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III. MONOGRAFIA – DIÁLISE PERITONEAL EM CÃES E GATOS

8. Complicações na Diálise Peritoneal

As complicações decorrentes da DP, embora comuns, são facilmente solucionadas se detetadas atempadamente. Entre estas enumeram-se problemas a nível do fluxo no tubo de diálise, vazamento de fluidos, hipoalbuminémia, peritonite, infeção na zona de entrada do cateter, edema dos membros, derrame pleural, dispneia causada por aumento na pressão abdominal, alterações no estado de hidratação e alterações eletrolíticas (110

(111)

.

8.1. Complicações relacionadas com o acesso peritoneal

Estudos antigos revelavam que 30% dos cães sujeitos a DP desenvolveram algum grau de obstrução no fluxo do cateter (57) (112). Por sua vez, as causas extramurais comuns de mau funcionamento passam pela sua incorreta posição (dobras ou migrações da posição inicial), adesões fibrosas e envolvimento por parte do omento ou fibrina (70).

A colocação e manutenção do cateter de diálise com as devidas precauções são importantes pontos preventivos. Uma vez bem colocado, o enchimento passivo do cateter não deverá, idealmente, demorar mais de 10 minutos, assim como a drenagem mais de 15 minutos (70).

A retenção de dialisante ocorreu em 20 a 77% dos animais em diversos estudos retrospetivos (91). Caso se suspeite da presença de coágulo no cateter, o recurso a um

flush repetido, com elevada pressão, de 10 a 20 mL de dialisante ou de solução salina,

ou o uso de agentes fibrinolíticos, podem levar à sua dissolução (57). No entanto, há que considerar, em período pós-operatório recente, o aumento do risco de hemorragia devido a estes agentes. Em medicina humana tem vindo a ser recomendado a introdução

de ativador de plasminogénio tecidual (tPA), urokinase (15000U) ou heparina no interior do cateter de DP (70).

As regras base de preservação da integridade do cateter sugerem que nunca se deve tentar aspirar o líquido de um dreno ocluído com seringa, visto isso poder causar obstrução definitiva. Apenas se deve recorrer ao uso da seringa com o objetivo de testar a saída do líquido. No entanto, assim que este ofereça resistência, deve-se parar de imediato (70).

Diminuições no volume drenado de dialisante, ou dor abdominal durante a sua instilação, são sinais de aprisionamento do omento. Caso isso ocorra o cateter pode ser reposicionado de modo a evitar complicações (61).

Uma outra complicação também frequente, é o derrame de dialisado no tecido subcutâneo, apresentando uma prevalência de 20 a 50% em diferentes estudos (91) (57). Uma cuidada colocação do cateter peritoneal é crucial para a diminuição da possibilidade de extravasamento de líquido de diálise. Caso a diálise seja necessária com urgência, deve ser iniciada com pequenos volumes de líquidos (cerca de 10 mL/kg), seguindo-se um gradual aumento do mesmo, de forma a evitar tal vazamento. O doente deve, igualmente, permanecer numa posição favorável ao correto procedimento, sem grandes movimentações (70).

A efusão pleural aguda é uma complicação pouco comum e geralmente ocorre no início do curso do tratamento dialítico. O aumento da pressão intra-abdominal poderá resultar em vazamento do líquido presente na cavidade peritoneal para o espaço pleural, através do diafragma. A patogénese depende, provavelmente, de uma ausência localizada de fibras musculares no hemidiafragma. Embora a incidência seja bastante baixa (cerca de 5% em medicina humana), deve ser considerada como diagnóstico diferencial nos doentes que desenvolvem efusão pleural durante o tratamento de DP (70).

A infeção assume-se como a complicação mais grave presente na DP, podendo localizar-se no peritoneu ou na pele que circunda o cateter, causando abcesso. Em medicina veterinária a prevalência de peritonite tem sido reportada como sendo superior à dos doentes humanos (22% versus 15%). No entanto, esta prevalência tem vindo a diminuir e estudos recentes têm registado uma prevalência inferior a 4%, possivelmente pelo uso de sistemas de diálise mais adequados, como o sistema em Y (57) (91) (112). A razão mais comum de peritonite recai na contaminação do tubo ou saco de diálise pelo manipulador, podendo também resultar de contaminações intestinais, hematogénicas ou outras. A peritonite é diagnosticada quando dois dos três seguintes critérios estão

presentes: i) extração de dialisante turvo; ii) mais de 100 celulas inflamatórias/uL de efluente ou resultados de cultura positivos; iii) sinais clínicos de peritonite (57).

