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III. MONOGRAFIA – DIÁLISE PERITONEAL EM CÃES E GATOS

2. Princípios da Diálise Peritoneal

2.2. Cinética da Diálise Peritoneal

O modelo dos três poros, aparentemente, tem sido o que melhor descreve o transporte peritoneal dos fluídos e solutos (figura 27). Este modelo descreve a presença de diferentes tipos de poros ao longo de toda a vascularização da MP, sendo estes caracterizados como “grandes”, “pequenos” e “ultra pequenos”. Os primeiros estima-se representarem entre 5 a 7% do total de poros existentes na membrana, passando através deles as macromoléculas, como, por exemplo, albumina e proteínas. Acredita-se que os espaços existentes entre as células endoteliais dos capilares funcionem como “pequenos poros”, permitindo a passagem de ureia, creatinina, glicose, potássio e água, representando mais de 90% da área de poros. Já os “poros ultra pequenos”, aquaporos, permitem somente a passagem de água, sendo responsáveis por cerca de 50% da sua extração em cada ciclo de DP (61) (63).

Ao contrário da HD, onde o tamanho do poro da membrana restringe quase por completo a passagem de moléculas acima de determinada dimensão, no sistema peritoneal verifica-se algum transporte de moléculas grandes, inclusive de proteínas. A perda destas para o dialisante é indesejável e deve ser substituída pela sua ingestão na dieta. Contudo, esta perda de proteínas na DP, poderá resultar, conceptualmente, na remoção de toxinas urémicas que se encontram firmemente ligadas às mesmas (60).

Figura 27 – Transporte de água e solutos em DP. Variação do modelo dos três poros na parede dos capilares – adaptado de Andreucci V.E. & Fine L.G. (63).

Moléculas grandes, como as proteínas, passam muito lentamente através da membrana, ou não passam na totalidade. Já as pequenas moléculas (como a ureia e a glicose) e os iões (como o sódio e o potássio) movem-se com relativa facilidade perante um gradiente de concentração, até este se encontrar em equilíbrio dos dois lados da membrana. A água move-se através da membrana, do local de menor grau osmótico para o maior, até se atingir o equilíbrio.(64)

Variados solutos e água podem ser removidos ou adicionados ao plasma através da alteração da composição eletrolítica e da osmolaridade da solução dialisante. A osmolaridade natural do plasma apresenta valores na ordem dos 285 a 310 mOsm/L5. Por sua vez, os animais urémicos têm uma osmolaridade que ronda os 350 a 400 mOsm/L (57).

O mecanismo pelo qual fluidos e solutos são transportados através da MP envolve variados processos físicos, incluindo difusão, convecção e osmose, descritos mais adiante. As características da MP que influenciam as suas propriedades de transporte são: a área efetiva de superfície de membrana, a permeabilidade aos solutos, a capacidade de UF e a absorção linfática peritoneal (57)(64).

Pode afirmar-se que diferentes solutos presentes no sangue passam para o dialisante a diferentes velocidades, influenciadas entre outros fatores, pelo seu peso molecular, como se pode verificar no gráfico 2. Neste, a ureia e o potássio apresentaram rápida difusão alcançando 85% do seu equilíbrio em 40 minutos, ao contrário da creatinina e do fosfato que apenas atingiram 65% do seu equilíbrio (61).

A remoção de solutos em DP depende da saturação de cada litro drenado, ou seja, da razão D/P de ureia ou creatinina, em que o D representa a concentração do soluto no

dialisante e P no plasma, assim como da quantidade de volume drenado por dia ou por semana (65).

Uma vez que, dado o seu maior peso molecular, a creatinina penetra no dialisante a um ritmo mais lento do que a ureia, trocas mais rápidas da solução de diálise no abdómen aumentam a depuração total de creatinina em menor grau do que a depuração total de ureia (60).Pela interpretação do gráfico 2 é possível concluir que a remoção dos solutos do sangue para o dialisante é realizada de forma mais eficiente pela permanência deste, na cavidade peritoneal, durante aproximadamente 40 minutos, visto, dessa forma, manter elevado o gradiente de concentração entre as duas soluções, necessário ao processo de difusão (61).

Gráfico 2. Equilíbrio da ureia, potássio, creatinina e fosfato durante DP em cães – fonte: Labato M.A. & Ross L.A.

(61)

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2.2.1. Difusão

A difusão pode ser definida como a tendência dos solutos para dispersarem dentro do espaço disponível. Em diálise corresponde à passagem do soluto pela membrana semipermeável em resposta a uma diferença de concentrações (57) (figura 28).

A diálise ocorre durante o processo de difusão. Este permite que os solutos atravessem a MP, duma área com elevada concentração para uma com baixa concentração. Os solutos urémicos e o potássio difundem-se do sangue presente nos capilares para a solução de diálise. Por sua vez, a glicose e o agente tampão, existentes no dialisante, difundem-se na direção oposta (56) (57).

Pode-se dizer que a absorção de solutos e água pelo organismo, a partir da cavidade peritoneal durante o período de diálise, ocorre de duas formas: i) através da MP para dentro da circulação capilar peritoneal e ii) via vasos linfáticos peritoneais, para dentro da circulação linfática (57).

A difusão peritoneal depende dos seguintes fatores (57):

 Gradiente de concentração – conforme diminui a diferença de

concentrações entre as duas soluções, a troca entre elas aproxima-se do zero. A concentração de ureia é máxima no sangue, no início do processo de diálise, quando a concentração no dialisante é zero, diminuindo gradualmente a sua concentração sanguínea, à medida que vai atravessando os capilares. O gradiente de concentração, entre o sangue e o dialisante, é mantido dentro dos valores mais eficazes trocando o dialisante no abdómen tão frequentemente quanto possível.

