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A CIVILIZAÇÃO GREGA E O ADVENTO DO PENSAMENTO CIENTÍFICO E DA CIÊNCIA

Greco-Romana

2.1 A CIVILIZAÇÃO GREGA E O ADVENTO DO PENSAMENTO CIENTÍFICO E DA CIÊNCIA

2.1.1 Considerações Gerais

Sob a denominação genérica de Filosofia Natural, os gregos antigos criariam uma Ciência com o objetivo de estudar e compreender a Natureza. Essa busca por uma compreensão do Mundo físico abrangia um vasto campo, que englobava a Matemática, as Ciências naturais e as Ciências físicas (inclusive a Astronomia e a Meteorologia); ou seja, ao tempo dos filósofos pré- socráticos, os campos científicos e filosóficos se confundiam e se interrelacionavam, ao ponto que os filósofos tanto se dedicavam a especulações filosóficas e metafísicas sobre a origem e a constituição do Universo quanto aos números (Aritmética), áreas (Geometria) e elementos (Física e Química). Aristóteles, com seu Organon, seria o grande pensador grego, cuja imensa influência seria decisiva na evolução do pensamento científico ao criar a Lógica Formal. Com o passar dos tempos, as disciplinas científicas foram adquirindo

complexidade e extensão, o que as separaria, gradualmente, do campo filosófico, reduzindo, assim, o papel da especulação, em benefício do trabalho baseado na experimentação e na verificação. O estudo, a análise e a experimentação nas várias áreas dessas disciplinas passariam a especialistas, aos homens de Ciência. Os cientistas Eratóstenes, Herófilo, Erasístrato, Hiparco, Euclides, Arquimedes e Apolônio, do Período Helenístico, são as expressões maiores dessa evolução, no período áureo das Ciências na civilização grega.

O espírito científico, essencial para o surgimento das diversas Ciências, originou-se na Grécia, sem querer, contudo, significar que todas as Ciências se formariam durante a evolução da civilização helênica. A História das Ciências comprova o entendimento atual de que as Ciências menos complexas, não-experimentais e de interesse imediato da Sociedade seriam as que primeiro se constituiriam e se desenvolveriam. Desta forma, a Matemática e a Astronomia foram criadas pelos gregos, ainda que a especulação filosófica não estivesse abandonada. O desenvolvimento dessas duas Ciências levou ao nascimento de partes da Física, como a Mecânica (Estática e Dinâmica), a Óptica e a Acústica, mas, compreensivelmente, outros ramos da Física, como o Eletromagnetismo e a Termodinâmica, só surgiriam muitos séculos depois, quando criadas as condições para tanto. Somente após avanços significativos dessas três Ciências, refinamento do espírito e dos métodos científicos e acumulação de conhecimentos e técnicas (particularmente da metalurgia) é que a Química ingressaria, no século XVII, na era científica, pois o que havia até então era uma Química prática, sem base teórica; no entanto, deve ser apreciada a contribuição da Alquimia, cuja real contribuição à Química científica seria a introdução de uma série de instrumentos e material de laboratório para os experimentos e pesquisas. A História Natural, englobando os estudos de definição e classificação da flora, da fauna e dos minerais, se estruturaria a partir de Aristóteles, mantendo tais características até o Período do Renascimento científico; o conhecimento da Anatomia e da Fisiologia humanas se iniciaria com a prática de uma Medicina que buscaria, a partir de Hipócrates, as causas naturais das enfermidades. As Ciências Sociais, criadas e estruturadas há menos de 200 anos, já seriam, também, objeto de consideração de pensadores, como Aristóteles.

O aparecimento do espírito científico não significaria a unidade de pensamento na Sociedade ou mesmo na elite intelectual grega, nem implicaria ter essa nova mentalidade permeado as diversas camadas sociais. A grande

massa popular helênica permaneceria presa, ainda, às tradições mitológicas, tão bem representadas por Homero (Ilíada e Odisseia) e Hesíodo (Teogonia e Os Trabalhos e Os Dias). As autoridades das diversas cidades-Estados assegurariam o caráter oficial da religião mitológica, como atestam as conhecidas perseguições a Anaxágoras e a Sócrates. Conviveriam, assim, na antiga Grécia, uma consciência mitológica arcaica, influenciada pelas religiões do mistério e do medo, e um ceticismo humanístico, comprometido com a Razão. Erguiam-se templos, santuários, oráculos e monumentos em homenagem aos deuses, criados à semelhança e à imagem do Homem, mas ao mesmo tempo progredia o espírito científico, com uma nova metodologia – observação, análise, crítica, comparação e experimentação – criada para encontrar uma explicação racional e lógica para os fenômenos. Assim, “... embora a religião grega fosse, no mínimo, tão animista quanto as outras religiões antigas, baseando-se em sacrifícios aos deuses e na intervenção divina nos negócios, a Ciência grega representou um feito notável, separando a investigação das leis da Natureza de quaisquer questões religiosas entre o homem e os deuses...”42.

