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Mapa 7 Fluxo Internacional de Compradores de Confecção em Fortaleza

2 CIRCUITOS DA ECONOMIA URBANA E O COMÉRCIO DE

2.2 A expansão do crédito e do consumo no circuito inferior: implicações

2.2.2 Crédito popular, uma estratégia em prática: Banco Palmas

A existência de serviços financeiros solidários, especificamente o crédito popular, é um aspecto interessante para entender a dinâmica socioeconômica do espaço urbano, principalmente, das áreas mais pobres.

Mesmo com o avanço da financeirização da economia e a expansão da oferta de crédito, ainda existe considerável parcela da população sem acesso ou com acesso restrito a instituições financeiras tradicionais. Tal fato decorre da dificuldade da população pobre em fornecer garantias reais ou significativas, por possuírem o “nome sujo” ou trabalharem no setor dito informal. Paul Singer (2005) expõe que as políticas de acesso ao crédito das camadas mais pobres, no governo Lula (primeiro mandato), não foram suficientes para atender a totalidade da demanda dos financeiramente excluídos. Assim, muitas vezes sem possuir conta bancária, a

população pobre recorre a outros tipos de acesso ao dinheiro, como, por exemplo, a agiotas.

Nesse contexto, consideramos uma breve análise sobre o crédito popular concedido através das finanças solidárias17. Salientamos que o objetivo aqui não é

tecer um debate aprofundado sobre a temática, que é bastante rica, mas sim apresentar a importância desse serviço financeiro voltado para a população pobre, que faz parte do circuito inferior da economia, através da experiência do Banco Palmas em Fortaleza.

Dessa forma, as organizações de financiamento solidário fazem parte da complexa rede que integra o campo da Economia Solidária. Segundo Singer (2005), as finanças solidárias são formadas pela captação de depósitos, poupança e concessão de empréstimos. Tais procedimentos são realizados pelas cooperativas de crédito, bancos comunitários e por concedentes informais envolvendo fundos rotativos e consórcios populares de poupança.

Assim, os Bancos Comunitários de Desenvolvimento fazem parte de serviços financeiros solidários que realizam microfinanças, não possuem fins lucrativos e não fazem parte formalmente do Sistema Financeiro Nacional. Todavia suas práticas (crédito, moeda social circulante, criação de empresas e empreendimentos solidários, lojas, feiras, entre outras) são todas dentro da lei (FAUSTINO, 2007), constituindo assim uma alternativa para que os pobres tenham acesso a serviços financeiros.

No que diz respeito aos Bancos Comunitários de Desenvolvimento, em Fortaleza encontra-se uma experiência de sucesso com reconhecimento nacional e internacional, o Banco Palmas18, localizado no bairro periférico Conjunto Palmeiras.

Foi criado em 1998, pela Associação dos Moradores do Conjunto Palmeiras (ASMOCONP), com o objetivo de estimular a produção, o consumo e a geração de

17 No Brasil o crédito popular é praticado através de três fontes: microcrédito, finanças solidárias e bancos comerciais públicos e privados (SINGER, 2005).

18 As atividades do banco tiveram início com um “empréstimo de R$ 2.000,00 (dois mil reais) captado no Centro de Estudos, Articulação e Referência sobre Assentamentos Humanos (Cearah Periferia), pago em um ano com juros de 1% a.a. Esse montante foi distribuído aos moradores na forma de crédito para cinco produtores e cartão de crédito para o consumo de vinte famílias” (FAUSTINO, 2007, p. 82).

trabalho e renda na comunidade, que é bastante pobre, movimentando, assim, a economia local.

Tal estímulo ocorre através de duas linhas de ação: uma de financiamento (concessão de microcréditos), que incentiva a produção local, e outra de cartão de crédito próprio, para incentivar o consumo local. O PalmaCard, criado também em 1998, foi a primeira experiência no país de cartão de crédito comunitário, confeccionado de forma artesanal com tecnologia limitada (em um computador no programa Word). Com ele era antecipado aos moradores um crédito, que variava de R$ 20,00 a R$ 100,00 reais, vinculado a um cartão aceito no comércio do bairro, para estimular o consumo local.

O PalmaCard não está mais em vigor na comunidade, mas chegou a ser aceito por 200 comerciantes, atendeu mais de 3 mil famílias e movimentou em torno de 60 mil reais por mês. Desde 2015, o Banco Palmas está trabalhando com a moeda eletrônica e-Dinheiro19. Diferentemente do PalmaCard, a e-Dinheiro pôde ser criada e

é utilizada a partir de tecnologias mais modernas, por uma empresa privada em parceria com o Banco Palmas e a Rede de Bancos Comunitários, sendo de uso exclusivo dos bancos comunitários. Assim, o aplicativo é operacionalizado preferencialmente por meio de um celular smarthphone. A utilização já é feita por 20 bancos comunitários no país, e já existem mais de dois mil usuários e 120 comércios cadastrados20.

Os microcréditos, por sua vez, são garantidos com baixas taxas de juros e sem consultas cadastrais. O crédito para o consumo é concedido em Palmas moeda local do banco21, e o crédito para produção é concedido em reais. Segundo Faustino

(2007, p. 83),

A concessão de crédito no Banco Palmas está voltada a atender as necessidades de microcréditos para produção, comércio ou serviço, bem como para o consumo. Há ainda microcrédito para mulheres em situação de

19 Regulamentada em 2013 pela Lei nº 12.865/13, lei das moedas eletrônicas, via Banco Central, em 2013.

20 Sobre o assunto ver o texto A (r)evolução das Moedas Sociais: do Palmacard ao E-dinheiro, publicado no site do Banco Palmas, de autoria de Bárbara Magalhães de Aguiar Oliveira.

