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Mapa 7 Fluxo Internacional de Compradores de Confecção em Fortaleza

2 CIRCUITOS DA ECONOMIA URBANA E O COMÉRCIO DE

2.3 Circuito inferior de venda de confecção e as redes técnicas e de

A análise da dinâmica de um mercado requer, entre outros elementos, o entendimento de como esse mercado é mantido. Ou seja, é necessário identificar e compreender quais são os fluxos envolvidos e como eles se organizam no espaço,

22 Os setores de Serviços e Administração Pública foram os dois maiores geradores de empregos formais em 2010 gerando respectivamente 38,99% e 21,69% postos de trabalho formal.

dinamizando o comércio. Dessa maneira, ao estudarmos o mercado de confecção de Fortaleza, torna-se imprescindível compreender como funcionam os fluxos de pessoas, mercadorias e informações, e quais os fatores que condicionam e movimentam a dinâmica regional desse mercado.

Para tanto, propomos uma análise que considere também o entendimento das redes, que constitui uma forma de organização espacial, sendo, portanto, um estudo pertinente à nossa pesquisa. Autores como Santos (2014), Dias (2007a, 2007b, 2008), Corrêa (2005), entre outros, apresentam importantes contribuições acerca do conhecimento das redes. A finalidade aqui não é aprofundar essa discussão, mas apropriar-se desses estudos de forma a complementar nosso entendimento sobre o mercado de confecção de Fortaleza e seu papel nos circuitos da economia urbana da cidade.

Para Corrêa (2005 p. 93),

[...] a rede urbana é um produto social historicamente contextualizado, cujo papel crucial é o de, através de interações sociais espacializadas, articular toda a sociedade numa dada porção do espaço, garantindo sua existência e reprodução.

De modo visível ou não, a rede urbana é a expressão mais acabada, conhecida e estudada das redes geográficas. Ela é o meio através do qual produção, circulação e consumo se realizam efetivamente, refletindo e reforçando as características sociais e econômicas do território (CORRÊA, 1989).

De acordo com o citado autor, a existência de uma rede demandaria as seguintes condições: uma sociedade vivendo em economia de mercado; pontos fixos no espaço onde são efetivadas as transações, de modo permanente ou transitório; um mínimo de interação entre esses pontos fixos.

Nesse sentido, considerando o pensamento do autor – que apresenta a definição de rede urbana, seu papel enquanto produto e condição social, bem como suas condições de existência –, pensamos em como proceder ao analisar o papel e a importância de uma cidade em dada rede urbana.

Segundo Corrêa, a posição da cidade na hierarquia urbana não daria conta de explicar sua importância, sendo necessário considerar sua especialização funcional. Desse modo, o autor atenta para o fato da crescente complexidade funcional dos centros, ao afirmar:

A industrialização, a melhoria geral na circulação, o desenvolvimento de uma estratificação social mais complexa, criando níveis de demandas mais diferenciadas, a modernização do campo e a incorporação de novas áreas, levaram a uma complexificação funcional dos centros urbanos brasileiros (CORRÊA, 2005, p. 99).

No espaço urbano dos países pobres, essa complexidade funcional pode ser vislumbrada no desdobramento de dois circuitos econômicos, imbricados de tal forma que se tornam muitas vezes difícil detectar e analisar as nuances, estratégias e constantes transformações de cada circuito urbano.

Assim, na nossa análise, pensar a metrópole Fortaleza, requer uma reflexão sobre a importância de sua especialização confeccionista, compreendendo produção, distribuição e comércio organizados de forma singular no espaço urbano da cidade, observando os fluxos que abrangem os centros urbanos de quase todas as regiões do país.

Corrêa, em seus estudos sobre as redes, nos quais apresenta as características e classificação delas, destaca em vários momentos a importância dos circuitos da economia urbana, considerando-os uma forma de organização de rede, já que, para o autor,

[...] há redes que se caracterizam pela existência de uma cidade primaz e ausência de centros intermediários, pela existência de dois circuitos, pela variação temporal da função de distribuição, quer sazonal quer semanal [...] (CORRÊA, 2005, p. 25, grifo nosso)

Ao abordar as redes de localidades centrais nos países subdesenvolvidos, Corrêa destaca que elas se caracterizam por três modos de organização que podem coexistir na mesma rede regional: as redes dentríticas; os mercados periódicos; o

desdobramento da rede em dois circuitos econômicos. O autor acrescenta que “a rede de localidades centrais dos países subdesenvolvidos é uma das dimensões espaciais (talvez a mais importante) dos dois circuitos da economia urbana” (CORRÊA, 2005, p. 77).

