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I – ENQUADRAMENTO TEÓRICO 1 EXCLUSÃO SOCIAL

2. Combate à pobreza/exclusão social e Políticas Públicas

3.1. A cidade hoje

Uma vez que a problemática da exclusão social dos arrumadores é uma problemática de cariz urbano, parece-nos importante fazer-se uma breve reflexão acerca da cidade nos dias de hoje, no sentido de podermos analisar a influência deste meio como gerador deste fenómeno.

A grande transformação histórica da cidade verificou-se no século XVIII, com a revolução industrial. Nessa época, assistiu-se a um aumento quer da população quer da produtividade. A partir desse momento, o crescimento urbano foi-se tornando cada vez mais geral, com uma dinâmica “aparentemente imparável”, com uma grande concentração da população nas cidades, dando-lhes uma nova fisionomia (Antunes, 1991; Mela, 1999). O crescimento das cidades é, sem dúvida, um dos factores mais visíveis dos tempos da

modernidade (Antunes, 1991). Este crescimento surgiu com o «aparecimento da indústria: da tecnologia moderna, da produção em massa e da empresa capitalista» (Idem: 5). Mela (1999) considera que a morfologia social da cidade é definida pelo seu ambiente peculiar, resultado da convivência das populações, da sua distribuição espacial e do seu comportamento. A cidade contemporânea tornou-se, na perspectiva de Portas (2001: 184), «une mosaïque composée de fragments urbains divers quant à la morphologie et au style de vie, mettant en alternance «ville» et «non-ville», «lieux» et «non-lieux» qui n’obéissent pas à un ordre préétabli». Esta imagem mostra bem a representação de como a sociedade é atravessada por importantes dualismos e desfasamentos. Por sua vez, Park (cit. por Antunes, 1991: 5) entende a cidade como uma «imagem viva da nova sociedade» que funciona como laboratório dos mais variados fenómenos sociais.

Pela sua grande complexidade, a cidade abarca a maioria dos problemas e fenómenos típicos de sistemas de maior dimensão, como os sistemas nacionais e mesmo internacionais (Mela, 1999). Por conseguinte, a cidade não pode ser analisada isoladamente porque está incluída em sistemas políticos mais amplos – nacional e internacional – mas deve ser vista como um fenómeno político capaz de exercer formas de auto-governo (Ibidem). Na análise que o mesmo autor (Ibidem) faz da cidade, esta assume três aspectos diferentes: como local, como sujeito político e como objecto. Como local, é o espaço de actividade do poder, o que significa que, mesmo sendo parte integrante de uma sociedade mais ampla, o poder desse local assume uma forma particular, de acordo com a sua estrutura social própria. Como sujeito político, a cidade tem instituições de governo com determinada autonomia e, em muitos casos, essas instituições estão legitimadas pelo facto de serem eleitas, como é o caso dos órgãos autárquicos. Por último, a cidade é também objecto dessa actividade política ou de governo. A cidade é assim o resultado das políticas que serão implementadas, nomeadamente no âmbito do desenvolvimento económico local, na oferta de determinadas infra-estruturas, etc., que não serão forçosamente as mesmas em função do local de actuação ao nível de todo o território. Também divergem as posturas dos Presidentes de Câmara face à gestão do município a que presidem. Este aspecto será abordado com mais profundidade noutra parte deste trabalho.

Assim, a cidade é simultaneamente um fenómeno económico, político, cultural, etc., caracterizando-se como um sistema complexo, um organismo vivo, onde se verificam situações dicotómicas de equilíbrio e desequilíbrio, de ordem e de desordem, que vão

ocorrendo ao longo do tempo, isto é, a cidade é uma realidade contraditória e complexa,

onde podemos encontrar o melhor e o pior (Hespanha, 200041; Chaline, 2001). Desta

forma, a cidade é um território dualizado, tornando-se, nos tempos actuais e em todo o mundo, o espaço de maiores contrastes e antagonismos sociais (Medeiros, 1992; Machado, 1992; Hespanha, 2000; Chaline, 2001), onde se regista um crescimento quantitativo dos estratos sociais mais desfavorecidos, do agravamento das suas condições de vida (Antunes, 1991), e das «formas de exclusão mais dramáticas e da segregação mais intolerante e violenta» (Hespanha, 2000) e onde proliferam aglomerações de pobreza (Almeida et al., 1992). Esta desconexão interna da cidade gera a exclusão social urbana. Em suma, é reconhecida a existência de uma separação, cada vez mais vincada, entre dois mundos sociais, apesar da sua proximidade física, criando uma situação de verdadeiro “apartheid” social (Hespanha, 2000) ou pobreza urbana (Mela, 1999), pelo facto dos indivíduos pobres se encontrarem concentrados, reproduzindo uma eventual cultura de pobreza (Machado et

al., 1992). Assim, vivem, lado a lado, pessoas de condições muito distintas, o que leva,

frequentemente, à indiferença e à banalização da pobreza, à chamada “naturalização” das desigualdades (Hespanha, 2000). A linha que delimita estes dois mundos não separa só aqueles que têm daqueles que não têm, mas marca essencialmente a «fronteira da cidadania e da democracia» (Ibidem). O que leva a concluir que a cidade é eminentemente excludente, «repele e subalterniza os grupos mais vulneráveis» (Fortuna, 2002: 126), representando, estes grupos, simbolicamente a “morte” de uma parte da cidade – a cidade dos pobres, dos mais frágeis e incultos – em contraste com a outra cidade – a cidade dos mais poderosos, mais ricos e mais cultos – isto é um conflito da cidade contra a “não” cidade” (Fortuna, 2002). Esta situação, nomeadamente nas grandes cidades, gera um clima de insegurança, podendo conduzir ao aumento da criminalidade. Para tentar minimizar os riscos, a prevenção passa por um reforço da protecção, quer ao nível dos residentes, quer ao nível das autoridades. Hespanha (2000) reconhece que não têm sido garantidos, a todos os indivíduos residentes na cidade, sobretudo nas grandes cidades, «padrões mínimos de cidadania», bem como a participação igual nas decisões que dizem respeito à vida da cidade.

41 “A face metropolitana da exclusão social”. In Actas do VI Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais. Disponível em http://www.phespanha.net/sitebuildercontent/sitebuilderfiles/Caderno_Cidadania_2.

A cidade assume dois mundos distintos, sendo um deles caracterizado como suburbanização pelo facto de muitos dos seus residentes se terem afastado das suas áreas centrais para a cintura exterior, verificando-se o modelo que se pode definir de “clepsidra” (Mela, 1999; Fortuna, 2002) – devido à imagem de ser adelgaçada no centro e alargada nos extremos, isto é do centro para as margens. Estas características da cidade exigem que as políticas sociais sejam, cada vez mais, políticas urbanas (Henriques, 1990; Madec e Murad, 1998) e que se considere a necessidade de se definirem políticas locais de inserção numa versão de “políticas da cidade” (Castel, 1998).