2.1.2 Nascimento do Pensamento Científico

Se bem que prevalecesse em todas as culturas da Antiguidade um espírito teocrático, de tradição neolítica, teria cada povo uma evolução própria, seguindo suas inclinações e sua mentalidade, influenciado por uma série de condicionantes sócio-culturais e físicas (Geografia, Meio ambiente, Economia, Educação, História). Nas sociedades de economia rural, de regime teocrático, de mentalidade conservadora, de índole contemplativa e meditativa, o poder político (e tudo daí decorrente) foi exercido, através dos governantes e da Lei, pelas divindades, ou em seu nome exercido, sem ingerência popular. As Leis, de origem divina (Dez Mandamentos) ou cunho religioso (Torá), eram administradas pelo Rei, Faraó ou Imperador e pela casta sacerdotal, característica do regime teocrático. Preceitos morais e normas sociais e de conduta eram impostos por desígnios superiores.

O povo grego – comerciante, navegador, audacioso, competitivo, dinâmico, ambicioso – desenvolveria a noção de que cabia ao Homem a responsabilidade e a tarefa de se organizar, de se governar e de entender a

Natureza. Para tanto contribuiu seu espírito aventureiro, que o lançou ao mar em busca de terras desconhecidas, onde, para sobreviver, teria de criar condições favoráveis para o desenvolvimento social das novas colônias ou cidades-Estados (polis).

Na civilização helênica, a política foi obra humana, sem interferência dos deuses homéricos. O governo emanou do povo, e em seu nome foi exercido. As Leis eram de autoria de legisladores (Draco, Sólon), administradas por tribunais e corpos de jurados. Enquanto naquelas sociedades autocráticas e teocráticas a condição de súdito pressupunha uma inferioridade e uma dependência, na Grécia a atuante participação do indivíduo na vida pública refletia sua condição de cidadão, sujeito e objeto de Direito. A praça pública, onde se realizavam debates políticos, teria um papel fundamental no exercício democrático da cidadania. De acordo com declarações atribuídas a Péricles, “nossa Constituição nada tem a invejar dos outros: é modelo e não imita. Chama-se democracia, porque a maioria e não a minoria tem o poder... O progresso na vida pública depende dos méritos e não das classes; nem a pobreza, nem a obscuridade impedem um cidadão capaz de servir à cidade...”. Aristóteles definiria o Homem como um animal político, na medida em que o exercício da atividade pública era obrigação e honra para o cidadão grego. Sua educação, voltada para a formação do Homem completo, fortaleceria e encorajaria o caráter laico e democrático da cultura grega. Como sintetizou o sofista Protágoras: o Homem é a medida de todas as coisas.

Assim, a tradicional visão do Mundo, oriunda dos tempos neolíticos, seria profunda e radicalmente alterada pelos filósofos gregos, que adotariam uma atitude crítica sobre as explicações e entendimentos de um Mundo governado e dirigido por divindades e entes sobrenaturais. A nova atitude foi, assim, de questionamento, de dúvidas, de indagações e de ceticismo para com as crenças predominantes. Tratava-se, portanto, do desenvolvimento de um espírito crítico, que não se satisfaria com explicações e argumentos sem fundamentação ou base plausível, lógica e racional.

O próprio politeísmo, etapa mais avançada do espírito humano que o fetichismo, seria posto em dúvida, e, até mesmo, rejeitado pela nova mentalidade que se delineava, como em Anaxágoras, Heráclito, Demócrito e Xenófanes. Bertrand Russell seria incisivo: “Na verdade, um dos traços mais notáveis dos pré-socráticos consistiu na discordância de todos para com as tradições religiosas dominantes”. Passou-se a defender a utilização do raciocínio e da reflexão para encontrar as respostas lógicas aos fenômenos

naturais. As explicações com apelação para o sobrenatural e o misterioso já não satisfaziam as mentes céticas.