É através das redes hierarquizadas que se realiza a articulação entre a produção e o consumo, e entre esses dois elementos se estabelece a distribuição, que desempenha importante papel na organização espacial (Corrêa, 2005). Entendemos que produção, a distribuição e o consumo exercem significativa influência na organização do espaço urbano.

No mercado de confecção de Fortaleza, a produção concentra-se na capital e na região metropolitana; já a distribuição e o consumo ocorrem em duas localidades: no centro, principal ponto de drenagem da capital, e desse ponto de escoamento para o interior do estado e outras regiões do país. Salientamos que, no caso da produção confeccionista da capital cearense, muitas das facções estão instaladas em residências, tornando-se dessa forma invisíveis para a sociedade e para o poder público (SANTOS, Marlon, 2014).

Nesse sentido, torna-se relevante pensar na dinâmica proporcionada pela concretização do elo entre a produção e consumo – a distribuição, no caso, a distribuição em rede nacional. Essa circunstância nos leva a alguns questionamentos:  Podemos pensar, hoje, em uma integração territorial?

 Havia, antes, uma maior fragmentação do território?

 Qual o diferencial do atual momento marcado pela globalização?

Ao analisar as tendências da rede urbana brasileira, Corrêa (2005) expõe que a integração interna do país é relativamente recente. Sua efetiva integração se deu principalmente a partir do forte processo de industrialização da década de 1950. O autor acrescenta:

A crescente divisão internacional do trabalho e a necessária ampliação das articulações inter-regionais via telegráfica, ferroviária, rodoviária e pelas modernas e sofisticadas redes de comunicação gerou uma rede urbana efetivamente nacional (CORRÊA, 2005, p. 101).

Contudo, a rede urbana brasileira é também desigualmente integrada, mesmo com maiores possibilidades de integração entre metrópoles, centros regionais e até mesmo pequenos centros urbanos, fato que revela claramente os resultados de um desenvolvimento capitalista que acentua as diferenças entre os diversos segmentos da rede urbana (Corrêa, 2005).

Milton Santos (2014), ao definir o que é uma rede, expõe que suas definições admitem duas grades matrizes, uma que versa sobre seu aspecto material e outra que aborda o dado social. A primeira definição considera toda a infraestrutura que se inscreve sobre o território; a segunda é “social e política, pelas pessoas, mensagens e valores que a frequentam ”. Apesar da materialidade com que se impõe aos nossos sentidos, a rede é, na verdade, uma mera abstração (SANTOS, Milton, 2014). Assim, “[...] a primeira característica da rede é ser virtual. Ela apenas é realmente real, realmente efetiva, historicamente válida, quando utilizada no processo da ação” (SANTOS, Milton, 2014, p. 277).

Esse é um ponto interessante em que nos deteremos com maior atenção por considerarmos importante no desenvolvimento de nossa análise: discutir sobre as redes e sua relação com o território. Nesse sentido, analisando as redes a partir da realidade atual, Milton Santos (2014, p. 263) apresenta que

[...] o estudo atual supõe a descrição do que a constitui, um estudo estatístico das quantidades e das qualidades técnicas, mas também, a avaliação das relações que os elementos da rede mantêm com a presente vida social, em todos os seus aspectos, isto é, essa qualidade de servir de suporte corpóreo do cotidiano.

Dias (2007, p. 22) corrobora o pensamento de Santos, ao conceber a rede enquanto produto social, quando diz que “a rede, como qualquer outra invenção humana, é uma construção social. Indivíduos, grupos, instituições e firmas desenvolvem estratégias de toda ordem (políticas, sociais, econômicas e territoriais) e se organizam em rede”.

O autor acrescenta que “a rede não constitui o sujeito da ação, mas expressa ou define a escala das ações sociais”, e, além disso, “as escalas não são dadas a priori, são construídas nos processos” (DIAS, 2007, p. 19). A autora ainda

apresenta interessante contribuição ao tratar as redes a partir de uma análise territorial. Segundo ela, a lógica territorial resulta de dois mecanismos: os endógenos e os exógenos, explicando que

[...] os endógenos – [são] relações que acontecem nos lugares entre agentes conectados pelos laços de proximidade espacial – e os mecanismos exógenos – [são os] que fazem com que um mesmo lugar participe de várias escalas de organização espacial (DIAS, 2007, p. 20).

