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3 EXPANSÃO URBANA DE NATAL-RN, (TRANS)FORMAÇÃO DE

3.3 CIDADE NOVA

Desde o governo de Pedro Velho (1892-1896) havia um esboço de um plano para criação do terceiro bairro de Natal, porém não havia recursos materiais nem técnicos. Pedro Velho em seus passeios a cavalo pela área em que viria a ser construído o tal bairro chamava aquela zona de Cidade Nova e “(...) quem ouvia a frase, ficava rindo por dentro, com o tamanho do sonho e o impossível da realização” (CASCUDO, 1999, p.351).

Natal iniciou o século XX ganhando um terceiro bairro, mas não era um bairro qualquer. Trava-se de um bairro planejado, não só no papel, mas na mente e nos sonhos das elites. Mesmo sem haver uma demanda para aquela localidade, foi criado no dia 30 de dezembro de 1901, através da Resolução nº 55, pelo então presidente da Intendência

Municipal, o Sr. Joaquim Manoel de Moura, o terceiro bairro de Natal, chamado de Cidade Nova: primeira intervenção sistematizada no espaço urbano da cidade.

A demarcação e o alinhamento das Avenidas projetadas foram realizados por Jeremias Pinheiro da Câmara. Essa proposta que promoveria a expansão inicial da cidade começou a ser esboçada durante o governo de Pedro Velho, no período de 1892 a 1896, mas não foi concretizada por falta de recursos técnicos e materiais (CASCUDO, 1999). Sobre o plano Cidade Nova, Lima (2001) afirma tratar-se, apenas, de um plano de parcelamento/arruamento do solo, com uma trama regular, contudo lembra que sua importância deve-se ao fato de ser a primeira ação desencadeada pela elite local no sentido de criar um espaço exclusivo para si. A proposta de expansão da cidade com a criação do seu terceiro bairro foi a principal realização do primeiro governo de Alberto Maranhão (1900- 1904), que considerava a colina onde viria a se instalar o novo bairro, "bela" e "aprazível" (LIMA, 2001, p.34), dentro dos princípios higienistas e da perspectiva de se criar espaços saudáveis na cidade.

Essa intervenção vem, portanto, concretizar parte do ideário urbano da oligarquia dominante de construir uma cidade radicalmente nova, em oposição àquela herdada do período colonial (FERREIRA et al., 2008). Os bons ares vindos do mar eram citados como um dos atrativos do recém-criado bairro Cidade Nova em um discurso afinado com as regras de higiene e salubridade urbanas em voga na época. O projeto do novo bairro que, na verdade, constituía-se como uma negação à antiga e “enferma cidade colonial” – assim considerada pelas autoridades administrativas – contava com largas Avenidas direcionadas aos ventos dominantes, o que permitia a penetração e a qualidade do ar, fatores importantes para a “limpeza natural da cidade”. Preocupava-se, ainda, com a salubridade e a iluminação natural, aspectos que eram assegurados pelo afastamento entre as edificações (FERREIRA et al., 2008).

Destinada à moradia das elites, que passariam, aos poucos, a habitar um espaço moderno e construído segundo os princípios difundidos pelo higienismo, a Cidade Nova estava localizada em um ponto espacialmente afastado da Cidade Alta e de suas imediações, que abrigava, dentre outras coisas, serviços insalubres, como matadouro e forno de incineração de lixo (ARRAIS et al., 2008).

Sobre a formação e povoamento do chamado Monte Petrópolis, no final do século XX, Joaquim Teixeira de Moura, dizendo-se “cansado de olhar para o mar”, uniu-se a Pedro Velho e, juntos, penetraram no Tirol, construindo, ali, suas chácaras: a de Pedro Velho chamava-se Solidão e a de Joaquim Manoel, Senegal. Algum tempo depois, Alberto Maranhão e Joaquim Manoel avançaram mais ao sul; Alberto Maranhão construiu uma casa

de campo com piscina e poço tubular, onde atualmente está o Aero Clube. Já Joaquim Manoel construiu uma residência onde hoje está o Quartel do 16° R.I. na Avenida Hermes da Fonseca. Várias outras chácaras foram responsáveis pela ocupação da área onde hoje se encontram os bairros de Petrópolis e Tirol, tais como Pretória (de Manoel Dantas), Betânia (de Pedro Soares), Quinta dos Cajuais (do ex-governador Antônio José de Melo e Sousa) (SOUZA, 2008).