A grande inovação revolucionária da civilização helênica foi exatamente essa quase completa independência da Filosofia, e, por conseguinte, da Filosofia Natural, em relação aos dogmas e mitos43. Com os primeiros filósofos

haveria uma superposição do mítico e do científico, passo fundamental na evolução do pensamento grego, empenhado em descobrir uma explicação natural para o Cosmos por meio da observação e da Razão. A explicação, com o tempo, se desfaria de seus residuais componentes mitológicos para utilizar a análise crítica em relação aos fenômenos naturais. Charles Seignobos reforçaria esse entendimento: “As crenças dos gregos diferiam pouco das dos outros povos, mas os filósofos trabalharam com espírito independente da religião, pela observação e pelo raciocínio, sem levar em conta as crenças fundadas sobre a tradição”44.

As divindades antropomórficas dariam lugar a substâncias primárias, entidades puramente materiais – como a água, o ar, a terra e o fogo, movidas mecanicamente pelo acaso ou pela necessidade. Buscar-se-ia compreender a Natureza, e, para tanto, suas leis. Como observou Colin Ronan “... foram os gregos que não apenas colecionaram e examinaram fatos, mas também os fundiram em um grande esquema; que racionalizaram o Universo inteiro, sem recorrer à magia ou à superstição. Foram os primeiros filósofos da Natureza que formaram ideias e criaram interpretações que podiam manter-se por si mesmas, sem invocar qualquer deus para apoiar fraquezas ou obscurantismos em suas explanações”45.

Assim, a Filosofia Natural grega representou um feito notável, separando a investigação das leis da Natureza de quaisquer questões religiosas entre o Homem e os deuses. René Taton46 explicou, de forma clara e concisa, esse

ponto: “Malgrado as divergências profundas de suas doutrinas e de suas hipóteses, os primeiros pensadores gregos podem ser legitimamente agrupados. Eles têm em comum serem os primeiros a tentar uma explicação racional do Mundo sensível, de ter proposto, sobre a estrutura da matéria e sobre a arquitetura do Universo, hipóteses desvinculadas – cada vez mais –

43 HORTA BARBOSA, Luiz Hildebrando. História da Ciência. 44 SEIGNOBOS, Charles. História Comparada dos Povos da Europa. 45 RONAN, Colin. História Ilustrada da Ciência.

de dados mitológicos. Em seu apetite de explicação total, eles trataram de todas as Ciências, mas os problemas que mais lhe chamaram a atenção foram, de uma parte, a natureza das coisas, a origem da matéria, suas transformações, seus elementos últimos e, de outra parte, a forma de nosso Universo e as leis que o regem”. Seignobos, já citado, esclareceu que “pela primeira vez no Mundo, foi empregado um método racional, inspirado no desejo de penetrar até o fundo das coisas e dos fatos para descobrir-lhes os caracteres próprios e as leis gerais. Este método os gregos o aplicaram à Matemática, Astronomia, Física, e mesmo à Medicina e à Política”. Com Tales de Mileto se iniciaria o conceito grego de crença na força do pensamento humano para compreender e interpretar, racionalmente, o Mundo.

Até então, o Homem aceitara crença sem exigir provas ou evidências. Com os helenos se inaugurou a exigência de explicação natural, racional e coerente, germe do espírito científico. Para Harry Barnes “... os gregos emanciparam os homens do peso morto da tradição e do demônio da superstição. Deve-se-lhes a introdução do espírito científico e um modo profundamente secular de conceber a vida”47.

Na civilização helênica, e por primeira vez na História, a Razão, contrária a tudo aquilo que não lhe fizesse sentido ou não lhe chegasse ao conhecimento por meio de adequada teorização e fundamentação, faria o contraponto ao Mito e a todas as tradicionais superstições, que continuariam, no entanto, como crença oficial e amplamente majoritária. Roberts trata desse aspecto: “... essencial foi a nova importância que os gregos deram ao racional, a uma indagação consciente a respeito do Mundo em que viviam. O fato de muitos deles continuarem sendo supersticiosos e acreditarem em magia não obscurece esta visão. A maneira com que usavam a Razão e o argumento fez com que dessem aos seres humanos um melhor entendimento do Mundo...as ideias gregas nem sempre estavam certas, mas eram mais bem trabalhadas e testadas do que as anteriores....Um dos exemplos que se destaca é a Ciência grega, totalmente diferente de qualquer tentativa anterior de abordagem do Mundo natural... de o Universo trabalhar em termos de lei e de regras, e não de deuses e demônios”48.

