosquitos do gênero Anopheles infectadas.
A malária causada pelo P. falciparu:tem um período de incubação de 1 a 3 semanas e
pode ocasionar o maior número de morte em doentes, pois é a forma mais grave da doença; A
malária causada pelo P. vivax: é a forma de malária mais frequente no Brasil, tendo um
período de incubação de 1 a 4 semanas (média de 2 semanas). A doença causada pelo P.
ovale: que tem um período de incubação de 9 a 18 dias, ocorre quase exclusivamente na
África; A infecção causada pelo P. malariae tem período de incubação de 2 a 4 semanas e
além dos sintomas gerais, esta forma da doença pode também causar nefrites
33(FRANÇA et
al, 2008, p. 1273).
O ciclo de vida de todas as espécies de Plasmódio [Figura 22] é complexo.
33Um processo inflamatório que afeta os tecidos e algumas estruturas renais. É provocada por reações do sistema
imunológico, em resposta a algum elemento agressor. Disponível em:<www.abc.med.br/p/sinais-sintomas-e-doenças/299290/n>. Acesso em 14 de mar. de 2017.
Figura 22 – Ciclo biológico da malária no corpo humano
Fonte: https://pbs.twimg.com/media/CjFBhvrWYAURRkh.jpg. Acesso em
02 de set. de 2016.
A infecção em humanos começa quando a fêmea infectada do mosquito vetor injeta
substâncias infectivas denominadas esporozoítos na corrente sanguínea, enquanto se alimenta.
Esses parasitos (esporozoítos) invadem rapidamente as células do fígado (hepatócitos). Este
processo é tão rápido que em torno de 30 min após a infecção, já não há mais esporozoítos na
corrente sanguínea.
Nas céculas hepáticas, nos 14 e16 dias seguintes, os parasitas se diferenciam e sofrem
multiplicação assexuada
34dando origem a dezenas de milhares de merozoítos que eclodem na
ruptura de cada hepatócito, caindo na circulação sanguínea. Cada merozoíto assim formado,
então, invade um eritrócito (glóbulos vermelhos do sangue que ajudam a transportar o
oxigênio), onde passa por mais uma etapa de multiplicação produzindo de 12 a 16 merozoítos
por esquizonte (glóbulo vermelho contaminado). É na fase de esquizogonia sanguínea que
aparecem os sintomas da malária (FRANÇA et al 2008; BRASIL, 2010, p.9).
Dentro do intestino delgado do mosquito, os gametócitos sofrem rápida divisão
celular, produzindo 8 microgametas flagelados cada um, os quais fertilizarão os
macrogametas formando assim os oocinetos, (macrogametas fecundados). Uma vez injetadas
no hospedeiro, todas as espécies de Plasmodium penetram os hepatócitos. Um mosquito
transfere em sua picada, em torno de 10% de seus esporozoítos para os vasos capilares ou
tecidos perivasculares. A partir daí os esporozoítos têm que iniciar a invasão das defesas do
hospedeiro.
34 Reprodução na qual o indivíduo gera outros indivíduos geneticamente iguais, sem a necessidade de variações
Capítulo IV
O início da caminhada em busca da compreensão do Ciclo Biológico da
Malária no interior do corpo humano
O próprio cientista deve aprender a criticar a ideia de um mundo exterior em si, já que os próprios fatos lhe sugerem abandonar a ideia do corpo como transmissor de mensagens. [...]. Somos convidados a retornar às próprias experiências [...] para defini-las novamente. (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 32).
Tendo em vista que o conhecimento é construído através das interações individuais e
coletivas, no ambiente social e cultural em que o indivíduo está inserido, as concepções
aparecem intrinsecamente vinculadas ao contexto de conhecimento particular de ideias
previamente construídas pelos estudantes. Nesse sentido, quando os alunos recorrem às
representações baseadas em suas concepções alternativas para explicar os fenômenos
relacionados ao ciclo evolutivo do plasmódio no interior do homem e se deparam com o
“invisível”, por conta disso precisa ser devidamente problematizado.