Registra-se que nos interstícios dos latifúndios, uma população pobre que vinha do interior também ocupava a área com habitações precárias. Sobre essas habitações, no relatório que o presidente da Intendência, Joaquim Manoel Teixeira de Moura apresentou ao Conselho Municipal, em 1905, afirmou que “(...) perto de trezentas casinholas e ranchos foram indenizados e removidos do trajeto das ruas do referido bairro (...)” (A República, 13 de janeiro de 1905, In: SOUZA, 2008, p.383). Por causa das arbitrariedades praticadas contra a população pobre que ocupava a Cidade Nova, o jornalista Elias Souto batizou o futuro bairro com o nome de “Cidade das Lágrimas” (SOUZA, 2008).

Para Ferreira e Dantas (2006, p.59):

Em Natal, é sintomático que a primeira grande intervenção urbana a inaugurar o século XX seja o projeto de expansão da cidade através do novo bairro chamado "Cidade Nova", nova e radicalmente oposta à cidade colonial, com suas ruas largas em retícula, facilitando a penetração dos ventos dominantes, com exigências de recuos para insolação e ventilação das habitações. É também sintomático que para tanto tenha sido necessária a remoção e expulsão de mais de trezentas cabanas e choupanas para a abertura desse novo espaço de morar das elites, afastado da insalubridade da cidade antiga.

O levantamento dessa área foi realizado pelo engenheiro Manuel Gondim e a demarcação e alinhamento do arruamento, por Jeremias da Câmara. Contudo, o plano não foi executado imediatamente, mas somente em 1904, durante o primeiro mandato do governador Alberto Maranhão (1900-1904). Para traçar a planta dos três bairros da cidade (Cidade Alta, Ribeira e Cidade Nova), o Conselho da Intendência Municipal de Natal contratou o agrimensor italiano Antônio Polidrelli que propôs largas Avenidas em retícula, direcionadas de modo a favorecer a penetração dos ventos dominantes, determinando exigências legais de 5m de recuo entre as habitações com objetivo de garantir a penetração e a qualidade do ar, a salubridade e a iluminação natural (ARRAIS et al., 2008).

Com as adaptações de Polidrelli, o plano passou a apresentar oito ruas paralelas (com 30 metros de largura cada) e quatorze ruas perpendiculares em um total de sessenta quarteirões. O novo bairro tornou-se um espaço privilegiado do ponto de vista da

salubridade (ARRAIS et al., 2008). Esse foi o primeiro plano de Natal e contava com várias desapropriações na Ribeira e na Cidade Alta para enquadrar as ruas e as Avenidas desses bairros nas linhas traçadas por Polidrelli.

Arrais et al. (2008) observam que os retirantes que se instalaram no local onde se planejava construir o terceiro bairro da cidade, passaram a ser olhados como um problema de saúde à população e ao bairro projetado. Para esses autores, a ironia é que foi justamente a presença desses retirantes que possibilitou a concretização do sonho de construção do terceiro bairro de Natal, pois o fato serviu como argumento para a solicitação de envio de verbas federais, utilizadas nas obras públicas. Ademais, os retirantes constituíram-se na principal mão-de-obra na execução dos trabalhos de construção do novo bairro (ARRAIS, et al., 2008).

O nome dado ao bairro – “Cidade Nova” – é representativo dos desejos das elites governantes de negação da cidade e da expectativa de Natal vir a ser uma cidade do futuro, como nos revela a matéria do jornal A República publicada em 1902:

O Governo Municipal compreendeu as vantagens e futuro grandioso da Cidade Nova, como bairro desta capital destinado a ser o núcleo da grande cidade que, neste século será Natal, talvez uma das maiores do Brasil, umas das cidades importantes do mundo (A República, 1902. p.1, In: ARRAIS et al., 2008, p. 114).

O projeto de construção de uma nova cidade atendeu aos anseios das elites locais de reformular a cidade existente. O bairro Cidade Nova encontra espaço no imaginário de uma elite que almejava construir uma cidade moderna, capaz de representar todo seu poder econômico, tendo como inspiração a cultura europeia e como modelo, Paris (ARRAIS et al., 2008).