Em seu estudo sobre a Ciência grega, Marshall Clagett menciona três aspectos fundamentais vinculados a esta criação helênica: i) a emergência de

47 BARNES, Harry Elmer. História Intelectual e Cultural da Civilização Ocidental . 48 ROBERTS, J. M. História do Mundo.

um espírito crítico a partir dos filósofos pré-socráticos, como a dessacralização da doença por Hipócrates; ii) o conceito da Ciência como universal e geral, (como a Geometria abstrata e teórica ou os trabalhos em Zoologia de Aristóteles), distinta de mero conjunto de regras empíricas; e iii) o desenvolvimento de uma estrita metodologia de Lógica, particularmente da Lógica dedutiva.

Ainda que se tenha beneficiado de influências de outras culturas, como as da Mesopotâmia, Egito e Micenas, para citar apenas três, deve-se ao gênio grego ter criado a Ciência como disciplina separada e independente da religião e da magia, de uma parte, e da Técnica, de outra. Na realidade, o conhecimento empírico e pragmático do Oriente divergia, fundamentalmente, da Ciência grega, teorizante e desinteressada. Nas outras grandes civilizações antigas, o desenvolvimento técnico, ou tecnológico, foi uma das características marcantes. O estágio de desenvolvimento mental desses povos refletia a estrutura político-sócio-cultural, que restringia a uma pequena elite governante o acesso ao conhecimento e interditava às demais classes sociais o aprendizado e o estudo. Impossibilitadas de pensar, de raciocinar, de analisar, de compreender e de criticar, essas sociedades se dedicaram ao mero trabalho manual, ao qual introduziram inovações e melhoramentos de forma a amenizar as tarefas diárias e aumentar sua produtividade cotidiana. A Técnica precedeu, portanto, a Ciência e, por tal motivo, o desenvolvimento tecnológico, sem embasamento teórico, foi muito lento, apesar de ter abarcado grande parte de setores das atividades humanas (transporte, energia, construção, metalurgia, agricultura, cerâmica, tecelagem, etc.). Foram tais sociedades, por assim dizer, civilizações técnicas, que continuariam e desenvolveriam, de alguma maneira, as atividades dos povos neolíticos. O método adotado era, portanto, o empírico, limitativo de um rápido e eficiente desenvolvimento técnico.

A assombrosa civilização grega diferiu, no particular, das demais civilizações contemporâneas, na medida em que seus grandes feitos foram na esfera da Filosofia, da Ciência, das Artes, do Direito e da Política. Muitos autores argumentam que os gregos desprezavam as atividades manuais, por considerá-las indignas do ser humano livre. Esta posição elitista seria uma das causas que teria impedido a aplicação da Ciência à Técnica. Platão, por exemplo, julgava um rebaixamento trocar o estudo das coisas incorpóreas e inteligíveis pelo de objetos ao alcance dos sentidos. Xenofontes escreveria que as chamadas “Arte mecânicas levam um estigma social, sendo devidamente

desprezadas em nossas cidades”. Ainda, segundo Xenofontes, Sócrates considerava a Astronomia uma perda de tempo49.

Essa tese é parcialmente correta, porquanto não podem ser desprezados os pioneiros trabalhos de Engenharia, durante o Período Helenístico, da parte de vários cientistas (Arquimedes, Ctesíbio, Herão, Filon e outros), cujas iniciativas não foram aproveitadas, por serem antieconômicas ou estarem bem adiante de seu tempo. Como afirma Marshall Clagett, seria incorreto afirmar que não havia experimentação, para a descoberta de novos fatos sobre a Natureza ou para a confirmação de teoria científica. Mesmo nos estágios iniciais da Ciência grega, nos séculos VI e V, Pitágoras e seus discípulos estabeleceram, por experimentação, a relação entre o comprimento das cordas vibrantes e a altura das notas emitidas pelas cordas; Empédocles provou, experimentalmente, a existência do ar, e discípulos de Teofrasto, no Liceu, como o físico Strato, se dedicaram à experimentação em suas investigações científicas. O Liceu, a Biblioteca de Alexandria, as escolas de Medicina e os centros de Astronomia e Física eram verdadeiros laboratórios de pesquisas. Embora tenha havido considerável atividade experimental, certamente que, comparada com a Ciência moderna, foram insuficientes a maturidade e a universalidade do uso de técnicas matemáticas e experimentais, as quais ainda não eram comumente consideradas necessárias na investigação. Antes que tais técnicas se tornassem de uso corrente, o desenvolvimento do espírito científico receberia violento golpe com o domínio político de Roma, com a ascensão do cristianismo e o recrutamento de eruditos que poderiam estar em atividades científicas e com os efeitos de forças espirituais não- críticas que assolaram a região no Período Greco-Romano50. Não há dúvida,

