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CAPÍTULO 2 AÇÃO E DISCURSO: DESCOBRINDO NOVAS POSSIBILIDADES DE FAZER TEATRO

2.3. A cidade em movimento

Neste tópico apresento os trabalhos que necessitaram de reuniões, ensaios e uma produção mais apurada.

Uma das ações mais importantes foi realizada no mês de junho, durante as festividades de São João. Com o intuito de aproveitar a presença de filhos da cidade que moram em outras localidades e neste período passam as férias em Itambé, resolvemos, eu e alguns amigos, preparar algo que revivesse alguma tradição dos festejos juninos que havia ficado no passado. Assim, nasceu a ação Quem vai se casar?15.

15

Elenco: Cíntia Gusmão, Samile Alves, Susele Alves, Rita Alves, Jandira Mendes, Manoel Dias, Graziele Lemos, Amélia Sampaio, Marcelo Sousa Brito e Dejalmir Melo.

O casamento na roça é uma tradição que os itambeenses sempre cultivaram: tanto como encenação realizada por alunos nas festas juninas das escolas, mas também como cerimônia de casamento de alguns casais que resolvem se unir deste modo. Organizar uma festa com fartura de comidas e bebidas típicas ao som de um bom forró pé de serra é o sonho de muitos noivos e noivas tanto da zona rural como da zona urbana.

Já com a cidade movimentada para o São João convidei Rita Alves, que já havia casado uma filha na fazenda da família durante o São João, para nos ajudar. O convite se estendeu para suas filhas. Foram convidados também membros da comunidade de São José Operário e a entrevistada pela pesquisa Jandira Mendes, que já havia externado o desejo de participar de alguma ação ligada aos festejos juninos.

No primeiro encontro várias pessoas compareceram com o desejo de discutir o São João de hoje na cidade, as mudanças que este festejo sofreu, perdendo um pouco de suas características principais, que era de reunir os filhos da terra em suas casas, ruas e praças para viverem dias de festa e de reencontro, quando toda a cidade se transformava em uma grande família, como descreve o morador Evandro, no capítulo 1, e para quem houve também “um monopólio do desenvolvimento econômico”.

Cada participante emitia sua opinião ou lembrança dos festejos juninos de sua infância, ou relembrava um São João marcante em sua vida, emitindo opiniões que eram comparadas com as respostas dos entrevistados da pesquisa quando questionados sobre as manifestações culturais da cidade.

Enquanto isso, nós íamos definindo os personagens: o noivo, a noiva, os pais da noiva, os pais do noivo, a amante, o padre, o bêbado, as beatas, etc.

Para esta ação, dois ensaios foram realizados. O mais importante nestes encontros era a discussão gerada em torno do assunto. Todos queriam de alguma forma opinar sobre a situação atual da festividade mais importante da cidade. Era consenso entre todos que a modernização da festa afastou muitos filhos da cidade que moram em outras localidades.

O fato é que alguns moradores não participam mais da festa, que deixou um pouco de lado o encanto que era característico deste festejo. Então resolvemos voltar ao passado, mas

com a vontade do presente, de manter viva esta tradição. Fomos às ruas, imbuídos do desejo de resgatar esta ludicidade adormecida. Desse modo,

A cultura de massa poderia adquirir novos significados, extrapolando a adjetivação de standardizada, rudimentar, conformista e alienante, para ser entendida como uma chance para o resgate do sentido lúdico dos encontros e da festa (SERPA, 2007, p. 115).

Pensando assim, na manhã do dia 26 de junho de 2010, doze pessoas compareceram para a caracterização que misturava o rural com o urbano, já que hoje em dia não existe muita diferença entre um e outro na forma de se vestir. As mulheres usavam vestidos longos de festa e chapéu de palha na cabeça e os homens trajavam calça e camisa bordados com alguns remendos coloridos. Já a noiva usava um vestido branco, curto e cheio de babados coloridos, e um buquê de flores colhidas na casa vizinha.

O cortejo seguiu o percurso acompanhado por um carro de som tocando Luiz Gonzaga, passando pela Praça São Sebastião, seguindo para a Praça da Bandeira, entrando na Alameda, chegando na feira livre localizada na Praça San Filli, local onde se realizam os festejos juninos. Durante todo este percurso vários moradores iam se infiltrando e acompanhando o cortejo com muita animação.

Para finalizar a ação retornamos ao ponto inicial revivendo outra tradição: passar de casa em casa perguntando se São João havia passado por ali; se a resposta fosse positiva era o sinal de que todos estavam convidados a entrar para comer e beber com aquela família. Neste dia passamos nas casas dos moradores Vera Amorim e Amaury Gusmão, que receberam a equipe com mesa farta. Conversando com os participantes da ação, era consenso a alegria que este evento proporcionou, estimulando em todos o desejo de reviver esta tradição todos os anos, agregando mais participantes, circulando por outros pontos de Itambé e visitando um maior número de moradores, levando a festa para toda a cidade.

Castro, em sua pesquisa sobre a espetacularização e a reinvenção do lazer festivo no espaço urbano, dedicou boa parte de seu estudo à importância da casa nestes festejos. Era nas casas onde tudo começava e onde todos se encontravam sob o calor da fogueira.

A fogueira acesa na porta da casa era um indicativo de que naquela residência comemorava-se o São João e, portanto, se oferecia comidas e bebidas típicas

para degustação tanto de pessoas com estreitas ligações familiares ou afetivas como também para visitantes que fazem parte do circulo de amizades dos donos da casa. (...) As comidas típicas, oferecidas até os dias de hoje, correspondem ao que era produzido em meados de junho: amendoim, milho, laranja, além de uma diversidade de pratos preparados com milho, como pamonha, canjica, bolos, entre outros, além do licor de jenipapo e maracujá (CASTRO, 2008, p. 34).

Quem vai se casar? lançou mão do imaginário popular ligado aos festejos juninos para que

um cortejo de pessoas saídas de um casamento fictício pudesse levar cor e alegria para as ruas da cidade. Esta ação reuniu, ao mesmo tempo, grandes acontecimentos do imaginário festivo dos participantes, mas também de todos os habitantes que acompanharam o cortejo. Ali, todos os elementos de um festejo junino estavam presentes: o casamento, a quadrilha, a música, a alegria, a interação com os moradores e o encontro de gerações em função de uma tradição tão importante para os moradores de Itambé.