 Área efetiva de superfície peritoneal – depende da área total de peritoneu e do grau de vascularização e aporte sanguíneo deste.

 Volumes de preenchimento – grandes volumes de preenchimento podem aumentar o processo de difusão, requerendo maior tempo até se atingir o equilíbrio.

 Peso molecular dos solutos – solutos com maior peso molecular, como a creatinina (113 Da), são mais dificilmente transportados do que aqueles com baixo peso, como a ureia (60 Da).

 Temperatura da solução dialisante – aquecimento do dialisante para dois a três graus acima da temperatura corporal, no sentido de promover vasodilatação dos vasos peritoneais, promove o processo de difusão.

 Resistência da membrana – a permeabilidade do tecido entre a luz capilar peritoneal e o espaço peritoneal pode ser alterada devido a doença. A peritonite aguda, por meio de mecanismos que não são completamente conhecidos, aumenta bastante a permeabilidade da MP, tanto para solutos como para água. Por outro lado, o espessamento fibrótico do peritoneu (esclerose peritoneal) pode levar a uma grave redução do transporte tanto de solutos como de água. Este processo progressivo e lento ocorre inexoravelmente no peritoneu de doentes renais humanos submetidos a diálise peritoneal crónica (DPC), podendo evoluir ao longo de anos.

A difusão ocorre até que a concentração dos solutos nos dois lados da membrana se encontre equivalente, sendo que, na presença de uma maior diferença de concentrações a taxa de difusão é maior (61). Com efeito, o movimento de solutos urémicos para o dialisante, através da difusão, ocorre a uma taxa superior no início do ciclo de trocas (60).

No que respeita ao sódio, o gradiente de difusão em DP é inicialmente fraco, de modo que pouco sódio é difundido por este mecanismo. Ao passar, para a solução

dialisante, maior quantidade de água do que de sódio, ocorre a diluição deste ião nessa solução, favorecendo a sua difusão do sangue, em resultado do aumento do gradiente de concentração. Em quatro horas, soluções de glicose, com 4,25%, removem cerca de 70 mEq de sódio e soluções de 1,5% cerca de 5 mEq, visto as primeiras promoverem maior taxa de UF (65).

2.2.2. Convecção e Ultrafiltração

A convecção é a transferência tanto de soluto como de solvente, graças a uma força gerada pela pressão hidrostática, através da membrana. Na DP representa o movimento dos solutos dos capilares peritoneais para a cavidade peritoneal acompanhando o fluxo de água. Está, assim, dependente da taxa de UF e pode ocorrer sem que a diferença de concentrações dos solutos, em ambos os lados da membrana, seja suficiente para promover difusão (66) (67).

O movimento de solutos com carga (especialmente o sódio) por convecção, não ocorre de forma diretamente proporcional à sua concentração no sangue. Isto deve-se ao efeito de captura por filtragem (“sieving”), que é dependente das forças de resistência intrínseca da membrana e dos solventes, variando também consoante a carga e o peso molecular dos solutos (61) (66). O “sieving” refere-se à retenção de determinada substância, por parte da membrana semipermeável, durante a passagem de água. Dessa forma, a sua concentração é menor no ultrafiltrado que atravessou a membrana do que na solução original (67). O coeficiente de “sieving” varia de zero (retenção completa) a um (ausência de retenção) (68).

A UF refere-se ao movimento de fluidos através da membrana semipermeável como resultado de um favorável gradiente osmótico (57), sendo o mecanismo por meio do qual se remove líquido na DP (figura 28). Assim, a taxa de UF, ou seja, quantidade de solvente em mL que é extraído numa hora, está dependente do gradiente osmótico entre o plasma nos capilares peritoneais e o dialisante, bem como, da área efetiva da superfície peritoneal e do fluxo do sangue nos capilares (69). Tal gradiente é criado pela presença de agentes osmóticos no dialisante, sendo o mais frequente a glicose (70).

Assim que a água é forçada a atravessar a membrana, os solutos capazes de passar pelos canais de ultrafiltragem são transportados simultaneamente pelo processo de drenagem de solventes, em quantidades semelhantes à sua concentração plasmática (71).

Devido à UF, o volume de drenagem após cada ciclo de diálise, comumente excede a quantidade de solução instilada. Esse líquido adicional também contém

produtos residuais dissolvidos e pode responder por 20%, ou mais, da remoção total de produtos residuais. Assim, a UF aumenta o rendimento ou eficácia da diálise, quando comparada com a DP sem UF (60) (73).

O agente osmótico mais frequentemente utilizado é a glicose, gerindo uma alta pressão osmótica. A taxa de UF transcapilar é máxima no começo da troca, quando o gradiente de concentração de glicose é máximo, e diminui exponencialmente com a dissipação da concentração da glicose por uma combinação de absorção e diluição pelo ultrafiltrado, entretanto produzido (66).

Um índice máximo de UF poderá ser obtido trocando-se o dialisante tão precocemente quanto possível (geralmente a cada 30 minutos). Nesse período, a quantidade de UF obtida por litro de solução de diálise infundida não será tão alta como quando se aguardam duas a três horas, mas, fazendo ciclos de 30 minutos durante duas a três horas o volume total de ultrafiltrado será maior (60).

Figura 28 – Esquematização do transporte por difusão (a) e por ultrafiltração (b) – adaptado de Javed F. et al. (73).