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Classe média negra em dois momentos e lugares

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4 CLASSE MÉDIA NEGRA NO BRASIL E A CLASSE MÉDIA NEGRA NOS EUA

4.2 Classe média negra em dois momentos e lugares

A classe média negra brasileira parece que vem ganhando uma conotação étnica

próxima do que se presenciou nos Estados Unidos na década de 1960, quando um

grupo de intelectuais negros passa a adotar um discurso consistente no sentido de que a comunidade negra é uma força econômica importante. Essa conotação parece ter

nascido da própria lógica do capitalismo, cuja ideologia vincula direitos dos cidadãos ao

capital financeiro concentrado. De acordo com essa prática, ao que parece, a luta

contra o racismo passa a ser vinculado à lógica que disciplina o mercado: o lucro.

Sendo, portanto os negros ciosos de que pagam seus impostos, é natural, portanto, que

o Estado discipline a distribuição de seus recursos, penalizando àquelas empresas que

privilegiam apenas um grupo étnico. A classe média negra brasileira, como peça

importante na manutenção do capitalismo, parece ter compreendido bem a lição e

agora cobra os seus direitos.

População afro-americana geral

População afro-americana (2001) 33,5milhões (13%) Concentram-se no sul. Atlanta, Chicago etc.

Idade média. 25,6 anos

Tamanho médio das famílias. 3,1 Fonte:. Sheta, 2001, p 210 apud Ferreira Filho, p. 33.

No que se refere às aspirações da classe média afro-americana,

A família e a religião são muito importantes para os norte-americanos de origem africana. Os representantes da classe média demonstram ser muito motivados para as realizações, tentando ter sucesso financeiro, e também muito ansiosos para conquistar certa notoriedade, em parte para mostrar ao mundo o que um afro-americano pode fazer. São conscientes de sua própria imagem e gostam de exibir um estilo (FERREIRA F., p. 34a)

Ao se estabelecer uma comparação com a população geral Sheta apud Ferreira

F. afirma que

os afro-americanos gastam desproporcionalmente mais em roupas, sapatos e aparelhos eletrônicos domésticos. Seus filhos estão mais conscientes da moda. Embora qualquer criança preste atenção em marcas e tendências da moda, as afro-americanas o fazem com mais intensidade (FERREIRA F. p. 34b).

Continuando

Os afro-americanos tendem a comprar marcas de primeira classe. Compram bebidas alcoólicas de qualidade porque elas são um símbolo acessível de status. Muitos jovens da área urbana usam jóias de ouro. Para eles, o ouro é caro, mas ainda assim mais acessível que, por exemplo, uma casa no subúrbio. Embora parte desse consumo exibicionista tenha como finalidade manter-se a altura da população dominante, não se deve supor que os afro-americanos fazem tudo isso para impressionar os brancos; muitos representantes da classe média e alta gastam muito em roupas, carros, equipamentos de áudio e compram outros produtos de luxo simplesmente porque fazer isso expressa seu estilo de vida, sua tradição e sua relativa riqueza (FERREIRA F., p. 34/5).

Finalizando, o autor apresenta os mecanismos que diferenciam o mercado consumidor brasileiro do norte-americano. Enquanto aqui não se criou uma rede de comunicação que satisfaça à classe média

negra, lá há uma mídia especial com profissionais de marketing trabalhando para atingir

esse grupo. No Brasil, essa comunicação diretamente com o público negro está

começando, e como resultado, temos um número considerável de produtos étnicos, o

programa TV da Gente (já extinto) que tinha o cantor e empresário, hoje vereador por

de modelos negra e, finalmente, uma Universidade para negros, a Unipalmares são,

conforme Ferreira F., o resultado direto da segmentação do mercado consumidor.

5 CONCLUSÃO

Diante da impossibilidade de se chegar a uma conclusão definitiva em

relação a Unipalmares, dado a sua magnitude e complexidade, gostaríamos de tornar

esse capítulo final o espaço reservado ao registro das reflexões que foram surgindo

durante a pesquisa. O que se pretende, portanto, é registrar as inquietações que foram

surgindo, numa tentativa de ordenar as inúmeras questões ainda sem respostas.

Analisar a instituição a partir de sua revista Afirmativa Plural, como se veicula a

ideologia do grupo fundador da Unipalmares, tornou-se uma tarefa complicada, já que

as ações são produtos de uma história recente.

A revista Afirmativa Plural ainda traz em suas páginas uma certa indefinição ao

que realmente pretende. Nitidamente houve uma evolução em suas capas, de um

projeto que tinha como objetivo divulgar o pensamento do grupo responsável pela

fundação da faculdade, seus parceiros; finalmente assume a roupagem de outras

mídias voltadas ao mercado consumidor. O projeto social parece cada vez mais

assumir a sua perspectiva de classe média.

