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“AS COISAS QUE A NATUREZA ME ENSINA” O CONTRIBUTO CARTESIANO PARA UM CONCEITO

No documento NATUREZA, CAUSALIDADE E FORMAS DE CORPOREIDADE (páginas 106-132)

MODERNO DE NATUREZA

MARIA LUÍSA RIBEIRO FERREIRA UNIVERSIDADE DE LISBOA

Resumo.O conceito de natureza tem uma história e pode ser tomado numa pluralidade de sentidos. Este texto realça algumas concepções marcantes desta temática, recordando as mundividências grega, judeo-cristã e moderna e centrando-se em Descartes. Dele elegeu três acepções de natureza - física, humana e animal. São concepções que ainda habitam o nosso inconsciente filosófico e que continuam a interpelar-nos pelo seu carácter polémico em contraste com o ambientalismo contemporâneo. O texto termina com a tentativa de interpretar o significado possível da afirmação cartesiana “as coisas que a natureza me ensina” relevando no filósofo a importância dos sentidos para a nossa orientação no quotidiano e restituindo ao corpo um papel determinante para o bem estar de cada um.

***

“E seguramente não há dúvida que possuem alguma verdade todas as coisas que a natureza me ensina, porque por natureza considerada em geral, não compreendo agora outra coisa do que o próprio Deus, ou a ordem das coisas criadas, instituída por Deus. E por minha natureza em particular o complexo de tudo o que me foi atribuído por Deus.”

Descartes, Meditações de Filosofia Primeira, VI1

1. DESCARTES, (1976), Meditações de Filosofia Primeira, VI, trad. Gustavo de Fraga,Coimbra, Almedina, p. 210.

“ Et premierement il n’y a point de doute que tout ce que la nature m’ enseigne contient quelque vérité. Car par la nature, considérée en general, ie n’entens maintenant autre chose que Dieu mesme, ou bien l’ordre & la disposition que Dieu a établie dans les

Apontamentos para um conceito de Natureza

Todos os conceitos filosóficos têm uma história. Se foram (são) marcantes, integram-se em contextos vários que determinam os seus diferentes signifi- cados. O conceito de natureza não foge à regra. A plurivocidade e a polis- semia do mesmo manifestam-se quer em extensão quer em compreensão. Na primeira acepção que vamos contemplar, a Natureza é genericamente tomada como princípio globalizante e unificador de tudo quanto existe. É não só a totalidade estruturada das coisas como aquilo que as une e as faz inter-agir. Deste modo aceitamos, devido à sua operacionalidade eficiente, a definição de Giani Micheli que a considera como “ a compreensão unitária e racional das coisas que constituem o mundo.”2

Os gregos sustentavam uma Natureza perpassada de mente (lógos), tendo dela uma visão analógica e projectiva, na qual dominam o vitalismo e o animismo. O mundo era para eles um ser vivo, atravessado por movimentos ordenados e dotado de uma alma. Entre os seres naturais e o mundo havia uma semelhança psíquica e intelectual, uma sintonia. Para os filósofos antigos, a Natureza era um todo, um kósmos organizado no seio do qual procuravam um lugar para o homem. Daí o facto de alguns dos grandes pensadores da antiguidade, nomeadamente os epicuristas e os estóicos, ultrapassarem uma dimensão meramente física da Natureza, conotando-a com aspectos morais e mesmo lógicos, buscando como ideal de realização um viver de acordo com a ordem natural.

Reencontramos esta visão grega nos renascentistas os quais, recuperando temas e conceitos da filosofia antiga, entendem a Mãe Natureza como algo que se frui e se venera, com o qual se estabelece uma relação de respeito, numa atitude em que, mais do que a gnosiologia, predomina a estética.

choses crées. Et par ma nature en particulier, ie n’entens autre chose que la complexion ou l’ assemblage de toutes les choses que Dieu m’a données. »

DESCARTES, Meditations, Sixiéme, AT, IX, p. 64.

Algumas discrepâncias entre a tradução portuguesa apresentada e o texto francês que cita- mos em nota de rodapé, devem-se a termos utilizado para a versão portuguesa a tradução de Gustavo de Fraga,que segue o texto original em latim. De qualquer modo pensámos que teria mais interesse para o leitor confrontar-se com o texto francês, ratificado por Descartes. Daí citarmos as Meditações a partir do volume IX de Oeuvres de Descartes publiées

para Charles Adam et Paul Tannery ( AT ), Paris, Vrin, 1996. No que respeita a outras obras

as traduções não identificadas são nossas.

