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Cinética Enzimática e Métodos de Análise

Métodos Bioquímicos

4.2 Cinética Enzimática e Métodos de Análise

Reações catalisadas por enzimas podem ser estudadas através de vários métodos com a finalidade de explorar diferentes aspectos da atividade enzimática. As análises cinéticas são a maneira mais comum para elucidar aspectos relacionados ao mecanismo de reação e à interação das enzimas com inibidores100. A cinética do estado estacionário é amplamente utilizada nestes estudos, devido à conveniência para a interpretação de parâmetros importantes nas reações enzimáticas. Este tipo de análise baseia-se na análise da velocidade inicial (vo) de uma dada reação enzimática. A velocidade da reação é dada pela variação da concentração de substrato ([S]) ou de produto ([P]) em relação ao tempo. Se apenas o tempo inicial da reação é observado, esta variação é aproximadamente linear e a

velocidade é constante, porém, conforme o substrato é consumido, a velocidade da reação diminui progressivamente101.

A velocidade inicial é afetada principalmente pela concentração de enzima ([E]) e de substrato ([S]). Em uma determinada [E] e em baixas concentrações de [S], a velocidade aumenta linearmente com o aumento de [S]. Com o aumento progressivo de [S], a velocidade aumenta a uma taxa cada vez menor, até que finalmente é alcançado um platô onde a velocidade máxima (Vmax) é atingida, gerando uma função hiperbólica da velocidade em relação à [S] (Figura 18)102. Isto ocorre devido à natureza das reações enzimáticas, na qual a enzima e o substrato formam o chamado complexo enzima-substrato (ES), que posteriormente se separa regenerando a enzima livre e formando o produto de reação (Figura 19).

De acordo com este mecanismo geral de catálise enzimática, a velocidade da reação se torna função da concentração do complexo ES. A velocidade máxima é atingida quando virtualmente todas as moléculas de enzima estão sob a forma de complexo ES. Sob estas condições a enzima está saturada pelo substrato. Todas as enzimas que seguem este padrão hiperbólico de saturação pelo substrato são estudadas sob o prisma da cinética de Michaelis-Menten103.

Figura 18 – Velocidade inicial de uma reação enzimática em função da concentração de substrato.

Figura 19 – Esquema geral das reações enzimáticas.

Quando a enzima é colocada na presença de um grande excesso de substrato, a reação rapidamente atinge este estágio de saturação, denominado estado estacionário, onde a concentração do complexo ES se mantém constante.

A relação que descreve a dependência de vo em relação à [S] é a equação de Michaelis-Menten (Equação 1). Uma relação importante emerge desta equação: a concentração de substrato necessária para que a velocidade inicial atinja metade da velocidade máxima é equivalente ao valor de KM. Portanto, a constante de Michaelis- Menten (KM) pode ser utilizada como uma medida relativa da afinidade do substrato pela enzima. Os parâmetros Vmax e KM podem ser obtidos experimentalmente e são importantes na avaliação de inibidores enzimáticos104.

A velocidade inicial das reações enzimáticas é medida através do acompanhamento de um determinado sinal que se correlaciona com o consumo de substrato ou com a formação de produto. O sinal medido geralmente se baseia em uma determinada propriedade físico-química característica do substrato ou do produto da reação. A maioria dos ensaios enzimáticos baseia-se em métodos espectroscópicos. Os tipos de detecção espectroscópica podem ser: (i) direto, no qual a própria concentração de substrato ou produto pode ser medida no decorrer do tempo; (ii) indireto, no qual os analitos não produzem um sinal que os distingue dos outros componentes presentes no ensaio, sendo necessário a adição de uma segunda reação não-enzimática que proporcione um sinal que possa ser medido; e (iii) ensaios acoplados, nos quais a reação de interesse é acoplada à reações enzimáticas subsequentes, que produzem ou consomem um determinado reagente que pode ter sua concentração monitorada no decorrer do tempo. Em um ensaio acoplado típico, o produto da reação enzimática de interesse é o substrato para a reação subsequente. As enzimas que são adicionadas ao ensaio para viabilizar um meio de detecção adequado são as enzimas acessórias100,101.

Em teoria, várias reações podem ser acopladas através de intermediários comuns, porém limitações práticas surgem com o aumento do número de reações envolvidas. Cada enzima acrescentada adiciona dificuldades, à medida que as condições do meio reacional devem ser compatíveis com os requerimentos, às vezes divergentes, de cada enzima. Outro aspecto crítico para que dados corretos sejam coletados, é a necessidade de que a velocidade seja limitada pela reação de interesse e não pelas reações acessórias. Por este motivo, ensaios acoplados requerem que as concentrações das enzimas acessórias sejam muito maiores do que a concentração da enzima alvo. Também é necessário assegurar que as medidas sejam realizadas apenas no intervalo correspondente ao estado estacionário (porção linear da reação)102.

Os métodos espectrofotométricos são muito utilizados para monitorar as reações enzimáticas. Baseiam-se na capacidade do analito em absorver radiação eletromagnética em determinados comprimentos de onda. A grande utilidade destes

métodos como ferramenta analítica é o fato de que a absorção de energia radiante por uma molécula em determinado comprimento de onda pode ser correlacionado à sua concentração, de acordo com a lei de Beer (Equação 2)105.

Sendo A, a absorbância da amostra em determinado comprimento de onda; c, a concentração do analito; l, o caminho ótico da amostra; e ε, a absortividade molar da molécula. Utilizando a lei de Beer, a variação da absorbância em um determinado intervalo de tempo corresponde à velocidade da reação.

Sob o ângulo da cinética do estado estacionário, foi desenvolvido para a aldolase de T. brucei um ensaio cinético padrão para a avaliação de candidatos a inibidores selecionados por triagem virtual. Os ensaios foram conduzidos à 25ºC, pH 7,6, utilizando-se o método de espectrofotometria no visível, com comprimento de onda de 405 nm. O método consiste em um ensaio enzimático acoplado, envolvendo as enzimas acessórias: triose-fosfato isomerase (TIM) e glicerol-3-fosfato desidrogenase (GDH). Um dos substratos da GDH, a tionicotinamida adenina dinucleotídeo (T-NADH) é a espécie que foi utilizada para monitorar a velocidade da reação, por apresentar uma forte absorção da radiação a 405 nm. Quando convertido a sua forma oxidada (T-NAD+), a molécula deixa de absorver neste comprimento de onda. O esquema do ensaio acoplado utilizado para avaliar os inibidores adquiridos é ilustrado na Figura 20.

Figura 20 – Esquema do ensaio acoplado utilizado para monitorar a velocidade da reação da

aldolase. FBP (frutose-bifosfato); GAP (gliceradeído-3-fosfato); DHAP (diidroxiacetona fosfato); G3P (glicerol-3-fosfato). A numeração corresponde às reações catalisadas pela aldolase (1); triosefosfato-isomerase (2) e glicerol-3-fosfato desidrogenase (3).

Capítulo

5

Padronização dos Protocolos