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Fausto Figueiredo e o Novo Estoril

2 O Nascimento do Estoril

3. Fausto Figueiredo e o Novo Estoril

Apaixonado por Cascais e pelo Monte Estoril, onde passou a residir em Maio de 1910, Fausto Cardoso de Figueiredo é uma figura incontornável na história do urbanismo português.

Nascido em Celorico da Beira, Distrito da Guarda, em 17 de Setembro de 1880, Fausto de Figueiredo era Licenciado em Farmácia e foi, desde muito jovem, um dos mais promissores da Companhia Portuguesa dos Caminhos de Ferro.

Radicado no Estoril desde os seus trinta anos, quando casou com Clotilde Ferreira do Amaral, mostrou apetência para os negócios desde a mais tenra idade, assumindo-se muito sensível aos inúmeros problemas económicos e financeiros que afectaram Portugal e o seu tecido empresarial no período final do regime monárquico e no decorrer da 1ª república.

Clarividente e empreendedor, foi capaz de contrariar as vicissitudes conjunturais de um País que se encontrava à beira da falência, totalmente dependente de capitais externos e da iniciativa estrangeira, e de imaginar, projectar e construir aquele que é, segundo Maria da Graça Gonzalez Briz, é um dos únicos conjuntos urbanísticos globais de Portugal.

Iniciando o processo de construção do então denominado ‘Parque do Estoril’ pela aquisição dos terrenos inseridos na antiga Quinta do Viana, onde existia somente um conjunto de construções precárias que davam apoio às actividades do recinto termal, e os restos degradados do Convento Franciscano de Santo António, Fausto de Figueiredo depressa percebeu que a única forma de enfrentar a concorrência oferecida pela Vila de Cascais, marcada por vários anos de presença da Corte; pelo aristocrático Monte Estoril, possuidor de uma fama de qualidade que ultrapassava as fronteiras Nacionais; e por São João do Estoril, povoado de raiz burguesa, institucionalizado a partir da exploração dos Banhos da Poça e da iniciativa de algumas das mais importantes figuras da finança portuguesa; era fazer do Estoril um espaço com uma identidade própria que promovesse uma forma renovada de cidadania.

Os esboços iniciais do Arquitecto Francês Martinet, que se orientavam precisamente pelo carácter global de toda a urbanização, pressupunham a recriação na velha Quinta do Viana de um espaço homogéneo bem definido, no qual as diversas actividades, como a habitação, o comércio e o lazer, se interpenetravam, numa dinâmica consolidada a partir das características arquitectónicas e urbanísticas dos edifícios e dos espaços.

Os equilíbrios gerados por esta formulação urbana, promoveriam, no entender do extraordinário empreendedor, uma qualidade de vida sem igual, na qual se tornaria fácil a recriação de uma identidade que cunhasse o Estoril com a marca de qualidade pela qual todos ansiavam.

Projeção do futuro Estoril, de 1914 [Estoril: Estação Marítima, Climatérica Termal e Sportiva, 1914]

Estas experiências de urbanização integral baseadas num planeamento prévio, necessariamente contrárias àquilo que eram (e continuam a ser infelizmente…) os hábitos de construção em Portugal, já haviam sido testadas com sucesso noutras partes da Europa. Em Portugal, exemplos como o da baixa pombalina de Lisboa ou o da criação do Monte Estoril, este último inacabado devido às dificuldades económicas da ‘Companhia Mont’Estoril’, mostravam que era possível e consequente a concretização destes projectos, bastando, para tal, que existissem os capitais necessários e o apoio político formal das instituições oficiais.

E foi precisamente isso que aconteceu. Como resultado da capacidade pessoal e do empenhamento de Fausto de Figueiredo e do seu sócio Augusto Carreira de Sousa, a ‘Sociedade Estoril-Plage’ conseguiu cativar o interesse dos grandes capitalistas lisboetas, que escolheram o Estoril para construir as suas novas habitações. Por outro lado, e mercê da influência cénica marcada pela construção daqueles que haveriam de transformar-se nos principais elementos aglutinadores da nova localidade, como o edifício das termas, os hotéis Inglaterra, Paris e Palácio, e o grande casino internacional, as novas edificações enquadram-se quase todas no estereótipo criado em torno dos valores da tradicional “Casa Portuguesa” e das inúmeras variações de cariz modernista que caracterizaram a época.

Fausto Figueiredo [AHMC/AESP/CNM]

Em termos políticos assumiu papel de especial relevo, na década de 30, o surgimento do Estado Novo. Fundamentado numa propaganda que dependia de uma recriação quase artificial de uma nova forma de ser e de estar em Portugal, não só como incentivo à promoção turística no estrangeiro, como também à consolidação dos novos valores Nacionais, o Governo utilizou profusamente o Estoril como cenário privilegiado para os seus eventos.