Para Dias (2008), a rede aparece como viabilizadora de duas estratégias: “circular” e “comunicar”, elementos extremamente importantes quando se pensa em mercado. Cunha (2002, p. 268) acrescenta:

Circulação e comunicação estão a serviço das redes e, por sua vez, as redes de circulação e comunicação contribuem para modelar o quadro espaço- temporal que é todo o território. A utilização de uma rede depende dos meios à disposição (energia e informação), dos códigos técnicos, sociopolíticos e socioeconômicos, assim como dos objetivos dos atores.

Milton Santos (2014, p. 268), a respeito da circulação, afirma que “o próprio padrão geográfico é definido pela circulação, já que esta, mais numerosa, mais densa, mais extensa, detém o comando das mudanças de valor no espaço”. Silva Júnior (2004, p. 25) complementa:

O predomínio da circulação geográfica sobre a produção stricto sensu, no mundo contemporâneo, pressupõe fluidez, que hoje é produzida pela racionalidade técnica e científica que se materializa no desenvolvimento dos processos logísticos e na formação de redes, proporcionando a otimização da gestão do capital.

Assim, entender o que favorece os fluxos de pessoas, mercadorias e informações torna-se ponto interessante. Santos (2014, p. 275) ressalta que “não basta, pois, produzir. É indispensável por a produção em movimento. Em realidade, não é mais a produção que preside a circulação, mas é esta que conforma a produção”.

Essa observação nos remete às redes técnicas. Segundo Dias (2008, p. 141), “toda a história das redes técnicas é a história de inovações, que, uma após as outras, surgiram em resposta a uma demanda social antes localizada do que uniformemente distribuída”. E na atual conjuntura são as redes técnicas que dão suporte aos fluxos.

Nesse sentido, destacamos as redes técnicas e de informação. Destarte, algumas questões nos instigam:

 Qual o papel das redes rodoviárias e das redes de informação na consolidação do mercado de confecção de Fortaleza?

 Qual o seu significado?

Autores como Milton Santos (2014), e Costa e Ueda (2007) expõem que as redes técnicas são materiais e sociais. Já mencionamos que elas podem também ser visíveis ou invisíveis e, assim, esboçam uma realidade complexa na qual a intencionalidade dos que estão inseridos em sua dinâmica torna-se significativa para seu entendimento. Costa e Ueda (2007, p. 135), em interessante abordagem sobre redes técnicas e território, expõem que

[...] não é compreender o objeto que se torna o mais importante, mas o conteúdo das ações que os produzem e os põem em funcionamento. Assim, uma rede é um artefato técnico implantado em determinado espaço com a função de exercer um poder de conexão de pontos e passagem de fluxos; mas ela é também as relações que animam esses artefatos técnicos.

Nesse sentido, compreender como os atores sociais comportam-se e atuam, dando significado e dinâmica à rede, torna-se importante para entender o papel dessa rede na organização do espaço. Em relação ao mercado de confecção de Fortaleza, abordaremos a ação de seus agentes em um outro capítulo do trabalho.

Os autores acima citados, baseados no pensamento de Bassand (2002), que foca a interação território-rede, atentam para o fato da existência de vários atores como os atores econômicos, políticos, profissionais da rede, os usuários da rede e os excluídos do acesso à rede. Salienta-se que esses agentes não desempenham funções isoladas nessa dinâmica.

Pereira (2009, p. 122), ao abordar esse tema, apresenta que as redes técnicas ou de infraestruturas “são aquelas que dão suporte ao fluxo de materiais e informações, redes de transporte (rodovias, ferrovias, etc), e as de comunicação e informação (infovias, internet, sistemas de comunicação via satélite, etc.) ”.

Quanto às redes de transporte, o autor expõe que elas “na maioria das vezes estão ligadas ao trabalho da produção hegemônica (referência)?”. Contudo, como é típico das atividades do circuito inferior da economia urbana, os agentes que fazem parte da dinâmica do mercado de confecção de Fortaleza aproveitam as melhores oportunidades para permanecer ativos, ou seja, desenvolvem estratégias para sobrevivência diante das mudanças socioespaciais e dessa forma também contribuem para as transformações dos espaços nos quais se inserem.

Sobre as redes técnicas Dias (2007, p. 21) destaca:

A principal política espacial implementada na última década foi orientada pela lógica das redes; a concepção que estava subjacente à proposta dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento (ENID) implementada durante o governo FHC, considerava as redes de transporte como fatores de desenvolvimento e de integração regional [...].

