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2. CULTURA POLÍTICA, SOCIALIZAÇÃO POLÍTICA E DEMOCRACIA

2.5. Cidadãos Críticos

Desde Aristóteles, perpassando a tradição clássica dos estudos sobre política, houve intenção em definir o significado da palavra cidadania de forma normativa. Denters et all (2007) argumenta que este debate passa a se tornar relevante na medida em que a democracia representativa passa a ser estabelecida no século XX, seus cidadãos começam a questionar o seu real envolvimento e capacidade de influenciar nas ações políticas do governo. A partir disso os autores indicam as principais definições que passaram a ser utilizadas para identificar e classificar os cidadãos: um modelo Elitista-tradicional (obediência a lei; normas básicas); não-liberal (deliberação, norma nuclear); comunitário (solidariedade; norma básica). Assim, a forma pelo qual os próprios cidadãos se percebem, a partir de características esperadas por eles para se constituírem como tal, traz um parâmetro relevante para compreender o pluralismo de ideias, ou até mesmo a fragmentação cultural de um país.

19 Para ver de que forma tais conceitos foram operacionalizados no questionário utilizado para desenvolver

80 Principalmente considerando que as democracias latino americanas têm apresentado contextos socioeconômicos que podem estar impedindo os jovens de estruturarem suas bases de apoio democráticos. Sobre esses aspectos, Dalton (2015) indica que houve transformações sociais importantes desde a década de 1960 na sociedade americana como maior escolarização, padrões de vida mais elevados, trabalhos intelectuais, renovação de geração, mudanças no papel dos gêneros e garantia de direitos civis (oferecendo mais diversidade social).

Tal contexto socioeconômico e social proporcionou percepções diferentes e adaptadas sobre o conceito de cidadania. Dalton (2015) debate sobre a dicotomia implícita a dois conceitos da cidadania. O primeiro, a cidadania democrática tradicional defende que o indivíduo possui direitos e responsabilidades, com respeito as autoridades, regras e leis, em que o dever pode promover o voto e a participação organizada em instituições políticas. Já a cidadania engajada parte do atrito entre os direitos e as responsabilidades sociais do indivíduo do modelo anterior, pois requer a ele preocupações sociais e o envolvimento em atividades que não lhe são diretamente benéficas. O autor argumenta que esse modelo de cidadania engajada segue padrões de valores pós-materiais ou de auto-expressão compreendidos na teoria sobre a modernização em Inglehart (2009).

Os valores pós-materiais são encontrados em sociedades pós-industriais, pelas quais o desenvolvimento econômico e social gerou mudanças culturais que tornaram a democracia mais provável. Essas mudanças de valores incluem o desenvolvimento humano, dos quais os indivíduos desvinculam-se de valores materiais (valores de sobrevivência material e individualizada, com fins de segurança econômica e física) para incorporar valores de auto-expressão (com demandas populares por liberdades civis e políticas, igualdade de gênero). Assim, a modernização socioeconômica permite o desenvolvimento de capacidades para que as pessoas busquem escolhas autônomas para suas vidas. Desenvolve-se a autonomia humana, em que os valores de auto-expressão propagam-se por todos domínios da vida gerando “novas formas de normas sexuais, papéis de gênero, valores familiares, religiosidade, motivações para o trabalho, relação das pessoas com a natureza e o meio ambiente, e suas atividades comunitárias e participação política” (INGLEHART, 2009, p.20). Tais valores não se caracterizam por serem egocêntricos, mas por serem humanísticos e estão fortemente associados a uma democracia cujas instituições valorizam a livre escolha, o que aumenta o poder das pessoas.

81 Assim na medida em que as democracias passam a experimentar a estabilidade econômica, os seus cidadãos tendem a desenvolver uma cidadania mais coerente com a cidadania engajada. Esses cidadãos pós-materiais enfatizam normas participativas, tendência de modificar as elites, mais interesse em questões sociais e não econômicas e responsabilidade com outros na sociedade. Assim, Dalton (2015) argumenta que as mudanças políticas trazem tais transformações na vida pública:

- Padrões de Participação: menos associação ao voto e mais identificação com protestos e ações diretas.

- Tolerância Política: aceitação de grupos que possuem diferentes pontos de vista. - Políticas sociais: maior apoio aos programas sociais.

- Confiança no governo: diminuição da confiança em políticos e governo. - Ideais democráticos: pressão sobre a democracia em prol de seus ideais.

O autor vai de encontro a defesa de alguns dos principais cientistas políticos, estes preocupados que as erosões de padrões sociais típicos dos norte-americanos podem vir a causar a derrocada das democracias. Putnam (2000) conclui que o declínio da participação eleitoral é um dos mais visíveis sinais do desengajamento da vida comunitária, historicamente verificada na democracia norte-americana desde Alexis de Tocqueville. Entretanto, as mudanças nas formas de participação estão análogas às mudanças contemporâneas do envolvimento com as mídias (DALTON, 2015). Assim, o declínio da cidadania tradicional, entendida a partir do cumprimento de normas, apenas contribui para a erosão da participação eleitoral e a cidadania pelo engajamento possui ambivalência entre participar das eleições e prefere mais formas diretas de ação política. Dalton (2015) compara, então, dois grupos de gerações (2004 e 2014), buscando compreender como essas novas normas de cidadania estão mudando e o efeito dessas mudanças. O autor indica que as gerações mais recentes, em 2014, poderiam ter mudado as normas reconhecidas do que define sua cidadania. Todavia, a crise econômica pode ter controlado tal mudança, o que fez com que as normas tivessem apenas uma mudança marginal na década avaliada pelo autor, ou melhor, estão acontecendo entre aqueles que são jovens, com nível educacional alto e habilidades cognitivas altas. A geração atual consome muito mais informações sobre política, sociedade ou outros tópicos, estas geradas por uma diversidade de mídias, assistindo menos televisão, mas com mais alternativas de perspectivas políticas.

82 Nesse sentido, as mudanças ocorridas na sociedade podem indicar o surgimento de uma nova categoria, a de cidadãos críticos. Esses são entendidos aqui por possuírem características similares as defendidas por Dalton (2015) que ressignifiquem os principais componentes da cidadania. Pelos quais desenvolvem concepções de engajamento social e político, mas desvinculadas das instituições políticas, o que pode ocorrer por meio de envolvimento com as redes sociais. Buscam modificar as elites, a partir de engajamentos e protestos que podem ser vinculados a manifestações, protestos e ocupações junto a transformações no status quo. Por fim, manifestam maior interesse em questões sociais e não econômicas, prevalecendo concepções humanitárias e com responsabilidade para com outros na sociedade.

De certa forma, os cidadãos críticos podem não se envolver nas concepções tradicionais de participação política, mas estão atentos as questões sociais em suas sociedades e dispostos a realizar críticas que culminem em engajamentos informais. O que pode ocorrer no contexto do uso das redes sociais e extrapolarem seus limites na medida em que sintam a necessidade de fazê-lo. Entende-se aqui que tais concepções não descreditam a concepção de orientações participativas e cívicas, mas pode indicar novos envolvimentos dos cidadãos com a política. Resta saber agora definições mais claras para essas orientações sobrepostas aos valores pós-materiais e valores de auto-expressão. Principalmente no caso brasileiro, em que há grande variabilidade de contextos socioeconômicos e disparidades de oportunidade para o alcance material necessário a sobrevivência.

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