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2. CURITIBA: COTIDIANO DE GUERRA E CRIAÇÃO DE UM FRONT INTERNO

2.3 A mobilização para a guerra: escassez de produtos x mobilização econômica

2.3.2 O cinema contra o “barbarismo” do eixo

Os meios de entretenimento também tiveram suas programações alteradas, os cinemas eram obrigados a exibir duas vezes por mês os comunicados do governo e por diversas vezes exibiam filmes e documentários de guerra. Uma depoente curitibana opina sobre as sessões de cinema em Curitiba:

Era só filmes de guerra que passava. Documentário, a gente assistia, ia ao cinema e assistia muito jornal, documentário, aquilo, os filmes que vinham dos Estados Unidos(...). Era só filme de guerra em que o bandido era sempre o alemão, depois os japoneses, depois os italianos (...)44

Ao analisar alguns dos periódicos divulgados em Curitiba, percebemos que havia várias chamadas do DIP para que a população fosse ao cinema assistir aos

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comunicados e os anúncios oficiais. No Cine Luz no Paraná, em meados de 1942, foi realizada uma sessão cinematográfica especial, que contou com a presença do interventor Manoel Ribas, do Capitão Fernando Flores, do prefeito, do arcebispo, de inúmeros jornalistas e figuras importantes da política. A sessão, composta de cinco apresentações recém-criadas pelo DIP, de acordo com a matéria do jornal45 foi aclamada por todos e logo após o término das exibições na capital seria dirigida a outras cidades do Paraná a fim de informar também as populações do interior.

Os filmes exibidos tinham temas completamente voltados às questões da pátria e da guerra. Boschilia expõe que "as salas apresentavam quatro sessões diárias, sempre a partir da 14 horas. Antes do filme, assistia-se aos cines-jornais nacionais e internacionais com informações da guerra, do mundo e do Brasil" (1995, p. 46). Nos cartazes abaixo, podemos evidenciar os títulos de alguns filmes que estavam em cartaz à época.

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FIGURA 4 - Cartaz Cine Curitiba

Fonte: Gazeta do Povo, Curitiba, 04 de maio de 1943, p. 05 – Biblioteca Pública do Paraná

FIGURA 5 - Cartaz Cine Imperial

Fonte Gazeta do Povo, Curitiba, 05 de maio de 1943, p. 05 – Biblioteca Pública do Paraná

Nos jornais da época era possível contemplar diariamente a programação cultural e o que estava em cartaz nos cinemas e nos teatros. Convém lembrar que não havia uma quantidade tão grande de salas e tampouco grande variedade de filmes e apresentações. No primeiro cartaz, evidenciamos a apresentação de uma reportagem nacional no Cine Luz que trata do encontro entre Vargas e Roosevelt na base de Natal, RN, assunto estritamente político e que não nos parece ser um tipo de programação que lotaria a sala de exibição. Todavia, temos que convir que boa parte da programação era de autoria do Departamento de Imprensa e Propaganda; logo, não havia muitas escolhas e as poucas que havia passavam pelo crivo severo do governo.

No Imperial – que junto com o Luz, o Ópera, o Palácio, o Avenida e o Independente compunham os mais luxuosos cinemas de Curitiba – a exibição de cinematografia parece ser bem mais convidativa, já que se trata de um "drama alucinante da atualidade mundial". Embora o mesmo não pedesse os motes de guerra e tivesse seu tema central voltado às questões políticas internacionais, ainda assim merecia mais animação do que assistir ao encontro de militares na base de Natal.

Todas essas notícias nos ajudam a demonstrar como estava formado o tráfego de informações entre o governo e a população, como eram permeadas as questões do dia-a-dia. Todas as intervenções tinham seus desdobramentos no cotidiano da população curitibana, e o próprio ato de assistir a um filme era cerceado pelo DIP, as raras opções de entretenimento também estavam sob o controle do Estado, em nome de um nacionalismo recente que precisava ganhar força dentro das comunidades para que se tornasse legítimo.

O DIP ainda exibia regularmente uma espécie de "cinema educativo" com entrada franca e com intuito de informar e instruir toda a população:

Dentre os filmes da atualidade de guerra será projetado na tela o filme "Combate as bombas incendiárias", filme este que instrue [sic] a todo

o cidadão como deve precaver-se contra as bombas incendiarias e o cuidado que deve ter para combatê-las. É uma película que também interessa os donos de casa. Alem do filme já mencionado

serão exibidos hoje [...] "Notícias da guerra" que nos mostra fases as mais recentes da guerra atual. [...] (Grifo nosso) (Gazeta do Povo, Curitiba, 05 de maio de 1943, p. 06).

Essas apresentações eram constantes, tinham total divulgação na imprensa curitibana e faziam parte da programação do DIP para que os cidadãos tivessem a versão oficial – no caso a versão do DIP – dos fatos de guerra e das ações tomadas pelo governo nacional. Entre as inúmeras chamadas existentes nos jornais para apresentações do mesmo teor, destacamos a pequena passagem acima que ressalta a importância do combate às bombas, pois boa parte dessas notícias tinha a função de amedrontar a população, dela aproximando os fatos e os perigos de guerra, da mesma forma que seriam executados em Curitiba quatro exercícios de blecaute – os quais trataremos posteriormente –, enfatizando o perigo de um ataque aéreo em massa por agentes da força aérea alemã.

O medo auxilia na produção de sujeitos que temiam a guerra, o medo ajuda no alinhamento da população aos mandos e desmandos do governo, a falsa ideia da guerra ser realizada no "próprio quintal" fazia com que a população não contestasse a legislação, não reclamasse dos decretos restritivos e muito menos se revoltasse com o regime autoritário estadonovista. De Fáveri (2005) postula que a cultura do medo viabiliza a mobilização para a guerra, auxilia na construção de um inimigo comum – nesse caso os imigrantes e descendentes de alemães – e no funcionamento de todo o aparato repressivo, alterando ainda profundamente o decorrer do cotidiano.

É interessante frisar que desde o Ofício n° 3601, d e 17 de junho de 1940, expedido pelo Capitão Fernando Flores para todos os principais jornais e rádios de Curitiba e região, atendendo às rigorosas recomendações do DIP eram impostas as

seguintes proibições a toda imprensa: a) Proibidos todos os comentários acerca da situação do Brasil frente à America e à guerra europeia, visando à manutenção da neutralidade sustentada pelo país; b) Publicar fatos passados do país que possam ferir a neutralidade; c) Publicar manifestações políticas partidárias ocorridas na América; d) Noticiarem perturbação da ordem nacional ou americana; e) Mencionar a expressão "quinta coluna". O chefe de polícia Fernando Flores ainda acrescenta que rigorosa fiscalização será realizada visando a manter as normas supracitadas vigentes.

A cópia do telegrama consta na pasta da Secretaria do Interior e Justiça e tem ciência dos principais jornais e da única rádio da capital, dando aval às notificações do DIP, O dia; Gazeta do Povo e a Radio PRB-2, o espaço referente ao Diário da Tarde e a Gazeta do Povo está sem assinar, o que necessariamente não significa o não cumprimento das ordens.

Essas recomendações foram suspensas automaticamente com o rompimento das relações comerciais e diplomáticas com o Eixo, e tumultuariam as páginas de jornais a partir de 1942 com os mais variados termos para definirem os inimigos de guerra e com as mais intensas notícias do conflito bélico mundial.