As culturas realizadas têm mostrado, tanto em medicina humana como veterinária, que a bactéria gram positiva Staphylococcus spp. é a mais frequentemente encontrada(31). No entanto, bactérias gram negativas incluindo Escherichia coli,

Klebsiella pneumoniae, Acinetobacter, Proteus e Pseudomonas aeruginosa estão,

também, reportadas em medicina veterinária. Desta forma, os antibióticos administrados, sistémica e intraperitonealmente, são empiricamente recomendados. Porém, estudos têm evidenciado que a sua administração por via intraperitoneal tem-se mostrado mais eficiente, que a IV, na prevenção de infeções. Em medicina veterinária, no seu tratamento, recomenda-se a adição de cefalosporinas de primeira geração ao dialisante, numa dose de 1000 mg/L, seguida de uma dose de manutenção de 250 mg/L. O tratamento deve prolongar-se por 10 dias, baseado no resultado de culturas (70) (113).

O isolamento de bactérias gram negativas no dialisado, assim como as infeções mistas, sugerem patologia intra-abdominal e contaminação intestinal. As peritonites causadas por Pseudomonas ou fungos resultam em complicações mais sérias (70).

Por fim, caso o tratamento não obtenha resultados é recomendada a remoção do cateter peritoneal.

8.2. Alterações hemo e hidrodinâmicas

Uma complicação comum da DP é a sobrehidratação do doente. Caso este esteja a ganhar peso, a pressão venosa central esteja a aumentar ou o fluido extraído não corresponda a, pelo menos, 90% do volume instilado (61) (76), então a prescrição deve ser alterada, de modo a promover a UF com soluções de maior concentração de glicose (2,5 ou 4,25%) (61) (91).

A perda de proteína pela DP pode ser clinicamente importante, podendo aumentar drasticamente (50-100%) caso esteja presente peritonite. A hipoalbuminémia é a complicação mais comum em cães e gatos, sendo a sua prevalência reportada em 41 a 90% dos animais (91). Esta pode ser resultado de dietas pobres em proteína, perda GI ou renal, perda no processo de diálise, catabolismo urémico, assim como, de doenças concomitantes. Normalmente o animal é capaz de manter níveis séricos de albumina normais caso o aporte de proteína na dieta seja adequado (61). Em animais urémicos a adequada absorção intestinal fica comprometida dada a anorexia e vómito normalmente presentes, levando a que, o recurso a tubos de alimentação nasoesofágicos ou

gastroesofágicos pode não ser o mais ajustado. Nestas situações o suporte nutricional através de tubos de alimentação nasojejunal, alimentação parenteral total ou parcial, bem como a utilização de soluções de aminoácidos a 1,1% na DP, são uma boa sugestão

(57)

. Porém, a alimentação parenteral pode-se revelar inadequada de instituir em doentes oligúricos, onde a sobrecarga de volume facilmente acontece. Em adição, após se iniciar alimentação parenteral, podem surgir situações de hiperglicemia, podendo levar a variação nas taxas de difusão e UF, e, por conseguinte, à depuração de solutos e fluidos

(70)

.

Por sua vez, tubos de gastrostomia e jejunostomia são contraindicados em animais sujeitos a DP, uma vez que os riscos de infeção e extravasamento do líquido de diálise para a parede abdominal ficam ampliados (57).

8.3. Alterações neurológicas

A síndrome de desequilíbrio na diálise é uma complicação rara caracterizada por demência, convulsões ou morte. O desequilíbrio pode ocorrer durante as primeiras trocas, especialmente em doentes com extrema azotemia, acidose, hipernatrémia ou hiperglicemia (57) (114). Uma rápida remoção de ureia e outros solutos osmóticos, aparentemente causa influxo de água dentro das células do cérebro e disfunção neurológica (57) (114).O efeito reverso da ureia resulta da sua remoção mais eficiente do plasma, relativamente ao cérebro, com desenvolvimento do gradiente osmótico reverso. Este acúmulo intracelular de solutos como a ureia favorece o movimento da água para o espaço intracelular, provocando edema cerebral e aumento da pressão intracraniana (57).