por outro lado, de que a mentalidade grega, de relativo desinteresse pela aplicação prática das formulações teóricas, serviu, em compensação, para desenvolver sua capacidade de abstração, fundamental para gerar o espírito científico. Conhecimento refletido, a Ciência grega procurou utilizar e compreender os fatos, através da abstração, observação, raciocínio, análise, reflexão, conceituação, teorização.

Assim, os gregos souberam elevar seus conhecimentos a um nível muito superior, e sem paralelo, ao de todos os demais povos da Antiguidade, e fundaram uma Ciência abstrata. O desenvolvimento dos conhecimentos

49 MASON, Stephen. Historia de las Ciencias. 50 CLAGETT, Marshall. Greek Science in Antiquity.

científicos se deveu a filósofos e físicos, porquanto ambos se propunham a uma explicação abrangente do Universo. Esses estudiosos e pensadores trariam um espírito totalmente novo e revolucionário a esse processo pela compreensão do Mundo e do Homem: confiança na Razão humana.

Para o uso da Razão humana era imprescindível o conhecimento (episteme), a ser adquirido através de adequadas educação e instrução, um dos alicerces da cultura grega. Na realidade, ao contrário de todas as outras civilizações precedentes e contemporâneas, os gregos estabeleceram uma excelente formação para os cidadãos. A função da escola e do professor não se limitava à transmissão de informações, mas era fundamentalmente a de mentor ou orientador, para que o aluno aprendesse a pensar e a raciocinar, inculcando-lhe hábitos mentais independentes e um espírito de investigação isento das tendências e dos preconceitos do momento. A escola não descia ao nível de doutrinação51, não asfixiando o espírito de crítica. O sistema

educacional grego – Paideia – consistia, basicamente, de Ginástica, Gramática, Retórica, Poesia, Música, Matemática, Geografia, História Natural, Astronomia e Ciências físicas, História da Sociedade, Ética e Filosofia, o que a tornava curso pedagógico necessário para produzir o cidadão completo, plenamente instruído52. A ginástica e os jogos (proibidos pelo cristianismo)

tinham um papel relevante na cultura grega para a formação do cidadão. A importância dada à aquisição do conhecimento se refletia nas diversas instituições criadas ao longo do tempo nos diversos campos: a Academia (388) de Platão, o Liceu (335) de Aristóteles, os Jardins de Epicuro, a Biblioteca e o Museu (cerca de 290) de Alexandria, as quatro Escolas de Medicina (jônica, de Abdera, de Alexandria e de Agrigento), as duas Escolas de Matemática (Atenas, Alexandria), os dois centros de estudos médicos (Cós e Cnido), os centros de estudos de Astronomia, Física e Geografia. Acrescente-se, ainda, a publicação e a divulgação de obras de cunho científico e filosófico, criando, assim, uma efervescência intelectual e cultural até então desconhecida. A propósito, é bom ter presente que a própria mitologia dava a maior importância à inteligência, a ponto de a deusa preferida de Zeus ser sua filha Palas Atenas, nascida da cabeça de seu pai, patrona da sabedoria, do conhecimento e da inteligência; na mitologia romana Palas Atenas recebeu o nome de Minerva.

51 RUSSELL, Bertrand. História do Pensamento Ocidental. 52 TARNAS, Richard. A Epopeia do Pensamento Ocidental.

De tal atitude mental e intelectual, decorreriam: 1) as várias correntes filosóficas (jônica, pitagórica, atomista, eleática, sofista, estoica, platônica, aristotélica, cética, epicurista), numa demonstração de grande capacidade especulativa, e 2) as diversas Ciências (Matemática, Astronomia, Mecânica, Óptica, História Natural, Medicina), fruto do pensamento científico, surgido da mentalidade inquisitiva e racional.

Nesse desbravamento de um terreno totalmente inexplorado, até então, como o da Filosofia, o extraordinário esforço mental grego se dirigiu para a

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