2. MICHELI, Giani, (1990), artº Natureza, Enciclopédia Einaudi, Lisboa, INCM, vol.18, pp. 11-53 (p.14).

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A mundividência judeo-cristã realça o conceito de criação. A Natureza é uma dádiva divina que tem como destinatário o homem. Este deverá dominar “sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais domésticos e sobre todos os répteis que rastejam pela terra”.3 Na hierarquia

dos seres o homem ocupa um lugar cimeiro. Ele é o senhor da criação des- tacando-se dela pela dignidade ímpar que lhe foi concedida: “Deus criou o homem à sua imagem, criou-o à imagem de Deus”.4 De amante temeroso o

homem passa a usufrutuário de bens sobre os quais tem legítimo poder. O paradigma estético é substituído pelo paradigma do usufruto. A Natureza, criada para ele, é em si mesma boa: “Deus vendo toda a Sua obra conside- rou-a muito boa.”5

Na Modernidade deu-se a ruptura que ainda hoje nos marca. A Natureza começa a ser predominantemente entendida como máquina. Esta é uma estrutura, uma organização de elementos ou de peças que entre si estabele- cem uma relação de causa e de efeito. É orientada para um fim, para algo que lhe é exterior e lhe determina a acção. Num universo progressivamente dessacralizado, mantém-se no entanto a ideia de um Deus criador, iden- tificado com uma inteligência ordenadora e transcendente, assegurando o funcionamento da máquina. O modelo privilegiado é o do relógio: Deus é o grande relojoeiro que faz sintonizar todas as peças. Leibniz é um dos melhores representantes desta metáfora:

“A natureza não faz nada em vão, todas as coisas evitam a destruição de si mes- mas, os semelhantes alegram-se com os semelhantes; a matéria tende para uma forma mais nobre. Porque, todavia, não existe na natureza nenhuma sabedoria nem apetite, a ordem bela nasce do facto de que ela é o relógio de Deus.” Leibniz a J. Thomasius6

A sutura existente entre o Criador e a criatura torna-se ainda mais funda pelo acréscimo de um novo corte – o do homem relativamente à Natureza, que deverá ser-lhe submissa. A natureza é estudada, perscrutada, violentada, sem qualquer assomo de culpa. A atitude de cuidado, presente no relato bíblico e com tantas repercussões no universo medieval, é substituída pela

3. Génesis, 1,26. 4. Génesis,1,27. 5. Génesis,1,31.

neutralidade do agir técnico e científico. O próprio estudioso é exortado a abandonar a atitude teórica e a participar na conquista técnica, manuseando a Natureza em proveito próprio.

Não podemos falar de univocidade ou sintonia quanto a um conceito de Natureza entre os Modernos. No século XVII ela é entendida de diferentes maneiras mas em quase todas o mecanicismo domina. A mundividência moderna é racional, objectiva e mecânica, em contraste com a visão teleoló- gica dos antigos e com a espontaneidade dos renascentistas.7 O vitalismo do

Renascimento empresta sensibilidade às coisas. O mecanicismo seiscentista aplica-se aos organismos, fazendo da biologia uma ciência rigorosa embora destituída de vida. Descartes é um seu lídimo defensor.

O mecanicismo cartesiano

A escolha de Descartes para trabalharmos um sentido global de Natureza justifica-se pelas marcas que o pensamento deste filósofo deixou. De facto, as suas concepções habitam o nosso inconsciente filosófico. Os que pro- fessam uma dicotomia entre natureza e cultura continuam a recorrer aos seus argumentos. Os que partilham uma visão holística, utilizam-no como interlocutor que se contesta. O que prova que o seu pensamento se man- tém vivo e que as suas teses ainda hoje nos interpelam. Como é próprio dos grandes pensadores.

Note-se que o modo como o filósofo francês entende a Natureza está longe de ser unívoco. Nos seus escritos encontramos pelo menos três acepções para este termo: a Natureza em geral, enquanto ordem das coisas criadas por Deus; a natureza humana em particular, com tudo aquilo que nos foi atribuído por Deus; a natureza animal que equipara à das máquinas.

