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1 O Clima como Factor de Atracção

Ao longo do século XIX, os fluxos de britânicos rumo ao Monte Estoril na demanda de Invernos amenos foram facilitados pela companhia de vapores que fazia escala em Lisboa. Segundo Bucknall & Boulay (1961),

It is not clear when visitors began to come out from Britain in the winter. The Booth Steamship Line started offering short winter visits at very reasonable rates in the yearly years of the century, but visitors also came for longer periods (p. 12).

À visão de Jim Ring (2004, p. 27) de ter sido a oposição a Napoleão que afastou os britânicos de estâncias continentais firmadas, levando-os a paragens distantes

como Madeira e Lisboa, Marc Boyer (2008) recorda que cedo os insulares associaram a vilegiatura climática ao eixo Estoril-Cascais, ao afirmar que “au Portugal, sous influence anglaise la villégiature hivernale s’implanta tôt, à Estoril et Cascais” (p. 129). James Henry Bennet (1816/1891) inovaria ao defender a Riviera francesa para patologias pulmonares, alicerçando-se o desenvolvimento de Nice na helioterapia, ali surgindo hotéis e sanatórios (Hale, 2009, p. 67); em Cascais, a conselho de médico inglês à esposa de D. José de Saldanha Oliveira e Sousa seria erguida, na década de 1880, a Casa de São José da Guia, por ser esse local acariciado pela corrente do Golfo (Falcão, 2005 [1970], p. 502). Igual razão levou o capitalista João Martins de Barros a instalar-se na Poça, em 1886, curando-se a sua filha com os ares do pinhal e do mar (Colaço & Archer, 1999 [1943], p. 299); a Barros se deveria a conversão do forte de Santo António da Cruz no exótico Chalet Barros. A transmutação alquímica do Vale de Santo António em resort internacional emularia ainda as experiências botânicas do Sul de França, pois

Com o progresso urbano o Estoril ia-se apropriando da flora mediterrânea, flora de uso e abuso em Nice, Mónaco, e toda a Riviera francesa e italiana. As palmeiras, os tamarindos, as araucárias, os cedros de vária espécie, as olaias que florescem em revoadas de perfume, as acácias que florescem em ondas de cor, os ciprestes, os eucaliptos, começaram a desenvolver o casario com seu abraço luxuriante (Idem, p. 303).

O Dr. Daniel Dalgado (1910) foi o arauto do microclima cascalense e, em 1906, no 15º Congresso Internacional de Medicina, elogiá-lo-ia, pincelando uma polícroma aguarela discursiva, como se visualiza neste trecho. Assim:

The climate is such that boots never become mouldy, the pavements are not moist in the morning, the tiles are not covered with moss, and iron never gets rusty. (…) Some of the plants which flower only once a year elsewhere flower twice at Estoril, once, as usual, in the spring, and once again in the autumn or winter, so that Estoril is a veritable Land of the Two Springs and a Summer (pp. 36-37).

Dalgado fundamentava a sua certeza em evidências geográficas (Carvalho, 2014, p. 276), mas apenas duas décadas volvidas se estudariam as especificidades locais na senda do 13º Congresso Internacional de Hidrologia, Climatologia e Geologia reunido, em Lisboa, em Outubro de 1930. Nesse encontro científico, Narciso & Mata (1930), declarariam que “the climate of the Costa do Sol has an advantage by the combination of the thermal regularity of the Atlantic, without its fogs, with the thermal regularity of the Mediterranean, without its Mistral, which accounts for all its mildness and softness” (p. 26). Após comparação das temperaturas anuais verificadas na Costa do Sol e nas rivais francesas Biarritz e Nice, os autores coroavam as estatísticas afirmando que “there is no winter at the Costa do Sol, but only a