Nessa pesquisa utilizamos como referencial necessário para a identificação da
dificuldade em compreender os conceitos científicos acerca do “ciclo biológico do plasmódio
do interior do homem”, os pressupostos epistemológicos de Merleau-Ponty acerca do
“visível e invisível” e os obstáculos de Gaston Bachelard, já para fragilizar e superar essas
concepções alternativas, empregamos a contribuição pedagógica de Jean-Pierre Astolfi,
conforme abordaremos a seguir.
As ideias de Merleau-Ponty acerca do visível e invisível, direcionaram nossa
interpretação acerca da dificuldade dos alunos em imaginar o fenômeno da penetração do
plasmódio na circulação sanguínea, sua chegada a célula do fígado, a multiplicação desse
protozoário e o seu retorno para a corrente sanguínea e o reinício do processo. As postulações
de Gaston Bachelard nos darão o suporte epistêmico para refletirmos e interpretamos as
dificuldades dos estudantes na assimilação destes conceitos científicos, no entanto, para
proceder na explicação do ciclo aos estudantes, levamos em consideração a adequação da
linguagem e da explicação, ao nível cognitivo dos aprendentes.
Quanto a tratamento das dificuldades, acreditamos que as análises de Jean Pierre
Astolfi acerca das concepções alternativas e a compreensão do erro como ferramenta de
aprendizagem em ciências, possibilitará a verificação dos variados estados que os erros dos
alunos podem ter e como seus efeitos podem reconduzir estudos do fenômeno científico
(ASTOLFI, 2004). Nesta etapa, cabe ao professor epistêmico a escolha de posturas,
abordagens, estratégias didático-pedagógicas que ofereçam melhores resultados do processo
de aprendizagem em ciências.
Na perspectiva de Merleau-Ponty (1999), o mundo é difícil de ser explicado e
abarcado em sua totalidade, por nossas percepções. Para aprender a ver e indagar o mundo, o
aprendiz necessita questionar as imagens e narrativas, buscando as possíveis rotas de
aproximação entre o pensamento, a experiência e a elaboração do conceito científico.
Devido não fazer parte de nosso campo visual, os objetos reais, só nos podem estar
presentes por imagens, e é por isso que eles são apenas “possibilidades permanentes de
sensações. Nesse sentido, buscar a compreensão entre a pele visível e a ideia do ciclo
biológico (fora do campo da percepção visual), prescinde de um movimento cognitivo e
atividade científica empírica e racional.
A atividade científica por sua vez, ao articular-se ao racionalismo aplicado, solicita
raciocinar experimentando e experimentar raciocinando. Cabe ao professor promover um
diálogo constante entre o empirismo e o racionalismo para dar conta da relação entre razão e
experiência, o que requer uma mentalidade abstrato-concreta capaz de sintetizar (BARBOSA,
2003).
A aprendizagem escolar em ciências, a partir dessa perspectiva, é vista como algo que
requer a iniciação do aprendiz por meio de atividades práticas elaboradas que desafiem suas
concepções, encorajando-os a reorganizar suas teorias pessoais para aprender a gerar
significados do mundo natural, tendo em vista a mobilização dos modos de raciocínio e
instrumentos intelectuais de que dispõem, para construírem e reconstruírem o aprendido
(ASTOLFI, 2004; BACHELARD, 1996).
Mediante a construção progressiva de conceitos científicos, as atividades
“experimentais” são de extrema relevância para observação direta e descoberta dos seres e das
coisas através dos sentidos. É nesse movimento do racionalismo aplicado, que o pensamento
será dialetizado e as experiências serão explicadas, através da resolução de alguns problemas
experimentais, com a participação dos alunos por meio da construção de hábitos lógicos de
investigação, comparação e registros escritos.