Em Descartes o indivíduo humano impõe-se como sujeito prepotente, dotado de direitos e de poderes sobre o real, que manuseia em prol dos seus interesses. Este conceito de Natureza deixou marcas nos nossos dias, constituindo-se como núcleo persistente de teses que os ambientalistas actuais explicitamente combatem. Na verdade, a “nova ordem ecológica”8

7. Nem todos os filósofos do séc. XVII perfilharam esta visão mecanicista. Espinosa e Leibniz, entre outros, estão entre esses “dissidentes.”

8. Vide FERRY, Luc, (1992), Le Nouvel Ordre Écologique, Paris, Grasset, (trad. portuguesa de Luís de Barros, A Nova Ordem Ecológica, Lisboa, Asa, 1993).

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ao pretender ultrapassar a herança recebida tem em Descartes um dos seus alvos. Este apresenta-se como expoente máximo da oposição entre o homem e a Natureza.

No Tratado do Mundo, o filósofo francês apresenta de um modo explí- cito um conceito de Natureza que se manterá nos seus escritos de física. E imediatamente percebemos que há nele um desejo firme de combater as fantasias mágico-míticas que pululam nas concepções renascentistas. O seu intuito é afirmar-se como cientista, movendo-se em terrenos que pode observar e usando como metodologia o estabelecimento de relações de causa e de efeito sobre os fenómenos que estuda. Daí a identificação da Natureza com a matéria e a procura nela de leis regulares. Estas, embora criadas por Deus não O colocam como causa próxima:

“Sabei portanto, em primeiro lugar, que por Natureza não entendo aqui alguma Deusa, ou outro tipo de potência imaginária, mas que me sirvo desta palavra para significar a própria Matéria enquanto a considero com todas as qualida- des que lhe atribuí consideradas todas em conjunto, e sob essa condição, que Deus continua a conservá-la do mesmo modo que a criou. Porque apenas unicamente por continuar assim a conservá-la, se segue necessariamente que deve haver várias mudanças nas suas partes, as quais não podendo, parece-me, ser propriamente atribuídas à acção de Deus, porque ela não muda, atribuo-as à Natureza; e as regras segundo as quais se fazem estas mudanças, nomeio-as as leis da Natureza.”

Tratado do Mundo9

A Natureza é assim um conjunto de corpos materiais, sujeitos a regula- ridades e constâncias (regras) que nos permitem detectar nela uma raciona- lidade intrínseca. As leis que a regem tranquilizam o sábio pois colocam-no

9. « Sçachez donc, premierement, que par la Nature je n’entends point icy quelque Déesse, ou quelque autre sorte de puissance imaginaire; mais que je me sers de ce mot pour signifier la Matiere mesme, entant que je la considere avec toutes les qualitez que je luy ay attribuées, comprises toutes ensemble, & sous condition que Dieu continuë de la conserver en la mesme façon qu’ il l’a creée. Car de cela seul, qu’il continuë ainsi de la conserver, il suit, de necessité, qu’il doit y avoir plusieurs changements en ses parties, lesquelles ne pouvant, ce me semble, estre proprement attribuez à l’ action de Dieu, parce qu’elle ne change point, je les attribuë à la Nature ; et les regles suivant lesquelles se font ces changemens, je les nomme les Loix de la Nature. »

fora de um universo miraculoso, permitindo-lhe que estude o real e que preveja resultados para as suas actuações sobre ele. Os atributos psíquicos a que os renascentistas recorrem para explicar a Natureza são descartados por Descartes como não científicos. Para ele Natureza é sinónimo de mundo material. Este é corpóreo e, como tal, extenso. O materialismo fisicalista apresenta-se como a única visão científica do real. Corpo, matéria, res extensa, são termos permutáveis. E o filósofo propõe-se uma tarefa ingente – estu- dar toda a Natureza, que identifica com a física: “(...) e em vez de explicar apenas um fenómeno tomei a resolução de explicar todos os fenómenos da natureza, quer dizer, toda a Física.”10

É um extracto significativo pois em duas linhas constatamos que a botânica, a mineralogia e a zoologia são ignoradas, reduzindo-se em última instância à física e às suas propriedades. Tais propriedades prendem-se essen- cialmente com a extensão:

“Que não é o peso, nem a dureza, nem a cor, que constitui a natureza do corpo,

mas apenas a extensão. Ao fazê-lo [determinar a natureza do corpo] saberemos que a natureza da matéria, ou do corpo tomado em geral, não consiste em que ele seja uma coisa dura, ou pesada, ou colorida, ou que toca os nossos sentidos de qualquer outra maneira, mas apenas em que ele é uma substância extensa em comprimento, largura e profundidade (...)”

