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Capítulo I – A Década de 1950 nos Estados Unidos da América

1. Contextualização Política e Sócio-Cultural

1.4. Sétima Arte: Instrumento de Intervenção Social

1.4.3. O Cinema ao Serviço do Establishment

Se considerarmos que o cinema pode constituir um poderoso meio de propaganda da ideologia dominante, ou, por oposição, um instrumento eficaz de a combater, devido ao poder avassalador que exerce sobre a opinião pública, julgamos oportuno destacar e reflectir sobre os diferentes papéis que este tem desempenhado na sociedade. Referiremos, em particular, o cinema de Hollywood, na década de 1950, uma vez que o objecto da nossa análise é uma obra cinematográfica que se reporta a esta período histórico.

McCarthy procurou garantir todas as frentes, exercendo, do mesmo modo, uma enorme pressão sobre a indústria de entretenimento, em especial a televisão e, sobretudo, o cinema. Apesar de famosa, esta fábrica de sonhos, foi na época McCartista, palco de um dos cenários mais dramáticos da História do cinema americano. O clima de delação que se vivia no país conduziu à deterioração das relações sociais e atingiu camadas diversificadas da sociedade americana, organismos privados e públicos. A indústria de entretenimento, com realce para o cinema de Hollywood, foi, também, afectada por esta política que exerceu uma profunda e nefasta influência neste campo, através da The House Un-American

Activities Comittee, H.U.A.C. Este organismo, criado em 1938, pela Câmara dos

Representantes, tinha como objectivo neutralizar ou destruir as organizações que agissem na clandestinidade ao serviço de países estrangeiros, eclodiu de novo na década de 1950, recebendo denúncias de infiltrações comunistas em Hollywood, o que serviu de pretexto para perseguir e acusar actores, argumentistas e realizadores.

Organizações como a Motion Picture Alliance for the Preservation of

American Ideals, liderada pelos actores Sam Wood e Gary Cooper, disponibilizou

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Senado Americano, presidida pelo republicano Parnell Thomas, uma lista com centenas de nomes de profissionais do cinema que seriam, em sua opinião, responsáveis por uma propaganda comunista que subvertia o cinema de Hollywood.

Na posse de delações e com o apoio, inclusive, de actores de Hollywood, este comité procedeu à intimação de quarenta e três profissionais de cinema, tendo dezanove testemunhas recusado colaborar com as comissões de inquérito, apelando ao First Amendment of the Constitution of the United States of America, garantia da liberdade de opção política ou religiosa nos Estados Unidos da América. René Veillon Olivier, autor de vários livros sobre cinema, argumenta que:

Os anos cinquenta (…) cavam na história do cinema norte-americano uma profunda fractura. Hollywood no apogeu do seu poderio, encontrava-se mergulhada, com as primeiras audiências da Comissão de Inquérito às Actividades Antiamericanas (…) numa grave crise de confiança. (Olivier 1985: 11)

Na sequência desta tomada de posição, estes profissionais do cinema foram submetidos a interrogatórios que tiveram lugar em Washington. Contudo, apesar dos riscos em que incorriam, algumas estrelas de cinema da época, lideradas por uma comissão de apoio mobilizada pelos realizadores William Wyler e John Huston e pelo escritor Philip Donne, estiveram presentes durante estes interrogatórios procurando demonstrar a sua indignação quanto aos métodos repressivos e inquisitórios perpetrados pela H.U.A.C.

Um dos actores indiciados neste processo, John Howard Lawson, acusou a H.U.A.C. de violar os direitos dos cidadãos e atentar contra os princípios básicos da democracia americana. Este grupo de profissionais de cinema ficou conhecido como The Hollywood Ten e era constituído por: Alvah Bessie, Herbert Biberman,

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Lester Cole, Edward Dmytryk, Ring Lardner, Jr, John Howard Lawson, Albert Maltz, Samuel Ornitz, Adrian Scott, Dalton Trumbo. Estes profissionais consideravam o cinema um veículo de mudança e acreditava que a sétima arte detinha um papel fundamental na transformação do mundo, o que justificava a sua intervenção na defesa dos cidadãos através de filmes que privilegiavam causas sociais e políticas e evidenciava os problemas das classes mais desfavorecidas.

