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CIRCUNSTÂNCIAS DE DESAPARECIMENTO E MORTE

Túlio Roberto Cardoso Quintiliano

CIRCUNSTÂNCIAS DE DESAPARECIMENTO E MORTE

No dia 12 de setembro de 1973, por volta de 19h30, Túlio e Beatriz foram detidos em sua casa por uma patrulha militar, e levados à Escola Militar, onde foram interrogados juntos. Beatriz foi liberada em seguida enquanto Túlio ficou detido por não ter consigo seu documento de permanência definitiva no Chile. Beatriz foi instruída a buscar o documento e trazê-lo para que seu marido fosse solto, mas já não o encontrou: Túlio teria sido transferido naquela mesma noite para o Regimento de

Artilharia Tacna – usado como centro de detenção provisória nos dias seguintes ao golpe militar e para onde foram encaminhados, entre outros, os membros do GAP (Grupo de Amigos d o P r e s i d e n t e ) , d e t i d o s n o P a l á c i o d e L a M o n e d a e posteriormente fuzilados.

Túlio nunca mais foi visto. Beatriz, acompanhada de seu primo Francisco Whitaker, à época funcionário das Nações Unidas em Santiago, procurou-o sem sucesso no Regimento Tacna, em outros centros de detenção de prisioneiros políticos, junto a várias autoridades e inclusive na morgue – antes de refugiar-se, ela própria, na embaixada da Itália, de onde partiu para aquele país em dezembro. A mãe de Túlio, Nairza, foi a Santiago e lá permaneceu por 50 dias à procura do filho. Beatriz apresentou pedido de “recurso de amparo” (equivalente ao habeas corpus) à Corte de Apelações de Santiago, que pediu informações ao Ministério da Defesa e aos comandantes da Escola Militar e do Regimento Tacna. O comandante do Regimento Tacna, Coronel Luis J. Ramírez Pineda, informou que Túlio não constava em nenhum assentamento da unidade, nem havia registro de que tivera passado por lá. O general de Brigada Herman Brady Roche, da II Divisão do Exército, informou que Túlio não se encontrava detido por ordem dos Tribunais Militares nem constava que estivesse preso por ordem de outra autoridade. Por sua vez, o comandante da Escola Militar, general Raul Benavides Escobar, confirmou oficialmente que Túlio havia sido detido no dia 12 por efetivos daquele quartel, onde foi interrogado e em seguida enviado ao Regimento de Artilharia Tacna. No entanto, em janeiro de 1974, diante de novo informe do Comando da II Divisão do Exército, desta feita assinado pelo general de Brigada Sergio Arellano Stark, reiterando o anterior, a Corte arquivou o processo sem dar prosseguimento às investigações. A partir de setembro de 1973 e ao longo das duas décadas seguintes, Nairza e Beatriz escreveram muitas cartas às autoridades brasileiras, chilenas e de outros países, entre as quais: ao ACNUR, em Santiago; ao Embaixador e ao Cônsul-geral

do Brasil no Chile; ao Subsecretário do Interior e ao Secretário de Defesa Nacional do Chile; a várias embaixadas de terceiros países, para a eventualidade de terem notícia do paradeiro de Túlio; ao embaixador do Chile no Brasil; ao ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mario Gibson Barboza; ao presidente Ernesto Geisel; ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana do Ministério da Justiça no Brasil; à Divisão dos Direitos Humanos da ONU, em Genebra; à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA; à Anistia Internacional, em Londres e em Nova York; ao presidente da Comissão de Justiça e Paz, em Roma; ao presidente do Tribunal Bertrand Russel, em Paris; à Ordem dos Advogados do Brasil, Seções do Rio de Janeiro e de São Paulo. Do Estado brasileiro, não obtiveram qualquer resposta, com exceção de uma carta dirigida a Nairza em maio de 1974 pelo chefe do Departamento Consular e Jurídico do Itamaraty, que informava ter sido o Consulado-Geral do Brasil “instruído a solicitar, às autoridades chilenas competentes, informações sobre o paradeiro de seu filho, as quais, tão logo recebidas, ser-lhe- ão retransmitidas”. Por outro lado, Nairza relata que em suas constantes idas à Embaixada e ao Consulado do Brasil em Santiago, ouviu reiteradas vezes do adido militar e do vice- cônsul “e até mesmo do senhor embaixador, através de sua secretária”, a afirmação de que seu filho estava vivo e a qualquer momento apareceria.