21 O sistema financeiro do Banco Palmas opera com a moeda oficial brasileira, o Real, e com uma moeda social, Palmas, ativa até hoje. Salientamos que as moedas sociais do Banco Palmas passaram por uma evolução iniciando com o Palmacard e chegando à moeda social eletrônica.

risco, linhas de crédito para pequenas reformas de moradia e para projetos de agricultura urbana.

Dessa forma, considerando que a população atendida pelo Banco Palmas é pobre, em sua maioria inserida em atividades típicas do circuito inferior da economia, os critérios de concessão de crédito são simplificados. A pessoa que solicita crédito tem que ser moradora da comunidade e sócia da ASMOCONP e deve preencher formulário com dados pessoais, valor do empréstimo e destino dos recursos. Exigências como comprovação de renda, fiador, garantias que assegurem o pagamento e consulta a serviços como Serasa e SPC não fazem parte dos critérios para aquisição de empréstimo no Banco Palmas. A estratégia utilizada pelo banco, através de um analista de crédito, consiste na coleta de informações sobre o caráter do solicitante, conversando com a vizinhança do mesmo. As informações são então repassadas ao Comitê de Aprovação de Crédito, que decide sobre a aprovação ou não.

O processo é bem rápido, levando em média dois dias. Aprovado o empréstimo, o morador assina um contrato social, no qual se “compromete a exercer atividades de compra e venda na área do Conjunto Palmeira”, o que promove, dessa forma, o desenvolvimento da economia local, dinamizando o comércio e gerando emprego.

O Banco Palmas também possui linha de crédito produtivo voltado especialmente para mulheres beneficiadas pelo Programa Bolsa Família, atendendo não só moradoras do bairro, mas também de bairros vizinhos, que fazem parte de uma das regiões mais pobres da metrópole Fortaleza, a Grande Jangurussu. O objetivo dessa linha de crédito voltada para mulheres é estimular o empreendedorismo e potencializar as atividades que elas já desenvolvam, buscando diminuir a pobreza em que vivem. Segundo o Banco Palmas, “a maioria dessas mulheres nunca havia tido crédito em um banco, sendo o empréstimo junto ao Banco Palmas o seu primeiro crédito produtivo, reforçando sua capacidade empreendedora e sua autoestima”.

Dessa forma, as mulheres que adquirem o crédito são também inseridas em um projeto de inclusão socioprodutiva, financeira e bancária chamado “Elas”, desenvolvido em conjunto com a ASMOCONP. Nesse projeto, são desenvolvidas ações de formação e orientação para as mulheres, que passam a ser acompanhadas

por um Agente de Inclusão Socioprodutiva. Assim, as mulheres participantes do projeto recebem cursos de educação financeira bem como de capacitação por meio de cursos como artesanato, confecção, culinária, produção de material de limpeza, dentre outros. Abaixo, segue fotografia da turma de corte e costura oferecida pelo projeto Elas.

Até o ano de 2014, 3.700 (três mil e setecentas) mulheres foram beneficiadas pelo projeto. Segundo dados do Banco Palmas: 96% delas são mães; 51% têm ensino fundamental incompleto; 61% nunca fizeram um curso profissionalizante; 82% têm renda familiar entre R$ 500 e R$ 800 reais; 60% nunca exerceram qualquer atividade remunerada; 38% nunca compraram com crédito. Como podemos ver, considerável parcela das mulheres atendidas pelo projeto Elas possuem pouca instrução e não têm experiência profissional, o que dificulta sua entrada no mercado de trabalho formal. Com cursos profissionalizantes, orientação financeira e acesso ao crédito, as mulheres podem vislumbrar oportunidades de trabalho e renda, passando a desenvolver algum tipo de atividade financeira, diminuindo a sua situação de pobreza.

Assim sendo, das mulheres participantes do projeto 17% produzem e comercializam confecção, 13% são feirantes, 12% trabalham no ramo da beleza, 8%

Fonte: Banco Palmas.

atuam na área do artesanato, 7% vendem alimentos, 6% trabalham no comércio, 1% trabalha com material de limpeza e 36% não produzem (Banco Palmas).

Destarte, o Banco Palmas, através de seus serviços financeiros e projetos, promove, em uma região muito pobre de Fortaleza, a inclusão social e econômica de uma população que é total ou parcialmente excluída do acesso ao crédito em instituições financeiras tradicionais. Essas pessoas em sua maioria consomem em estabelecimentos do circuito inferior bem como trabalham em atividades desse circuito. Assim, o aceso ao crédito popular oferecido pelo Banco comunitário passa a ser uma estratégia dessa população para manter ou desenvolver um meio para sua reprodução no espaço urbano.

Depreende-se que o crédito dinamiza os setores econômicos e é uma variável importante no entendimento do mercado estudado, e do comércio e do consumo nele desenvolvidos. Em seguida, trataremos do comércio e do consumo no circuito inferior e seu desenvolvimento no mercado de confecções de Fortaleza.