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DESENVOLVIMENTO E APLICAÇÃO DE UM SISTEMA CELULAR REPÓRTER PARA HERPES SIMPLEX VIRUS

I.1 HERPESVÍRUS

I.1.4 Ciclo viral Replicação

com cerca de outras 19 proteínas, é conhecida como VP16, α – TIF (α –

trans-inducing factor) ou Vmw 65 e tem potencial de transativação de genes α. A VP16 será discutida com maiores detalhes no item a seguir (SANTOS et al., 2008).

I.1.4 Ciclo viral - Replicação

Os vírus HSV são transmitidos por contato direto de indivíduo para indivíduo e infectam células como fibroblastos, células do tecido escamoso e mucoso, células polarizadas do epitélio cilíndrico, células gliais e terminações nervosas (ROIZMAN, BERNARD; KNIPE; WHITLEY, 2007; SANTOS et al., 2008).

A entrada das partículas virais nas células pode ocorrer por dois mecanismos, endocitose ou fusão com a membrana celular. Para fusão com as células, as partículas virais precisam primeiramente adsorver na superfície celular do hospedeiro. A adsorção ocorre por influência mútua entre glicoproteínas virais e as glicosaminoglicanas celulares como o sulfato de heparana, sulfato de condroitina e sulfato de dermatana. As glicoproteínas do envelope viral gC e gB interagem com receptores de sulfato de heparana, logo a proteína gD forma uma ligação estável com os receptores HVEM (Herpes Virus Entry Mediator), nectinas e sulfato de heparana 3 - O - sulfatado ocorrendo uma alteração conformacional de gD, que possibilita a interação dos heterodímeros gH/gL resultando na penetração viral por fusão com a membrana celular (Figura I. 2/1) (ROIZMAN, B.; WHITLEY, 2013; SANTOS et al., 2008).

A fusão do envelope viral tem como consequência a liberação do capsídeo, que se dirige para o poro nuclear onde o DNA viral é internalizado no núcleo e sofre circularização. A proteína de tegumento VP16 se encaminha da mesma forma para o núcleo, levando a expressão de genes responsáveis pela produção das proteínas α, as primeiras proteínas a serem sintetizadas no ciclo lítico em um processo organizado em três fases. A expressão das proteínas α independe da síntese de novo, sendo produzidas a partir da ativação de genes denominados Immediate

early (IE) ou imediatos. Por meio da regulação exercida pelas proteínas

α são produzidas as proteínas β, da segunda fase, via ativação de genes

Early (E) ou precoces. Na última fase do ciclo são traduzidas proteínas

responsáveis pela estruturação das novas partículas virais em consequência da ativação dos genes Late (L) ou tardios (Figura I. 2/2, 3

e 4) (FERREIRA, 2010; ROIZMAN, B.; WHITLEY, 2013; WHITLEY; KIMBERLIN; ROIZMAN, 1998).

Os genes IE codificam mRNA para cinco proteínas α transativadoras reguladoras da transcrição viral. Os genes E codificam um conjunto de proteínas composto majoritariamente de proteínas não estruturais reguladoras, que agem no metabolismo do DNA viral e por algumas proteínas estruturais menores. Os genes L, por fim, geram proteínas estruturais que irão constituir as novas partículas virais (CANN, 2005).

Figura I. 2: Ilustração esquemática da replicação viral dos HSV.

Fonte: A autora baseada em ROIZMAN; KNIPE; WHITLEY, 2007.

Assim, a ativação da transcrição dos genes IE é um fator determinante para o desenvolvimento do ciclo viral lítico e a proteína de tegumento VP16 é fundamental na indução dos eventos da replicação

viral subsequentes. A deleção de vários domínios de ativação na proteína VP16 mostrou que mutações específicas diminuem consideravelmente a eficiência de infecção do HSV-1 em modelo murino, o que fortalece a importância da participação da proteína VP16 na replicação viral (TAL-SINGER et al., 1999).

A VP16 é incorporada ao tegumento no final do ciclo de replicação, durante a montagem das novas partículas virais. Quando liberada nas células do hospedeiro a VP16 forma com fatores celulares um complexo denominado “complexo induzido por VP16” (VIC). O VIC regula a indução dos genes IE, responsáveis pelo primeiro passo do desenvolvimento do ciclo lítico como já descrito. A formação do complexo se dá com dois fatores celulares HCF-1 (Host Cell Factor) e Oct-1 (octamer binding protein-1). O HCF-1 é um fator abundante em células humanas, ligado à cromatina celular e que atua em vias da proliferação, da progressão do ciclo e da diferenciação celular (DELEHOUZEE et al., 2005; WYSOCKA; HERR, 2003). O fator Oct- 1 é um fator de transcrição bastante versátil, possuindo diferentes papéis na regulação da transcrição celular por sua capacidade de ligação ao DNA e sua habilidade de associação com coreguladores. Primeiramente a VP16 liga-se ao HCF-1, depois ao Oct-1 e à região regulatória do genoma viral proporcionando a ativação transcricional dos genes IE por conter na região C-terminal um potente domínio de ativação. Essas proteínas celulares tem a função de auxiliar na estabilização da VP16 para o reconhecimento do sítio TAATGARAT do genoma viral, presente em todas as regiões promotoras nas quais o VIC atua (WHITLEY et al., 1998; WILSON; MOHR, 2012; WYSOCKA; HERR, 2003).