A Faculdade da Cidadania Zumbi dos Palmares coloca como um de seus objetivos educacionais, oferecer à comunidade negra uma formação humanística, mas

quando analisamos os conteúdos da revista institucional Afirmativa Plural, local de

escoamento dos ideais da faculdade, verificamos que há um predomínio em fazer

circular informações voltadas para a formação de executivos, empreendedores. Isso

ficou evidenciado no volume de informações que a revista apresenta sobre os nichos,

principalmente o étnico, que ainda apresentam grandes possibilidades de

investimentos. Outra evidência que confirma a nossa dedução, é que mesmo na

propaganda para o curso de pedagogia anuncia-se que o mesmo dará condições ao

Para atingir esses objetivos, a faculdade parece realizar uma série de eventos

que garantam o contato dos alunos com esse ambiente empresarial, atraindo para a instituição, grandes empresários que possam compartilhar as suas experiências bem

sucedidas.

Os conteúdos abordados na revista Afirmativa Plural são voltados, quase que

exclusivamente, para a etnicidade. Predomina a exposição de idéias de/sobre os

parceiros do projeto Unipalmares. Por essa via, podemos afirmar que a revista funciona como um espelho onde reflete um mundo idílico, onde todos, que aparecem em suas

páginas, são favoráveis ao sistema de cotas porque concordam que o negro sofre com

a desigualdade, por isso querem investir para que essa realidade seja superada. No entanto esse reconhecimento de causa, não opera as mudanças necessárias para se

implantar o sistema de cotas em universidades públicas.

Em relação às abordagens dos problemas que atingem a comunidade negra, a

perspectiva adotada pela revista Afirmativa Plural é superficial. Indiferente do tema a

ser discutido, há sempre uma finalização que busca imprimir uma visão positiva diante

dos fatos. Isso nos faz concluir que o papel da revista é mostrar apenas, sem um

aprofundamento dos assuntos abordados. A postura imparcial também pode ser

percebida em idéias vinculadas à Unipalmares. Exemplo disso é a caracterização que o

reitor, José Vicente, atribui a instituição de ensino: a Unipalmares é um palco iluminado

e eclético. A sensação que se tem ao ter contanto com o pensamento expresso nos

editoriais e nos artigos de José Vicente, é que todos os problemas do negro paulistanos

já estão sendo resolvidos.

Prevalece também na revista, a perspectiva do negro “chique” que pode

comprar, freqüentar os lugares elegantes, porque tem capital financeiro suficiente para

isso, e deseja, porque isso significa status. Nesse aspecto, a ocupação dos lugares “aparentemente proibidos” denuncia o quanto ainda existe uma linha invisível

separando negros e brancos em São Paulo. Mas o grande perigo é transformar apenas

a ocupação de alguns lugares simbólicos como uma causa social. Social para quem?

José Vicente administra a Unipalmares como se fosse o seu proprietário.

responsabilidade social, encontrou sustentação na efervescência criada em torno das

políticas públicas. Normalmente, numa nítida alusão a outro segmento do movimento

negro que não assume as mesmas práticas, afirma que a sua postura está centrada em

realizações, não em discursos.

Há que se questionar, portanto, sobre o papel da Unipalmares no cenário social,

no momento em que há uma discussão intensa em torno de se adotar ações

afirmativas. O grande perigo que ela pode representar, é acabar concentrando todos

os interesses da elite dominante, enfraquecendo, com isso, as reivindicações pelo

sistema de cotas nas universidades públicas. O que representará um certo atraso no

sentido de garantir a posição do negro em formações mais elitizadas, as quais são

oferecidas, quase que exclusivamente, nas grandes universidades públicas. Estamos

falando de carreiras ligadas às altas tecnologias, as ciências de ponta, a medicina,

engenharia.

A posição assumida pela elite dirigente em relação a Unipalmares e à adoção do

sistema de cotas são no mínimo emblemática. Ao mesmo tempo em que aplaudem a

Unipalmares, silenciam em relação à adoção do sistema de cotas. Isso nos remete para

os significados mais profundos que estão em jogo. Enquanto uma faculdade para

negros não oferece perigo para a classe média branca, pois os diplomas sempre serão

menos valorizados no mercado do que aqueles oferecidos nas universidades públicas;

o sistema de cotas colocaria os negros na mesma posição ocupada pelos brancos. E o

que já está sendo comprovado nas universidades que adotam esse sistema, comprova-

se que o universitário negro apresenta um bom desempenho. O que desmascararia de

vez a crença nas altas habilidades daqueles que conseguem passar nos vestibulares

para os cursos elitizados. Enfim, o que está em jogo é o próprio ideário de que,

historicamente, se valeu a classe média branca -a meritocracia – para justificar a suas

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