Caso esta complicação se evidencie, a prescrição da diálise deve ser ajustada de forma a remover ureia e outros pequenos solutos a uma taxa mais lenta, podendo-se, para isso, diminuir as trocas dialíticas e aumentar o tempo de espera (57). Em casos mais graves, pode-se, alternativamente, administrar uma solução hipertónica (20 a 25%) de manitol, 0,5 a 1 g/kg IV, de forma a aumentar a osmolaridade do plasma e contrariar o gradiente osmótico. No controlo de convulsões pode-se administrar diazepam (0,5- 1mg/kg IV) (80).

8.4. Alterações gastrointestinais

Como referido anteriormente, alterações gástricas como náusea, vómito e anorexia são frequentes nos animais urémicos, no entanto podem também ser induzidas pela

diálise devido à hipotensão, desvio de sangue para o trato GI, alto fluxo ao iniciar a diálise e contaminações do dialisante (80) (98).

No maneio terapêutico destas alterações pode-se utilizar bloqueadores dos recetores H2 (do tipo 2 para a histamina) ou inibidores da bomba de protões, antieméticos e estimuladores de apetite, e, nos casos mais graves, considerar a nutrição parentérica (80) (98).

8.5. Alterações eletrolíticas

Comparada com a HD, a DP tem a vantagem de retirar líquidos e metabólitos plasmáticos diariamente, diminuindo o risco de grandes alterações hemodinâmicas.

No entanto, alterações eletrolíticas como hipo e hípercaliémia, hiponatrémia, hipomagnesemia, hipoclorémia e hiperglicémia foram reportadas em medicina veterinária no decorrer do tratamento de diálise (115).

A perda de potássio aumenta significativamente com o uso de diuréticos, presença de diarreia, vómitos ou outros, como fístulas e drenos. Por outro lado, os doentes podem apresentar ingestão baixa de proteínas e de alimentos ricos em potássio. A combinação, entre perda elevada e baixa reserva ou ingestão, pode contribuir para uma hipocaliémia grave em doentes submetidos a DP. A absorção constante de glicose, que ocorre em DP, quando se opta por soluções dialíticas contendo este agente osmótico, é acompanhada pelo aumento dos níveis sanguíneos de insulina. Em consequência, ocorre movimento constante do potássio para dentro das células, contribuindo para a hipocaliémia (115).

Ao longo do tratamento de HD os níveis séricos de potássio tendem a ser elevados. Já na DP, eles são normais ou tendem a ser baixos. Quando ocorre hipercaliémia na DP o problema está, geralmente, associado à inadequação dialítica. Porém, para ambas as modalidades dialíticas, as alterações nos níveis séricos de potássio parecem não levar a anormalidades significativas no eletrocardiograma (115)(116).

Apesar da maioria dos doentes com alterações na concentração de potássio serem assintomáticos, sinais clínicos como fraqueza, íleo paralítico, distúrbios neuromusculares e cardíacos são alguns dos que podem estar presentes, patenteando diferentes níveis de gravidade (115).

Níveis séricos baixos de ureia em doentes dependentes da diálise podem indicar ingestão deficiente de proteínas e, indiretamente, de potássio. Já a creatinina sérica baixa pode refletir a depleção da massa muscular corporal dos doentes (115).

A rápida absorção de glicose do dialisante para o sangue conduz ao surgimento de hiperglicemia em alguns doentes. Em certos doentes não diabéticos, é aconselhado o recurso a insulina para controlo da glicémia resultante (90).

8.6. Alterações peritoneais

As alterações peritoneais iniciam-se com modificações mesoteliais, envolvendo posteriormente, alterações submesoteliais, fibrose e vasculopatias. Após meses ou anos de DP em humanos, a fibrose é praticamente um achado constante (111) (117). Várias alterações morfológicas podem ocorrer no peritoneu, incluindo: denudação mesotelial, fibrose intersticial, neovascularização e alterações vasculares, como duplicação da membrana basal, fibrose e hialinização da parede vascular (55) (111) (118) (119).

Entre as causas sugeridas para tais alterações histológicas, enumera-se a natureza não fisiológica de certas soluções de DP, em particular, a sua alta concentração de glicose, hipertonicidade, lactato e baixo pH; a ocorrência de peritonites recorrentes; a libertação de plásticos dos materiais utilizados e os produtos finais da glicosilação (55)

(111) (118) (119)

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