Na implantação de um plano de expansão, com as dimensões do projeto Cidade Nova, os problemas sociais foram tratados a partir de um enfoque técnico salubrista, segundo o qual as doenças causadas pela insalubridade da cidade eram concebidas como um mal social. Portanto, a visão sanitarista resolveria assim o principal problema social da época: o risco constante de epidemias. Desse modo, a Cidade Nova reflete o ideário da época, segundo o qual se devia buscar a todo custo alcançar o progresso, conferindo à cidade uma aparência moderna (ARRAIS et al., 2008).

Paulatinamente, a elite natalense foi ocupando as ruas e Avenidas da Cidade Nova. O processo de ocupação foi estimulado com a implantação das linhas do bonde elétrico em 1913. Ainda assim, sua ocupação foi lenta até os anos de 1940 (SOUZA, 2008). Para

Ferreira et al. (2008), essa intervenção marca os primórdios da segregação e elitização espacial em Natal. O bairro da Cidade Nova representava, de fato, um espaço criado e planejado para atender aos anseios da elite potiguar, tanto no que concerne à salubridade e higiene, quanto aos aspectos de estética urbana (FERREIRA et al., 2008). Nas palavras de Santos (1998) essa questão é evidenciada:

A Cidade Nova constituiu uma dupla solução para o desejo de auto- segregação das classes dominantes locais. Por um lado, superaria o antigo desenho irregular originário da cidade colonial onde as classes sociais conviveriam, praticamente, no mesmo espaço ou guardando uma certa contiguidade. Por outro lado, serviria como um refúgio, onde as classes dominantes poderiam se proteger do contato com as péssimas condições ambientais e das epidemias que, então, grassavam pela cidade (SANTOS, 1998, p.45).

Portanto, a constituição da Cidade Nova lançou as bases para implantação de um mercado de terras, expropriando ou expulsando posseiros e valorizando os terrenos de políticos, comerciantes e pequenos industriais vinculados ao grupo dominante, principalmente com a criação e expansão das linhas de bonde à tração animal, em 1908, e elétrico, em 1911 (SANTOS, 1998; FERREIRA, 1996). Não por acaso, o ponto final da linha do Tirol era a residência do governador Alberto Maranhão, construção transformada no Aero Clube, em 1928 (FERREIRA et al., 2008).

Processo este que não passou despercebido pela oposição que, contrariando as representações idílicas da elite oligárquica, apôs ao novo bairro a alcunha de “Cidade das Lágrimas”, sintetizando assim todo o custo social, o caráter autoritário, excludente e segregador deste primeiro ciclo de reformas urbanas:

Estamos na peior phase desta maldita cidade das lágrimas; os últimos pobres estão sahindo a pulso arrasando-se-lhes as suas casas, quintaes, fructeiras dos concerne à salubridade e higiene, quanto aos aspectos de estética urbana. As que as teem. Choram os míseros para morrer e com seu pranto regam este bairro almadiçoado, que constitue as deliceas do grão senhor da terra (CIDADE, 1904. p.2, In: FERREIRA et al., 2008, p.65).

Os nomes Petrópolis e Tirol, como conhecemos atualmente a Cidade Nova, apenas, passaram a existir no segundo governo de Alberto Maranhão (1908-1913). O nome Petrópolis, que surgiu oficialmente através da Resolução nº 118, foi sugerido por Alberto Maranhão em carta dirigida a Câmara Cascudo e publicada por ele no jornal A República (26 de junho de 1940):

Considerando a beleza da colina, lembrei-me de criar o novo bairro e o fiz pensando na Petrópolis fluminense, dos veranistas do Rio, a cidade dos diários, e no nome de Pedro Velho, que antes de mim, já havia aconselhado seu amigo Joaquim Manoel Teixeira de Moura, presidente da Intendência, como se chamava então o prefeito, desbravando a atual Cidade Nova, abrindo ruas e avenidas em todo o planalto entre os Morros e a Cidade Alta (CASCUDO, 1999, p.352).

Já com relação ao Tirol, na mesma carta, Alberto Maranhão assim se expressa: "A denominação de Tirol, ao bairro, foi uma simples fantasia sem justificação real. Uma lembrança da província austríaca, qualquer coisa de reminiscência recalcada de leituras literárias, e nada mais" (CASCUDO, 1999, p.353).

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