A fama e o prestígio do Estoril, marcados pela qualidade do seu projecto urbano, pela dinâmica social e cultural que se enquadrava nos espaços existentes, e pela fulgurante propaganda estatal, depressa se institucionalizaram, facilitando assim o processo de venda de lotes e de edificação de novas construções.

O Parque do Estoril, centrado na grande praça que resulta da construção das arcadas – edifícios de utilização mista de comércio e habitação -, no seu vasto e amplo jardim, no imponente casino, e na praia, possui todas as condições que garantem aos novos habitantes a possibilidade de se integrarem socialmente. Os eventos estorilenses, dos quais se destacam a grande Feira de Amostras da Indústria, em 1929; o II Circuito de Portugal em Automóvel, em 1933; os entrudos e as lendárias passagens de ano; vão-se complementar com a electrificação da linha de caminho-de-ferro, com a criação dos Bombeiros dos Estoris, com a inauguração da Estrada Marginal, com a recuperação da Igreja de Santo António, com a inauguração do Hotel Palácio e do Casino Estoril, etc.

A excelência do espaço, aliada a uma formulação urbanística de grande qualidade, a um enquadramento arquitectónico baseado em linhas mestras comuns, e a uma promoção sem igual no panorama Nacional, transformam o Estoril naquilo que ainda hoje consegue ser: um local equilibrado, agradável, e socialmente saudável, onde a habitação, o comércio, os serviços e o lazer coexistem pacificamente, com evidentes benefícios recíprocos e uma qualidade de vida incomparavelmente maior do que aquela que caracteriza outras zonas do Concelho de Cascais.

Jardim do Casino Estoril, junto à Avenida Marginal. Ao fundo, Hotel Palácio [AHMCSC/AFTG CAP/A/386]

Como é evidente, esta situação acaba por ter consequências efectivas no quotidiano de todos quantos vivem, trabalham ou passeiam no Estoril. A qualidade da envolvência, e o grande cuidado dispensado ao espaço urbano, dignifica as zonas públicas, valorizando o património privado e transformando-se numa mais- valia para o local. Os hábitos, os usos, os costumes, e o dia-a-dia do estorilenses vão-se adaptando às suas condições de vida, facto que, por sua vez, influi na educação, no civismo e na cultura dos habitantes.

A qualidade do Estoril, sonhada por Fausto de Figueiredo que a concretizou através do projecto urbano de Martinet integrado na cenografia da localidade, é hoje resultante de uma panóplia que agrega também o apoio político do Estado e da Autarquia; a vontade e a educação dos seus habitantes; a capacidade e o espírito empreendedor dos seus comerciantes e empresários; a visão dos promotores que ali existem; e o civismo daqueles que visitam o local.

Tudo isto, como é evidente, é resultado do planeamento global prévio levado a cabo por Fausto de Figueiredo, da sua capacidade de ultrapassar as vicissitudes do sistema e do enquadramento geral que ele conseguiu imprimir a todos aqueles que ali construíram as suas habitações.

Cem anos depois, e ainda mantendo bem vivo o seu espírito original, apesar de algumas desvirtuações pontuais que resultaram de incapacidades políticas conjunturais, o Estoril assume-se como exemplo de sucesso que demonstra que é possível recriar espaços de enorme qualidade nos quais o comércio, a habitação e os serviços se equilibram promovendo uma vivência socialmente saudável, com excelentes parâmetros de segurança e de bem estar.

Ao conjugar a sua capacidade de sonhar com um mundo melhor mais perfeito com a capacidade empreendedora e concretizativa que demonstrou ter, Fausto Cardoso de Figueiredo foi verdadeiramente genial na forma como fez nascer a região de Turismo do Estoril, perspectivando para daí a mais de um século

Jardim e Casino Estoril [AHMCSC/AEMP HPL/A/002/028]

(sabendo que nessa altura já não andaria por cá) os resultados da excelência que estava então a promover.

O impulso dado por Fausto Cardoso de Figueiredo ao turismo, baseado não só na criação de raiz daquela que vai ser a primeira grande urbanização totalmente pré-planeada em Portugal, como também nas inúmeras intervenções pontuais que desenvolveu enquanto político, fazem dele uma personalidade incontornável na história do Concelho de Cascais e do sector turístico em Portugal.

Faleceu na sua residência, no Estoril, no dia 05 de Abril de 1950.