A pesquisa da CNV localizou, nos arquivos dos Ministérios das Relações Exteriores do Brasil e do Chile, diversos documentos que relatam essas gestões e as providências adotadas. Não foram encontrados elementos que sugiram um empenho real, na época, seja do Estado brasileiro, seja do chileno, para localizar o paradeiro de Túlio e elucidar o acontecido, ou mesmo para proteger ou prestar assistência a seus familiares. No fim de outubro de 1973, o Consulado-Geral do Brasil em Santiago, por instrução do Departamento Consular e Jurídico do MRE, requer à chancelaria chilena, por meio da Nota

confidencial no 8, de 19 de novembro de 1973, informações sobre o paradeiro de Túlio. Anotação manuscrita no referido expediente, com data de 20 de maio de 1974, indica que Túlio não figura nas listas de asilados, detidos ou falecidos, e que essa informação foi comunicada ao Consulado.

Informe do Centro de Informações no Exterior (Ciex), datado de 21 de janeiro de 1974, distribuído ao SNI/AC, CIE, Cenimar, CISA, DSI/MRE e 2as Seções dos Estados Maiores das três Forças, reporta que Nairza Cardoso Quintiliano enviou no dia 14 de dezembro de 1973 carta à Embaixada do Brasil em Santiago solicitando informações sobre o paradeiro de seu filho, acompanhada de diversos documentos (anexados ao Informe do Ciex), e informa que: “Em 18 de dezembro de 1973, constava que Túlio Quintiliano teria sido fuzilado em 15 de setembro de 1973, em dependências do Regimento Tacna, após ter sido julgado e condenado por um Tribunal de Guerra”. Não é especificada a origem dessa informação, que nunca foi transmitida pelo Itamaraty aos familiares de Túlio, mas que aparece posteriormente reproduzida em Informação da Agência Central do SNI, datada de março de 1975.

Foram localizados, nos arquivos desclassificados do MRE chileno, comunicações trocadas entre a Embaixada do Chile em Brasília e a chancelaria chilena relativas às reiteradas gestões efetuadas pela mãe de Túlio, que revelam preocupação com as possíveis repercussões do caso: o embaixador do Chile, Hernán Cubillos, solicita instruções para “evitar que este caso adquiera trascendencia internacional” e, naquela circunstância, opta por abster-se de entregar a Nairza, embora se encontrassem em seu poder, os documentos por ela solicitados, relativos à concessão de asilo político no Chile a seu filho, em 1970.

Em janeiro de 1975, o embaixador do Brasil no Chile, Antonio Câmara Canto, remete a Brasília “certificado que, a título excepcional, me foi fornecido pelo comandante da Guarnição do Exército em Santiago [NR: o general Arellano Stark, conhecido