Após este procedimento sequencial de transcrição e expressão proteica finamente regulado e efetuado pela RNA polimerase II, ocorre a montagem e liberação das novas partículas virais das células (Figura I. 2/5 e 6). A saída das partículas do citoplasma não é bem compreendida, mas são discutidos alguns modelos explicativos. Um dos modelos sugere que os nucleocapsídeos recebem um envoltório primário na membrana nuclear interna e perdem o envelope na membrana externa. A partir deste processo recebem um envoltório em membranas citoplasmáticas e são transportados por vesículas para a liberação no espaço extracelular. Um segundo modelo afirma que o nucleocapsídeo é envolto na membrana nuclear interna, forma uma vesícula com a membrana nuclear externa e é carreado para a membrana plasmática de onde é liberado. Um terceiro modelo sugere ainda que o nucleocapsídeo sai dos núcleos através dos seus poros, ganha um envoltório por

geminação em vesículas citoplasmáticas e é transportado para a membrana para liberação (ROIZMAN, BERNARD et al., 2007).

Todo esse complexo processo de replicação, que acontece desde a adsorção dos vírus nas células até a sua liberação, ocorre em um período de tempo relativamente curto, em torno de 18 horas após infecção das células em um ciclo lítico (WHITLEY et al., 1998).

- Latência

Ao entrar no ciclo lítico, os vírus comprometem a estrutura celular levando as células à morte, porém ao estabelecer latência os vírus podem residir silenciosamente no organismo do hospedeiro por longos períodos. A escolha de ingresso em um ciclo lítico ou o estabelecimento da latência é realizada por um conjunto de interações entre o vírus e as células, nas quais também estão envolvidos a proteína viral VP16 e os fatores celulares Oct-1 e HCF-1. A escolha das duas contrastantes estratégias de infecção acarretam diferentes programas de expressão com objetivos opostos (WILSON; MOHR, 2012; WYSOCKA; HERR, 2003). As vias, no entanto, podem atuar concomitantemente em um mesmo hospedeiro, pois o vírus pode permanecer latente em algumas células e proliferando ativamente em outras, até mesmo na ausência de sintomatologia (SANTOS et al., 2008).

O estabelecimento da latência ocorre logo após a infecção primária nos gânglios sensoriais do hospedeiro. Os HSV possuem tropismo por queratinócitos e neurônios, sendo os queratinócitos células permissivas e os neurônios pouco permissivos à replicação viral. Favorecido pela baixa permissividade dos neurônios, estas células são os sítios escolhidos pelos HSV para a firmação de latência. Os gânglios sacrais e trigeminais são os principais locais de latência, mas outros gânglios paravertebrais podem servir de epicentro (Figura I. 3) (KRISTIE; LIANG; VOGEL, 2010; LUPI et al., 2010).

Figura I. 3: Ilustração esquemática do estabelecimento da latência e reativação dos HSV nas células do sistema nervoso.

Fonte: A autora baseada em ROIZMAN; KNIPE; WHITLEY, 2006.

A latência consiste na permanência do vírus em um estado não replicativo nas células, com presença de genoma viral e ausência de infecção produtiva. Durante esse período, apenas uma parte do genoma permanece sendo transcrito sob o comando do promotor do LAT (Latency Associated Transcripts). A fração codificante do LAT fica nas regiões invertidas TRL e IRL do genoma viral e sua ação durante a latência não é muito bem compreendida, parecendo estar mais interligada à reativação viral e ação antiapoptótica nos neurônios do que à latência. Possivelmente, a latência pode resultar de uma regulação negativa da expressão dos genes IE com envolvimento do LAT e de miRNAs supressores (CLEMENTS; BROWN, 1997; EGAN et al., 2013; LUPI et al., 2010; NICOLL; PROENCA; EFSTATHIOU, 2012). Existem algumas hipóteses sobre o porquê os vírus estabelecem latência nas células nervosas. A latência nos neurônios poderia estar associada ao fato do HCF-1 se acumular no citoplasma celular e ser transportado para o núcleo apenas em situações de estresse (KOLB;

KRISTIE, 2008). Poderia estar ligada também ao transporte do capsídeo para o núcleo sem a proteína VP16, pois assim a indução dos genes IE não ocorreria e consequentemente não haveria produção das proteínas β e γ para prosseguir a infecção lítica. O silenciamento do genoma neste caso aconteceria em alguns dias exceto para o LAT e alguns miRNAs (ROIZMAN, B.; WHITLEY, 2013).

