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CAPÍTULO I: AS NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS E A ESCOLA

6. O processo de avaliação das NEE por referência à Classificação

6.4. A CIF como quadro de referência no processo de avaliação das NEE

6.4.1. As vozes concordantes

Segundo as palavras de Luís Capucha (DGIDC, 2008), “a CIF representa um progresso no campo da intervenção em reabilitação e especificamente na educação especial” chamando “a atenção para os problemas das pessoas e para os obstáculos existentes no meio”. Exige, também, “uma avaliação mais fina e ajustada, fazendo com que os apoios cheguem a quem deles mais necessita, e a construção de programas educativos individuais mais precisos e rigorosos.” (p. 9)

Tendo em conta o aparecimento de alguma contestação e preocupação quanto à aplicação da CIF na identificação de crianças/jovens com necessidades de uma educação especial, o Centro de Reabilitação Profissional de Gaia (CPRG) encomendou um estudo, que desse resposta a essas dúvidas, a Donald McAnaney, da Plataforma Europeia para a Reabilitação. Esta é uma rede dos principais fornecedores europeus de serviços de reabilitação para pessoas com incapacidade e outros grupos desfavorecidos que reúne 27 organizações de 16 países. O documento,

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datado de Agosto de 2007, integra o Manual de Apoio à Prática – Educação Especial (DGIDC, 2008) distribuído a todas as escolas após a saída do Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro.

McAnaney (2008) sustenta que é “essencial que as limitações a nível funcional e a nível da actividade, bem como as barreiras ambientais sejam contempladas na Declaração de Necessidades e, por consequência, no PEI” (p. 92). Desta forma, a CIF, ao fazer uma abordagem biopsicossocial do indivíduo, torna-se num documento recomendado para a elaboração do perfil de funcionalidade do aluno. O mesmo autor apresenta ainda um conjunto de características da CIF que refere serem fundamentais na definição de uma avaliação englobante do processo de necessidades de educação. Destas, podemos destacar: o facto de a CIF ser “ideal para identificar as necessidades e os pontos fortes do aluno, bem como os obstáculos e os elementos facilitadores do ambiente” já que “assume a incapacidade como uma interacção dinâmica entre a pessoa e factores contextuais” (p. 92) por oposição a modelos meramente médicos ou sociais e também o facto de o sistema de qualificação da CIF possibilitar “à equipa de avaliação especificar o grau de capacidades, necessidades, barreiras e facilitadores, bem como indicar aqueles que são passíveis de mudança, seja através da intervenção, dos apoios disponibilizados ou das alterações a realizar no ambiente.” (McAnaney, 2008, p. 93)

A validar o uso da CIF na educação estão também as conclusões dos estudos efectuados pelo projecto da União Europeia Measuring Health and Disabilitiy in Europe – Supporting Policy Development – MHADIE. Durante dois anos (de 2005 a 2007), elementos de onze países europeus, investigaram a validade da CIF na documentação e análise da deficiência de forma a melhor servir as necessidades das políticas de desenvolvimento, monitorização e avaliação. Conforme revelado no sítio Web do MHADIE, a pesquisa efectuada demonstrou a fiabilidade, utilidade e valor da classificação e modelo CIF na harmonização dos dados relativos às populações e sectores da Europa. Entre outros aspectos concluiu, também, que a estrutura da CIF é útil na recolha de dados relevantes para a política educativa, incluindo o desenvolvimento de critérios de elegibilidade de crianças e jovens para os serviços mais adequados.

Para Rune Simeonsson (2009b), a CIF-CJ pode ser utilizada na intervenção precoce, na educação especial e nos contextos de formação ocupacional/profissional,

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adoptando o seu quadro dimensional na prática e na respectiva avaliação e classificação da funcionalidade. O autor fala também da necessidade de utilizar instrumentos e ferramentas de avaliação que permitam definir a codificação CIF-CJ. Advoga, ainda, a criação de linhas orientadoras que sirvam de indicadores da funcionalidade de uma condição específica, considerando que essa criação poderá ajudar a aplicar a CIF-CJ em práticas multidisciplinares de avaliação e intervenção.

6.4.2. As vozes discordantes

Não obstante todo o conjunto de vantagens apontadas pelos autores anteriormente referidos, existem vários investigadores/pesquisadores que demonstram cepticismo quanto à utilização da CIF como quadro de referência na avaliação das NEE.

Correia e Lavrador (2010) desenvolveram um estudo exploratório sobre a utilidade da CIF em educação, à luz do DL n.º 3/2008, de 7 de Janeiro, de forma a perceber se os dados resultantes da avaliação obtidos por referência à CIF podiam servir de base à elaboração de um PEI para um aluno com necessidades educativas especiais.

Dados do estudo, que envolveu 21 indivíduos de 7 Agrupamentos de Escolas do Distrito de Vila Real, levaram à conclusão, por parte dos autores, que “a CIF não é uma classificação que sirva os interesses dos alunos com NEE, muito menos para determinar a elegibilidade de um aluno com possíveis NEE para serviços de Educação Especial e consequente elaboração de um PEI” (p. 57). Para esta conclusão contribuíram também os pareceres de especialistas sobre o uso da CIF em educação, recolhidos por Correia em 2007 através de e-mail. James Kauffman, por exemplo, terá referido que “o uso da CIF na educação especial constituirá um erro sério, mesmo trágico. As definições clínicas/de saúde e as educacionais não são de forma alguma apropriadas para os mesmos processos e profissões” (Correia & Lavrador, 2010, p. 18). Entre outros peritos, os autores referem também Judith Hollenweger, representante do campo da educação na Rehabilitaion International que, à época, terá dito que “seria prematura a sua utilização” já que a “CIF não foi criada para substituir outros processos de categorização, como por exemplo o "autismo", mas sim para providenciar informação adicional... Como é usada esta informação adicional e como

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devem ser elaborados instrumentos práticos que a possam tornar real e aplicável são questões ainda por responder.” (Correia & Lavrador, 2010, p. 19)

Já em Junho de 2008, esta mesma autora esteve presente no Encontro Temático de Educação Especial, realizado em Lisboa, tendo proferido uma comunicação sobre A utilização da CIF-CJ nos sistemas educativos: a experiência

Suíça. Nesta ocasião, Judith Hollenweger defendeu que (i) a “CIF-CJ pode ser usada

como ferramenta conceptual para compreender a ‘incapacidade’ e as ‘necessidades especiais’ no contexto da educação”; que (ii) a “CIF-CJ pode ajudar a organizar a planificação cooperativa por parte dos diferentes profissionais e ajudar na tomada de decisão” e que (iii) a “CIF-CJ pode ajudar a organizar os processos para determinar a elegibilidade para o apoio especial ou para a necessidade de recursos adicionais nos sistemas educativos” (Hollenweger, 2008).

Também o Fórum de Estudos de Educação Inclusiva (FEEI), no seu sítio Web, se pronunciou em 2007 sobre a utilização da CIF na avaliação de alunos com NEE considerando tal intenção como “um equívoco” (FEEI, 2007, p. 3). Para os docentes da área de Educação Especial/Educação Inclusiva de várias Instituições de Ensino Superior que fazem parte do FEEI, esta “tentativa de criar uma nítida separação entre os alunos com e sem condição de deficiência em contextos educacionais” afigura-se “como uma decisão cientificamente errada e que não promove a Educação Inclusiva como é entendida pelas comunidades que a praticam e investigam.” (FEEI, 2007, p. 3).