por ter liderado a Caravana da Morte que procedeu a dezenas de execuções sumárias logo após o golpe de estado, e condenado no Chile por diversos crimes contra os direitos humanos], que informa que “o cidadão brasileiro Túlio Roberto Cardoso Quintiliano nunca esteve sob controle das autoridades militares e policiais chilenas, podendo considerar-se que esteja desaparecido ou que tenha abandonado o país”. Em agosto do mesmo ano, a Secretaria Geral do Itamaraty (à época ocupada pelo embaixador Saraiva Guerreiro, que viria a se tornar chanceler) consulta o embaixador em Santiago, “dada a insistência com que a Senhora [Nairza] Quintiliano tem procurado esta Secretaria de Estado, em busca de uma notícia definitiva e convincente sobre seu filho”, se “acharia conveniente instruirmos o Consulado-Geral nessa cidade no sentido de, apenas na sua esfera de relacionamento funcional normal, tentar obter informação mais precisa sobre o paradeiro do senhor Quintiliano, cumprindo-se assim as providências habituais”. E acrescenta: “O governo brasileiro não pretende nem julga conveniente transmitir à interessada a declaração do citado General Arellano Stark”. Na minuta do referido expediente constava um parágrafo adicional, que não foi retido, dando conta que “a senhora Quintiliano tem deixado transparecer seu intuito de, na eventualidade de não vir a s a b e r d o d e s t i n o d e s e u f i l h o , r e c o r r e r a f o r o s internacionais, do tipo Tribunal Russel, envolvendo Brasil e Chile”.

Curiosamente, em fevereiro de 1975 a DSI/MRE encaminha ao CIE, CISA e CI/DPF o Pedido de Busca 421/SB em que solicita dados relativos a uma relação de cidadãos brasileiros que teriam requerido concessão ou prorrogação de seus passaportes, na qual figura o nome de Túlio Quintiliano. Três semanas depois, retifica o pedido, solicitando a exclusão do nome de Túlio da referida relação, “por não se tratar de pedido de passaporte comum”, para em seguida encaminhar ao SNI, CIE, Cenimar, CISA e CI/DPF o certificado fornecido pelo general Arellano Stark, referido acima. Ainda assim, o relatório sobre desaparecidos

entregue pelo Ministério do Exército ao Ministro da Justiça Maurício Corrêa, em 1993, reproduz essa contrainformação, nos seguintes termos: “Considerado desaparecido no Chile desde 12 set 73. Entretanto, o MRE em documento datado de 06 Mar 75, i n f o r m o u q u e o n o m i n a d o e s t a v a s o l i c i t a n d o concessão/prorrogação de Passaporte, não especificando, porém, se encontrava-se no Brasil ou no exterior”. E ainda prossegue, acintosamente: “Em dez 81, a Organização socialista Internacionalista (OSI) o indicou como responsável pelos trabalhos de coordenação da entidade na área de São Paulo/SP”. Nova consulta encaminhada pelo Consulado do Brasil ao Governo chileno, em 1990 – já no contexto das investigações levadas a efeito pela Comissão Rettig, terminadas as ditaduras no Brasil e no Chile – e que se refere a Túlio como “presumidamente desaparecido”, não obtém nenhum dado novo.

Apenas em 1992, depois de ter sido reconhecida oficialmente a responsabilidade do Estado chileno no desaparecimento de Túlio, há registros de assistência consular, por parte do Estado brasileiro, aos familiares de Túlio, com vistas ao recebimento de reparação do governo chileno.

Em missão ao Chile em abril de 2014, a CNV solicitou fosse considerada a abertura de processo para a investigação judicial das circunstâncias da morte e paradeiro dos restos de Túlio Quintiliano, como vem sendo feito naquele país em c e n t e n a s d e c a s o s . N o d i a 2 7 d e a g o s t o d e 2 0 1 4 , o Subsecretário do Interior do Chile interpôs Querella Criminal contra Luiz Joaquín Ramírez Pineda, à época Comandante do Regimento Tacna, e todos os que forem considerados responsáveis por sua intervenção na qualidade de autores, cúmplices ou encobridores no delito de sequestro qualificado consumado de Túlio Roberto Cardoso Quintiliano. O processo recebeu o número 203-2014 e foi distribuído ao 34o Juzgado del Crimen de Santiago.

curso no Chile, e demais documentos localizados em sua pesquisa, ao Ministério Público Federal, para facilitar o acompanhamento, interlocução e assessoramento cabível aos responsáveis pelo processo naquele país.

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