Além disso, nas últimas décadas, as redes técnicas no Brasil passaram a ser preponderantemente controladas pela iniciativa privada. Tal fato não significou a redução do Estado “quanto ao seu papel político de ‘gestor’ dos conflitos no território”, mas sim, o desenvolvimento de novas estratégias de gestão e ordenamento, até porque é o Estado o responsável e o detentor do poder de normatizar o espaço. “Assim, ao lado dos atores econômicos, como as grandes empresas, constituindo uma relação de parceria na implantação de redes técnicas, estão os atores políticos, como o Estado” (COSTA e UEDE, 2007, p. 136).

Milton Santos (2008, p. 161), ao discutir a relação entre o Estado e o circuito moderno, explica que “o Estado apresenta-se como aliado do circuito moderno da economia nos países subdesenvolvidos. O apoio que ele dá às diferentes modalidades de modernização tecnológica assume os mais variados aspectos”.

Assim, o interesse na fluidez perpassa pela ação conjunta do poder público e da iniciativa privada. Cabe ao Estado direta ou indiretamente “prover o território dos macrossistemas técnicos sem os quais as demais técnicas não se efetivam” (Santos, Milton, 2014, p.172). Por outro lado, visando seu próprio interesse mercantil as empresas estabelecem redes privadas

Em relação ao Brasil, o Estado favoreceu o comando das grandes empresas sobre as redes técnicas, como Costa e Uede (2007, p. 45) afirmam:

Nesse aspecto, o processo de desestatização das redes técnicas no Brasil, que ganhou mais expressividade no governo de Fernando Henrique Cardoso – 1995-2002 (VELASCO JR, 1997), significou a saída do Estado brasileiro do controle das redes. Todavia, o Estado não deixou de atuar na promoção da infraestrutura, como acontece no caso da construção de novas redes que beneficiam o setor privado, a exemplo da construção da Ferrovia Norte Sul nos estados de Goiás, Tocantins, Maranhão e Pará, que irá beneficiar, sobretudo, o escoamento da produção agrícola, com grande destaque para a soja.

Desse modo, o território é influenciado e controlado pelos que detêm o domínio das redes técnicas, mas o território também é condição de desenvolvimento dessas novas tecnologias. Nesse sentido, para Silveira (2003, p. 6),

[...] devemos pensar a rede técnica como um elemento que abre um horizonte de possibilidades em relação ao desenvolvimento de um dado território. A instalação e o aproveitamento das redes técnicas, engendrados por uma dada dinâmica social e econômica, e expressão de relações de poder existentes no lugar, tornam aparente tanto as potencialidades como os constrangimentos ao desenvolvimento social e espacial do território.

Assim, no comando das redes técnicas, as grandes empresas exercem o poder sobre o território, excluindo outros agentes sociais, mas sem ignorá-los e deixá- los sem força no exercício do poder. Pois, nas redes, “o ideal do exercício do poder não consiste em impedir a ação, mas em impulsioná-la e, em certos casos, até produzi-las” (COSTA e UEDA, 2007, p.139). E o impulso se dá pela queda dos entraves à mobilidade, ou seja, pelo incentivo à fluidez. E no contexto de globalização, destacam-se e exigem-se fluidez, eficácia na circulação de pessoas, mercadorias,

informações e capital. Dessa forma, o papel das redes técnicas na atual conjuntura é de extrema importância, como ressalta Silveira (2003 p. 6):

Nesse contexto, de afirmação do espaço dos fluxos, não há como não considerar o fato de que a fluidez e a funcionalidade técnica requerida ao território evidenciam a importância estratégica e funcional das redes técnicas. Nesse aspecto, as reflexões quanto aos efeitos e às determinações do processo de globalização da economia em relação ao papel das redes e sua relação com a produção e organização do espaço geográfico em geral, e do território em particular, adquirem fundamental importância.

Assim, graças aos progressos técnicos e às formas atuais de desenvolvimento da economia, cada vez mais as redes de comércio, produtivas, de transporte e de comunicação são globais (SANTOS, 2014). Além disso, segundo o referido autor, podemos descobrir o movimento global através do particular, ou seja, as manifestações locais também são importantes no entendimento das redes. Para Santos, o lugar é onde

[...] fragmentos da rede ganham uma dimensão única e socialmente concreta, graças à ocorrência, na contiguidade, de fenômenos sociais agregados, baseados num acontecer solidário, que é fruto da diversidade e num acontecer repetitivo, que não exclui a surpresa (SANTOS, Milton, 2014, p. 270).