A H.U.A.C. definiu, também, o que considerava antiamericano, demonstrando um nacionalismo dogmático, pouco aberto ao americanismo moderno, consequência da expansão industrial e financeira do pós-guerra, realçando com esta atitude, as raízes ideológicas profundas que se prendem com a mentalidade puritana, agrária e patriarcal que foram responsáveis por um tradicionalismo retrógrado que os adeptos do McCartismo procuraram fazer prevalecer.

Este organismo considerou antiamericanos filmes cujas personagens reflectissem as injustiças ou os descontentamentos provocados por uma nova ordem e por uma sociedade em ebulição. Deste modo, não eram consideradas patrióticas obras cinematográficas que referenciavam congressistas desonestos, soldados desiludidos, vilões ricos. As alusões às injustiças sociais, aos erros do sistema político e financeiro instituído eram reprimidas, permitindo-se apenas a apologia das virtudes do capitalismo em ascensão e da política do regime.

Neste contexto, cinquenta membros da Associação de Produtores de

Cinema realizaram uma reunião da qual saíu a Declaração do Astória, que

instituía as listas negras e obrigava os profissionais de cinema e retratarem-se como anticomunistas ou arrependidos. Na sequência destas medidas, os informadores proliferaram e a desconfiança instalou-se. Os Dez foram confinados ao isolamento e os argumentistas de esquerda foram afastados pela Associação de

Argumentistas71.

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Em consequência desta política, a Motion Picture Association of America, divulgou, através da imprensa, as razões impeditivas de contratação empresarial Hollywoodiana que se prendiam com suspeitas de actividades subversivas ou recusa de colaboração com a H.U.A.C., bem como a não prestação de juramento de lealdade ao governo federal. Deste modo, o cinema de Hollywood foi um espelho da situação política nacional e internacional que se vivia nos anos de 1950.

Este ataque à indústria cinematográfica deixou marcas tão profundas que levaram realizadores como Elia Kazan a fazer depoimentos e denúncias, apesar do enorme prestígio de que desfrutava e tivesse estado filiado no Partido Comunista americano e realizado, de 1949 a 1952, oito longas-metragens, fazendo referência, embora de maneira cautelosa, a problemas e conflitos como o racismo, o anti- semitismo, a corrupção e a saúde pública.

Este realizador teve uma atitude controversa, deixando perplexas as forças antagónicas deste período histórico. As contradições com que se defrontou a sociedade americana em geral chegaram, inclusive, ao comportamento individual de cidadãos e figuras públicas, o que reflecte a confusão e a perturbação da própria sociedade. Walt Disney, figura de destaque do meio cinematográfico, também consta da lista de delatores.

Em 1954, o país assistiu, pela televisão, a audiências de cidadãos promovidas pelo Senado, nas quais estiveram presentes, ao serviço do regime, senadores como Ronald Reagan e Richard Nixon, membro da HUAC. René Veillon Olivier sublinha, a propósito desta questão:

A retransmissão pela televisão dos depoimentos dos actores, realizadores e produtores convidados a testemunhar sobre a influência comunista nos meios cinematográficos condenou um mundo mítico a um ritual de humilhação do qual ele saía diminuído. Esta encenação contribuiu (…) para denegrir o sistema de Hollywood.” (11)

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Argumentistas como John Howard Lawson procuraram minimizar esta crise organizando grupos de pressão, com vista à criação de filmes de vertente social progressista, mas sem resultado, pois a apetência por cenários de fantasia povoados de estrelas de cinema sobrepunha-se ao interesse pela luta ideológica, o que deixava expressa a consecução dos objectivos de McCarthy nesta área.

O Senador soube utilizar com inteligência e mestria os meios de comunicação e a indústria cinematográfica para lutar contra a ideologia marxista, bem como a necessidade da sua erradicação, sob pena do país se ver confrontado com o perigo da institucionalização da subversão. O senador serviu-se destes meios para fazer a propaganda do regime, transformando-os em formas redutoras da liberdade e da democracia e instrumentos de coacção e delação. Muitos cidadãos foram coagidos a testemunhar contra os alvos da denúncia efectuada, pois caso não colaborassem eram incluídos na referida lista. A situação que se vivia constituiu uma violação dos direitos dos cidadãos e não foi tolerada por muitos americanos que abandonaram o país, como o actor Charlie Chaplin.