Tendo em vista que a experimentação é uma das bases do aprendizado científico, é
importante que os estudantes se apropriem de forma abstrato-concreta dos conceitos
científicos, num movimento de superação às concepções prévias que funcionaram como um
sistema de explicação pessoal e alternativa dos fenômenos estudados (ASTOLFI, PERFALVI
e VÉRIN, 1998, p. 119-120).
Neste sentido, com base nas reflexões sobre a formação de conceitos, é importante que
professores e alunos se envolvam com a elaboração de um plano experimental refletido que
associe atividades de visita ao Museu com a elaboração de relatos escritos, desenhos e
fotografias, para endossar as descobertas e diálogos na sala de aula. Convém por isso,
estimular a construção didática de um real empírico, para que o partilhamento de conversas e
o debate de caráter científico proporcione o ver, tocar e vivenciar para desenvolver
curiosidade, questionamento, encorajamento e envolvimento dos alunos com os projetos
(ASTOLFI, PERFALVI e VÉRIN, 1998, p.121).
Para adentrarmos o debate científico sugerido, no dia 08 de novembro de 2016,
apresentamos a proposta de pesquisa aos alunos e esclarecemos que o estudo abordaria o
vínculo entre a História da cidade de Manaus, com breve relato sobre o cotidiano do seringal e
o espaço do Museu do Seringal Vila Paraíso e o estudo das Ciências Naturais. No momento
do diálogo e de apresentação do projeto, aproveitei a ocasião para sondar algumas concepções
trazidas pelos alunos, demonstrada no [Quadro 5]:
Quadro 5 – Conversa sobre o Museu do Seringal Vila Paraíso e sua contextualização histórica
Perguntas
(pesquisadora)
Respostas
(Estudantes)
Vocês sabem o que é um Museu? um lugar que conta nossa história
Vocês acham que é possível estudar ciências fazendo visitas a um Museu?
Os alunos se entreolharam e demonstraram estar indecisos, no entanto, alguns responderam que seria possível
Vocês já visitaram um Museu? Três alunos responderam que já haviam
visitado esse espaço
Vocês conhecem o Museu do Seringa? Todos disseram que não conheciam mas tinham
muito interesse em conhecer Vocês sabiam que a cidade de Manaus, no início do século
XIX, havia enriquecido expressivamente com o comércio da borracha extraída do látex?
A maioria respondeu, já ter ouvido falar, porém, não expuseram outras informações.
Fonte: TRINDADE, 2017
A aula expositiva também contemplou a abordagem sobre as práticas sócio culturais
das etnias cambebas e omáguas na utilização da borracha para confecção de bolas, sapatos,
mantas para aquecimento no frio, com a única finalidade de atender as necessidades de
subsistência do grupo. No entanto, a apropriação dos sabres indígenas como matéria-prima da
indústria da borracha, beneficiou os mercados do Ocidente, tanto quanto provocou a
exploração dos indivíduos e dos recursos naturais, desencadeando uma intensa degradação
ambiental, em nome do progresso capitalista.
Convidei os alunos para refletirem sobre um dia de trabalho no seringal, que iniciava
na madrugada e era concluído no final do dia, com a defumação da borracha. Ressaltei que,
para executar esse processo, o seringueiro necessitava fazer seu trabalho nas proximidades de
rios ou lagos, tornando-os suscetíveis à malária, conhecida como impaludismo. Os olhares
dos alunos estavam atentos, então, aproveitei a ocasião para lançar alguns questionamentos,
conforme consta no [Quadro 6]:
Quadro 6 – Concepções dos alunos sobre o tratamento dado aos seringueiros doentes
Perguntas
(pesquisadora)
Respostas
(Estudantes) Nas concepções de vocês, qual o tratamento dado aos
seringueiros doentes que apresentavam a febre alta e tremedeira?
Eles tomavam
remédio.
Fonte: TRINDADE, 2017