precocious spring, that there is almost no autumn, but only a prolonged summer” (Narciso & Mata, 1930, p. 35). A amenidade cascalense levara o já Dr. Dalgado (1910) a apelidar o Estoril de Terra das 2 Primaveras (p. 37) e, segundo Ferreira de Andrade (1969), o coberto vegetal cascalense contabilizava cerca de 62% de espécies mediterrâneas, 7% de espécies atlânticas, 3% de endemismos e as 28% restantes de origens europeia e asiática. Por exemplo, na orla marítima predominavam pinhais, urzes e rosmaninhos e, das espécies exóticas introduzidas em finais do século XIX, destaquem-se palmeiras, tamarindos, hibiscos, buganvílias e acácias (pp. 94-99). As condições climáticas justificariam a inauguração do solário de Dr. K. Shaw(AHMCSC/AADL/CMC/L-E/001-004/3626;AHMCSC/AADL/CMC/ L-E/001-004/3639). Ao fim de 30 anos de especialidade, o clínico de Harley Street concluía terem os Estoris condições ímpares, numa área que “indubitavelmente virá a ser o mais importante, o mais rico centro e turismo do mundo! (O Século, 9 de Setembro de 1931, p. 2)” O aperfeiçoamento do estudo deveu-se à criação de estações climatológicas no Solário de Parede, em 1930, e na sede da Comissão de Iniciativa e Turismo de Cascais, em 1931; em acta, a Comissão registou o apoio de Ferrugento Gonçalves (residente no Monte e membro do Observatório Central de Lisboa) na conversão dos graus Celsius (C) em Fahrenheit (F), o que denuncia interesses promocionais junto a públicos anglófonos (AHMCSC/AACD/ JTCE – Actas da Junta de Turismo de Cascais, Livro nº3 da CITC (1931-1933), 20 de Novembro de 1931, p. 4v). Nessa reunião acordar-se-ia ainda a aquisição de equipamentos como evaporímetro, termómetro de mínimas e máximas Fahrenheit, termómetro de máximas de irradiação solar e rosa-dos-ventos.

Em Janeiro de 1934, o Diário da Manhã noticiaria o movimento de hóspedes no Hotel Palácio, ao qual clientes se dirigiam “atraídos não só pelo belo clima do Estoril, como também pelas comodidades que este hotel apresenta” (Diário da Manhã, 8 de Janeiro de 1934, p. 9). Em Novembro, ali retornaria a actriz americana Frances Day para convalescer após acidente de automóvel em França; após breve passagem, em Junho, Day confessaria que, sempre que possível, procuraria “o clima, o sol e o sossego que existe neste previligiado recanto de Terra” (Modas & Bordados, 5 de Maio de 1934, p. 5). Em Fevereiro de 1935, também o Duque de Connaught (primo de Jorge V) e a esposa, a Duquesa de Fife, regressariam para cura climática (Portuguese Times, 13 de Fevereiro de 1935, p. 1).

Além de hotéis havia no Monte a Estoris Nursing Home, “the only British nursing home in Portugal” (Idem, 23 de Janeiro de 1935, p. 8), com corpo médico e auxiliar insular, nela convalescendo a esposa do Sr. Scullard, Surveyor for Lloyd’s Marine Register, nova prova dos confortos ofertados in situ a esta poderosa clientela. Em 1936, Gibbons conjugaria o clima à diversidade sazonal de turistas, ao escrever que “There are two distinct seasons. There will be the fashionable winter of the English and the North Americans, and then in the summer they will get middle- class English and also the Spanish and the Argentines and the Brazilians” (p. 32).

Em Março desse ano, a Estação Climatológica da Comissão de Turismo foi visitada por Ladislau Gorczynski, “membro da Comissão Internacional de Radiação Solar” (AHMCSC/AACD/JTCE – Actas da Junta de Turismo de Cascais, Livro nº4 da CITC (1933-1935), 12 de Julho de 1935, p. 155), que a elogiou, sugerindo a compra de solarigraphe que permitisse obter dados para um estudo que pretendia apresentar no próximo congresso, em Edimburgo. O sucesso do Monte como resort no início do século XX apelara visitantes distintos a fixar-se, como aconteceu com Fausto Figueiredo, em 1910, devido à frágil saúde da esposa. Clotilde Ferreira do Amaral tinha apenas um pulmão e um médico suíço recomendara os ares do Estoril; após o enlace, o casal fixou residência na encosta virada ao Vale de Santo António (“Estoril – Uma Realização Pessoal”, 2001, p. 21). Foi o que Marques Mata (1960) defendeu nas Primeiras Jornadas Luso-Espanholas de Hidrologia Médica, pois

Não fora a regularidade do clima desta região para atrair, para almejada cura, a Ex.ma Senhora D. Clotilde Amaral de Figueiredo, que beneficiando do tratamento climático, determinou seu marido a fixar residência nestas paragens, nunca o Estoril poderia ter atingido o grau de progresso e de desenvolvimento que hoje possui (p. 38).

Figueiredo cedo percepcionou as potencialidades naturais do pinhal, adquirindo terrenos vários (como a Quinta do Viana) para delinear o resort de luxo que ponderou baptizar de “Estoril-les-Bains” (Hampton, s/d, s/p): para Licínio Cunha (2010), esta “foi uma iniciativa pioneira que só viria a ser aplicada, 50 anos depois, com o projecto de Vilamoura no Algarve” (p. 135).

Estátua de Fausto Figueiredo no Parque Estoril [Fotografia da Autora]