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Neste capítulo serão discutidos os resultados obtidos pela seleção das Unidades de Contexto Elementar (U.C.E) que mais representam cada eixo temático. Verifica-se que a análise quantitativa de dados textuais forneceu elementos que legitimam a prática ilegal. As representações da moradia, da questão fundiária e do “verde” expressam desejos e insatisfações, que objetivam e ancoram as ações da classe média, demonstrando a esfera simbólica dos condomínios irregulares. Para Sá (1996, p.43), uma explicação adequada dos fenômenos de representação social deve dar conta de suas origens, fins ou funções e das circunstâncias de sua produção. Assim, os sujeitos em seus discursos procuram ilustrar suas dificuldades, atribuindo responsabilidades ao “outro”, procurando justificar a escolha por um lote sem escrituras.

6.1. A Ilegalidade e o Sujeito que Ocupa

As representações sociais acerca da ilegalidade urbana elaboradas pela classe média apontam na direção dos responsáveis pela ocupação desordenada e irregular da terra urbana. Entre os agentes relacionados está o poder público que, por meio de programas habitacionais, deu nos últimos anos prioridade à construção de apartamentos, fato que gerou, segundo os moradores, a “falta de opção”, forçando a população a buscar outros meios de conseguir a sua casa. Para um morador:

“[...] grandes empreendedores de Brasília que apostaram errado. Hoje praticamente você tem outra Brasília para cá (...) a ilegalidade é algo fora da lei. Nós aqui fomos obrigados a ocupar áreas irregulares, já que não foram oferecidas opções” (Sujeito 20).

Quando perguntados sobre o que cada um entende por ilegalidade, os moradores demonstraram ter consciência do seu ato, no entanto, o fato de terem

pagodo pelo lote e contribuírem com os impostos cobrados, transfere ao poder público a responsabilidade nesse processo:

“Ilegalidade é algo que vai contra as leis, nós aqui pagamos nossos impostos, portanto, não somos bandidos, queremos regularizar nossa situação, basta que os caminhos sejam dados para isso” (Sujeito 21).

Com esses argumentos, chegam inclusive a questionar o que seria legal ou ilegal:

“[...] as propostas lançadas pelo Estado atendem as necessidades da população? Vão construir mais apartamento, é isso que o pessoal quer? Eu sei que o que é irregular e o que não é regular, agora quem define o que é regular? Qual é a regularidade? Com base em quê?” (Sujeito 23).

Nesse sentido, a palavra é “omissão”, mas por parte do governo, pois segundo os moradores, não foram criadas condições para que esse grupo social se estabelecesse de acordo com suas “necessidades”.

“[...] nós ficamos obrigados a uma estrutura urbanística direcionada para determinados seguimentos e se você não se colocasse naquele perfil financeiro você não alcançaria, você ficaria jogada a margem da cidade e ai foi isso que foi acontecendo” (Sujeito 10, Síndica).

Para Bourdieu (2008), a apropriação de determinados espaços por uma classe social:

[...] depende, por um lado de suas capacidades de apropriação específica, definidas pelo capital econômico, cultural e social que ele pode implementar para apropriar-se, do ponto de vista material e/ou simbólico, dos bens considerados, ou seja, de sua posição no espaço social e, por outro, da relação entre sua distribuição no espaço geográfico e a distribuição dos bens raros neste espaço[...] (BOURDIEU, 2008, p. 114).

Pensar o espaço social como uma representação abstrata tem nas práticas espaciais a confirmação que as condições econômica e social, são geradores de espaços com estilos de vida distintos. Para Bourdieu (2008, p. 163), “[...] é o fato de as formas temporais ou estruturas espaciais estruturarem não somente a representação do mundo do grupo, mas o próprio grupo, que organiza

a si mesmo de acordo com essa representação”. A materialização dos condomínios irregulares como um novo estilo de vida, reforça a noção de que:

O gosto, propensão e aptidão para a apropriação – material e/ou simbólica – de determinada classe de objetos ou de práticas classificadas e classificantes é a fórmula geradora que se encontra na origem do estilo de vida, conjunto unitário de preferências distintivas que exprimem, na lógica específica de cada um dos subespaços simbólicos – mobiliário, vestuário, linguagem ou hexis corporal – a mesma intenção expressiva (BOURDIEU, 2008, p. 165).

Ao se referir à maneira como vem sendo tratada a questão fundiária pelo poder público, nota-se um discurso que traz à tona as representações desse grupo sobre os programas de moradia lançados aos diferentes níveis de renda. O descontentamento está na maneira distinta com que é tratado o acesso à moradia pelas camadas de renda mais baixa. Com muita propriedade, o sujeito 10 demonstra a sua indignação perante o processo de regularização dos condomínios. É ressaltada a importância dos impostos pagos pela classe média, mas também o seu papel enquanto “massa pensante”, já que as classes com renda mais baixa:

“[...] ganha a cesta básica, ganha tudo, mas ela mesma não tem a proteção do estado com relação ao mínimo, ela só dá. Ela é a massa pensante, ela é a massa transformadora da política, ela é a massa é a massa que realmente põe a mão na massa, que trabalha e que paga os impostos, porque nós não temos como fugir dos impostos, pois descontam diretamente do nosso salário [...]” (Sujeito 10, síndica).

De modo enfático, a moradora apresenta as responsabilidades referentes à ilegalidade da classe média em Brasília:

“A ilegalidade surgiu pela omissão do estado, isso aqui cresceu sob os olhos do governo, é impossível alguém dizer que não viu isso tudo se desenvolver, são anos e anos que ninguém fez nada, ai de repente começa o desespero” (Sujeito 6).

Outro sujeito reforça o papel do poder público no estabelecimento da ilegalidade urbana, fazendo referência ao aparato governamental a serviço da

fiscalização, dos agentes fiscalizadores, que de alguma forma, permitiram ou se omitiram diante do fenômeno. De acordo com o sujeito é:

“[...] para isso a secretaria tem aviões, helicópteros, que você vê voando, tem gente paga, muito bem paga para isso. Porque não fazem a fiscalização rigorosa já que a coisa é publica e não deve ser feita desta forma” (Sujeito 16, síndico).

A dimensão da ocupação irregular do cerrado fica evidente no condomínio 3. Na foto a seguir, tem-se a situação da ocupação das bordas do planalto, com o cerrado sendo destruído para a construção de belas casas. Essas construções se utilizam de técnicas de engenharia modernas, a fim de permitir a ocupação de áreas com declividade acentuada. Elas representam enclaves postos em uma paisagem de beleza natural e que vem sendo extremamente degradada.