Para a reativação dos vírus, obviamente seria necessária a existência de algum gatilho que induzisse a expressão dos genes α, visto que na hipótese apresentada as proteínas desencadeadoras do processo (VP16 e HCF-1) não estariam disponíveis nos neurônios. Nesse caso, algumas proteínas celulares poderiam efetuar a etapa inicial da expressão gênica. Em estudos in vitro a proteína NGF (Nerve Growth

Factor), por exemplo, quando bloqueada, influencia a expressão dos

genes do processo replicativo dos HSV e também as concentrações do LAT e dos miRNAs. Na ausência de NGF, que acontece em situações como lesões em nervos, os genes virais passam a ser expressos de forma caótica, sem a expressão sequencial particular da replicação viral dos HSV, havendo depleção nas quantidades do LAT e dos miRNAs (ROIZMAN, B.; WHITLEY, 2013). Essa associação com NGF poderia ser explicada pela presença de uma proteína correlata à Oct-1 nos neurônios, a Oct-2 (Octamer binding protein-2). A Oct-2 tem atividade inibitória da transcrição dos genes IE, impedindo a reativação viral. Os neurônios nos quais predominam a presença de Oct-2 têm como característica a dependência do fator de crescimento neural (NGF). A redução do NGF leva a um predomínio da proteína Oct-1 em relação à Oct-2, nos neurônios dependentes, o que poderia atuar como uma via alternativa de regulação e de desencadeamento da reativação dos HSV (LUPI et al., 2010).

A reativação dos vírus latentes, em termos não moleculares, pode acontecer por estresse físico ou emocional, febre, danos teciduais, imunodepressão ou exposição aos raios ultravioletas. A exposição aos raios ultravioletas reduz a resposta linfocitária à quimiotaxia, afeta o número e a função de células dendríticas e, por isso, favorece a reativação. A interrupção da latência gera a recorrência da replicação viral com o aparecimento das lesões líticas ou apresentações clínicas atípicas (KRISTIE et al., 2010; LUPI et al., 2010; PATEL et al., 2011; WHITLEY et al., 1998).

I.1.5 Infecção

As infecções causadas pelos herpesvírus têm por característica serem infecções pandêmicas e crônicas. Os HSV afetam populações de

regiões urbanas até as regiões mais remotas em todo o mundo, sendo os humanos seus únicos reservatórios (GUPTA; WARREN; WALD, 2007; LUPI et al., 2010). A primoinfecção sintomática acontece em cerca de 10 a 30% dos casos e normalmente é benigna, ocorrendo quadros de febre, mialgia, cefaléia e o aparecimento das lesões características da herpes como máculas eritematosas evoluindo para vesículas agrupadas no sítio anatômico da inoculação (face ou região genital). A primoinfecção maligna acontece em pacientes imunodeprimidos, nos quais as manifestações são mais graves e duradouras, podendo surgir sintomatologia sistêmica (LUPI et al., 2010; PATEL et al., 2011; WHO, 2013).

A infecção primária pelo HSV-1 ocorre normalmente na infância ou adolescência e a transmissão se dá pelo contato e pela saliva. A transmissão não é efetuada somente em casos de lesões visíveis com derramamento viral, mas também quando há derramamento viral em infecções subclínicas. As lesões causadas pelo HSV-1 se formam tipicamente na face, mais especificamente em torno dos lábios (PATEL et al., 2011).

A primoinfecção pelo HSV-2 acontece majoritariamente a partir do início da vida sexual, sendo esta a doença sexualmente transmissível mais comum e a principal causa mundial de úlceras genitais obtidas sexualmente (GUPTA et al., 2007; LUPI et al., 2010). A infecção pelo HSV-2 gera lesões vesiculares ou necrotizantes na região genital como do cervix, vagina, vulva e região peniana (HERTZ et al., 2010; MOHAN, 2010). O herpes genital pode também ser causado pelo HSV- 1, porém a taxa de recorrência é comumente menor nessas situações, quando comparada com as infecções causadas pelo HSV-2. Da mesma forma, o HSV-2 pode causar herpes labial, com reativação menos frequente do que quando causada pelo HSV-1 (LUPI et al., 2010; PATEL et al., 2011).

Próximo de 70 a 90% das pessoas com infecção sintomática pelo HSV-2 e de 20 a 50% dos indivíduos com infecção sintomática pelo HSV-1 apresentará recorrência ainda no primeiro ano pós-infecção, sendo essa recorrência relativamente frequente, em especial nos imunodeprimidos (WHO, 2013).

Em países economicamente desenvolvidos 20% dos adolescentes já foram infectados com o HSV-1 e de 60 a 80% dos adultos até 50 anos já entraram em contato com o vírus. Em países em desenvolvimento, no entanto, 50% dos indivíduos que atingiram a maioridade e 90 a 100% dos indivíduos de meia idade já foram infectados com o HSV-1. Conforme um estudo do CDC (Centers for Disease Control and

Prevention), com norte-americanos de 14 a 49 anos, a soroprevalência

para HSV-2 foi de 16,2 %. Dos pacientes com soroprevalência positiva 81,1% nunca haviam recebido diagnóstico de infecção. Entretanto, essas porcentagens podem ser muito mais altas, chegando de 60 a 90% para o HSV-2 em pacientes HIV/Aids (CDC, 2010; ROIZMAN, B.; WHITLEY, 2013; WHO, 2013).