• Nenhum resultado encontrado

4.4 ATUAÇÃO FEMININA

4.4.2 Circulares aos Pais

“Srs. Pais

[...] A Escola e a Família são instituições responsáveis pela formação educacional. Buscando elaborar e rever novas ações educativas dos pais e professores, estaremos realizando uma palestra sobre ‘Sexualidade Infantil e o Mundo da Criança’, com a psicanalista.

[...] Amanhã estaremos completando as turmas do turno integral. Os senhores podem matricular com cheque pré-datado para 05.03.07.

[...] Com o objetivo de enriquecer o nosso projeto de Ciências Sociais, ‘Qual o impacto da globalização no dia-a-dia das pessoas?’ Adotamos o paradidático [...] Os alunos deverão trazer este livro até o dia 19.03.07.

[...] Sexta-feira, dia 21.07.07, das 14 às 16h, será comemorado o aniversário do nosso aluno [...] Ele convidou toda a turma para sua festa na Estação da Criança, em Ondina, oferecendo também o transporte [...] Para que seu(sua) filho(a) participe deste evento, preencha a autorização e devolva até 19.07.”

Vejo que as circulares destinadas “aos pais” reafirmam o seu caráter de autoridade familiar (precisam ser informados do que vai acontecer) e o trato de temas mais gerais como: reuniões, organização de eventos e datas comemorativas, textos para reflexão e procedimentos de matrícula, além da aquisição de livros e autorização para saída da escola.

Mesmo sendo sabido que historicamente o acompanhamento destas e de outras atividades na escola é feito, em sua grande maioria, pelas mães, como observei na frequência às reuniões de pais e mestres, nos dias 9 e 16 de maio e 5 de agosto, para entrega dos Portfólios dos alunos do grupo 07 (1ª série do Ensino Fundamental). Nesses encontros, apenas um pai esteve presente (sempre o mesmo, como pude observar nas listas de presença), num contraponto às mães que buscavam informações sobre os filhos (12 mães no primeiro encontro, 17, no segundo e 9, no terceiro).

Quero ressaltar também que, enquanto as mães conversavam animada e descontraidamente com a professora e outras mães, o pai olhava silenciosa e compenetradamente o material produzido por sua criança (sugerindo um estar “sem jeito”, deslocado). Algo não expressamente percebido pelas professoras que atendiam às solicitações das mães presentes. Excetuando-se o texto da última circular que evidencia a questão de gênero, as demais ocultam a presença feminina e reafirmam a hegemonia de um discurso que generaliza um masculino bastante ausente do dia-a-dia escolar.

Aspecto relevante é a formalidade presente na circular que informa a possibilidade de cheque pré-datado para a matrícula. A alusão ao pronome “senhores” sugere o lugar de “chefe de família”, historicamente ocupado pelo homem, provedor e responsável financeiro pela educação das/os filhas/os, uma dinâmica que já não representa a maioria das relações familiares que se evidenciam na escola: mães separadas que sustentam e cuidam dos filhos, pais desempregados ficando em casa enquanto as mulheres trabalham fora, mães e pais dividindo despesas... Enfim, outras relações, outras lógicas, outra dinâmica. Apesar das mudanças no perfil estrutural e financeiro das famílias, o discurso androcêntrico, fortemente presente, não se altera. Um discurso que atribui ao homem que ajuda em casa um exercício de superação, de desafio e de participação mais efetiva no ambiente doméstico, cuidando do próprio filho, algo da ordem da adaptação (já que este é um espaço onde as mulheres “tranquilamente” circulam e os homens não). Assim expressa Angélica em seu depoimento: “[...] O homem também, por sua vez, tem se superado em relação... se a gente for comparar em relação a tempo, o homem, atualmente, ele também tem superado muitos desafios, né? Hoje mesmo estava vendo a reportagem de um atleta que a mãe também é atleta e que viaja muito e que ele é que toma conta do filho. Então, assim, os papéis, em relação a funções, né? Tem se modificado e se revelado bem diferentes.”

O modelo de família ainda esperado na dinâmica social pressupõe a assunção de papéis claramente delimitados para mulheres e homens casados. Para ela, o exercício de conciliar trabalho fora de casa, a rotina doméstica e a educação dos filhos, além de manter-se

desejável, bonita e bem humorada. Para ele, o sustento da família (com a sugestão de que receba o salário maior), a segurança do lar, a autoridade masculina. A expectativa de mulheres e homens acerca dos parceiros parece não ter mudando apesar dos muitos e significativos avanços percebidos na atuação das mulheres na realidade social, quando, através do depoimento de Dália: “[...] Eu acredito que o homem, ele tá em busca de uma parceira, mas a mulher, ela tá buscando um parceiro onde ela possa ter segurança, que os filhos estejam sadios; ela não vai procurar um homem que não possa procriar [...] A mulher sempre está em busca disso. Ela escolhe seu parceiro em busca de um bom pai, não só da parte biológica, mas será que ele vai ser um parceiro bom? Vai cumprir as suas responsabilidades? Ele vai saber dar uma boa educação?”, vejo indícios tão fortes dos estereótipos construídos para mulheres (mães, dependentes, em busca da segurança que um homem pode dar) e homens (provedor, responsável, saudável, que valoriza a família) na sociedade.

É forte a ambiguidade percebida na expectativa feminina. Ao mesmo tempo que quer afirmar a superioridade das mulheres, sua independência, seu espírito guerreiro, sua força, seu poder, explicita a dependência de um bom parceiro, que atenda às expectativas de toda jovem, indefesa e bela donzela: ser um Príncipe Encantado, perfeito, belo, adequado, como confirmado no depoimento de Dália: “[...] As mulheres gostam de homens inteligentes, que sejam criativos, carinhosos, românticos” e “[...] Aos poucos a mulher vem conquistando esse espaço e tem homens que ainda se assustam; percebo de casais estarem separando porque não conseguem ver essa mulher guerreira, lutadora. Acredito, sim, que a mulher, ao mesmo tempo que é muito sensível, ela é muito forte [...] O homem se diz a força externa, o físico, mas eu acho que internamente a mulher é mais forte, ela consegue resolver os problemas de forma mais sensata. O homem perde muito a cabeça [...] Hoje as grandes empresas as mulheres estão tomando. Acho que a mulher é poderosa.”

A mulher é inteligente, capaz, poderosa, mas sua existência só se completa com um bom parceiro que possa lhe dar: segurança física, emocional e financeira; bons filhos; um nome (muitas ainda adotam o sobrenome do marido no casamento) e status social de mulher casada, tão importante numa sociedade patriarcal como a brasileira. Ao mesmo tempo em que valida a atuação feminina no espaço público e evidencia o forte papel da maternidade na vida das mulheres, deixa, à margem de debates, as assimétricas relações entre os sexos no mercado de trabalho, na educação de filhas e filhos, no desempenho de funções domésticas etc. Uma forma romântica de perceber a relação entre os sexos, principalmente quando o assunto é a ocupação do mercado de trabalho.