Igualmente, no contexto da economia globalizada, Rogério Silveira (2003) traz interessante discussão acerca das implicações do global sobre o lugar. Conforme o autor, diante de significativas mudanças tecnológicas e produtivas, ocorrem mudanças nas formas espaciais, além de uma nova lógica espacial na qual o espaço dos fluxos tende a sobrepor-se ao espaço dos lugares. Nesse sentido, há uma redefinição do lugar “a partir do potencial integrativo do novo padrão tecnológico”, principalmente das redes informacionais que se estabelecem em escala planetária.

Assim, é simplesmente contraditória a ideia de que os lugares sejam indiferentes à economia pura de fluxos “devido, antes de tudo, à crescente polarização geográfica das atividades” (Silveira, 2003). Concordando com Veltz (1999), Silveira (2003, p. 7) acrescenta que o desafio é “compreender como a economia global funde

suas raízes, de múltiplas maneiras, nas estruturas territoriais históricas, e como o global se nutre constantemente do local transformando-o”. Diante do que foi exposto, Silveira (2003) enfatiza que é incoerente a afirmação de que a universalização das redes técnicas homogeneíza o espaço e consequentemente desterritorializa o lugar. O autor lembra que

[...] se a realidade da interação entre redes e territórios contradiz os mitos de desterritorialização e de dualidade do espaço, isso não significa, contudo, afirmar a neutralidade das redes técnicas em relação à dinâmica territorial. Para ele (quem?), a verdadeira eficácia territorial das redes é designada pelo fato de que elas “tornam possível a criação ou o reforço da interdependência entre os lugares”. Ou seja, através das redes os territórios formam um sistema. (SILVEIRA, 2003, p.8).

Sobre a discussão acerca da possível homogeneização do espaço pelas redes, Milton Santos (2014, p. 268) deixa bem claro que não existe homogeneidade do espaço, assim como não existe homogeneidade das redes, assinalando que a ideia de homogeneização é um mito, até porque “o espaço permanece diferenciado e esta é uma das razões pelas quais as redes que nele se instalam são igualmente heterogêneas”.

Diante das discussões apresentadas até agora, levantamos o questionamento: como o sistema de infraestrutura viária contribuiu para o fortalecimento do mercado de confecção de Fortaleza nas últimas décadas? Vimos que, desde a segunda metade dos anos noventa, a maior parte do controle das redes técnicas de locomoção passou para as mãos da iniciativa privada23.

Bastos (2016, p. 496), ao versar sobre as políticas territoriais do Brasil24,

mostra que nos instrumentos de planejamento governamentais, como os Planos Plurianuais (PPA) do governo de Fernando Henrique Cardoso, destacou-se o favorecimento aos investimentos nacionais estrangeiros, bem como a “integração

23 Essa posição foi posta em prática através do instrumento de planejamento governamental, os Planos Plurianuias (PPA). No governo de Fernando Henrique Cardoso, foram postos em prática o “Brasil em Ação” (1996-1999) e o “Avança Brasil” (2000-2003).

24 A constituição brasileira de 1988 estabeleceu como instrumento de planejamento governamental de médio prazo os chamados PPAs, nos quais estão inclusas ações voltadas para o desenvolvimento como as de infraestrutura.

competitiva, ou integração competitiva dos pedaços competitivos do Brasil na economia mundial”. O PPA “Avança Brasil” (2000/2003) trouxe como particularidade os Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento (ENID), voltado para o desenvolvimento espacial articulado ao mercado internacional. A respeito dos ENIDs e sua integração interna do território brasileiro, Freitas (2012, p. 53) pontua:

Essa integração é uma integração de infraestrutura, principalmente rodoviária e ferroviária, para dar maior abertura a áreas que não estão totalmente integradas ao mercado nacional e internacional e também reduzir os custos dos transportes para uma redução dos preços dos produtos nacionais, logo, ser mais competitivo internacionalmente e trazer divisas para o Brasil.

O autor acrescenta que um dos objetivos do projeto era a redução das desigualdades regionais, destacando “as potencialidades das regiões dentro do desenvolvimento recente do país” além de “integrar a economia do país ao mundo” (FREITAS, 2012, p. 53).). Assim, a ligação interna do país era necessária e para isso era imprescindível “investir em uma malha de transporte multimodal em que os espaços de produção, distribuição e consumo pudessem ser diminuídos”, aumentando dessa forma a competitividade (FREITAS, 2012, p. 53).