Princípios de Filosofia11

O filósofo não nega a existência de um plano de Deus para o mundo. No entanto considera que nos é inacessível qualquer causalidade para além da eficiente. A perspectiva teleológica escapa-nos pois enquanto limitados temos de nos circunscrever às relações entre os corpos. Os corpos definem- -se por propriedades mensuráveis e quantificáveis, devendo abandonar-se, por irrelevantes, aquelas que derivam das projecções do sujeito que as

10. “(…) et au lieu d’expliquer vn Phaenomene seulemant, ie me suis resolu d’expliquer tous les Phaenomenes de la nature, c’est à dire toute la Physique. »

Descartes a Mersenne, 13 de Novembro de 1629, AT, I, p. 70. (Sublinhados nossos).

11. “ Que ce n’est pas la pesanteur, ni la dureté, ni la couleur, &c, qui constituë la nature du corps,

mais l’extension seule. En ce faisant, nous sçaurons que la nature de la matiere, ou du

corps pris en general, ne consiste point en ce qu’il est vne chose dure, ou pesante, ou colorée, ou qui touche nos sens de quelque autre façon, mais seulement en ce qu’il est vne substancees tenduë en longueur, largeur & profondeur. »

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percepciona. A distinção galileana entre qualidades primeiras e segundas é plenamente aceite pelo filósofo francês, que a generaliza, tornando-a uma tese de referência para a maioria dos pensadores modernos. Estes tiveram- -na em conta, quer para a aceitar, como Locke, quer para a contestar, como Berkeley e Hume.

A hipótese atomista também não é do agrado de Descartes. A matéria é contínua e infinitamente divisível diferindo as suas partes pela figura e movimento. É mais uma vez a perspectiva científica, cruzada com a econo- mia de razões, que vence as explicações fantasiosas dos medievais:

“(...) Mas afim de que recebais todas estas suposições com menos dificuldades, sabei que não concebo as partes pequenas dos corpos terrestres como átomos ou partículas indivisíveis, mas que, julgando-as todas de uma mesma maneira, creio que cada uma poderia ser redividida numa infinidade de maneiras, e que só diferem entre si como as pedras das diversas figuras que tivessem sido cor- tadas de uma mesma rocha. Sabei também que para não quebrar a paz com os filósofos não quero de todo negar aquelas outras coisas que eles imaginam nos corpos, tal como as formas substanciais, as qualidades reais e coisas semelhan- tes, mas que me parece que as minhas razões deverão ser tanto mais aprovadas quanto as faço depender de menos coisas.”

Os Meteoros12

No capítulo III do seu Tratado do Mundo Descartes debruça-se sobre os corpos líquidos e sólidos, procurando demonstrar que a diferença entre eles apenas reside na separabilidade dos elementos, o que acontece menos nos primeiros do que nos segundos. Como tal, põe em causa as formas substanciais, negando nesses corpos a existência de qualidades reais como a solidez ou a liquidez. O facto de todos os corpos serem modos da matéria,

12. « Mais, affin que vous receuiés toutes ces suppositions auec moins de difficulté, sçachés que que ie ne conçoy pas les petites parties des corps terrestres comme des atomes ou particules indiuisibles, mais que, les iugeant toutes d’vne mesme matiere, ie croy que chascune pourroit estre rediuisée en vne infinité de façons, & qu’elles ne different entre elles que comme des pierres de plusieurs diuerses figures, qui auroient esté couppées d’vn mesme rocher. Puis, sçaché saussy que, pour ne point rompre la paix auec les Philosophes, ie ne veux rien du tout nier de ce qu’ils imaginent dans les cors de plus que ie n’ay dit, comme leurs formes substantielles, leurs qualités reelles, & choses semblables, mais qu’il me semble que mes raisons deuront estre d’autant plus approuuées, que ie les feraydependre de moins de choses. »

homogeneíza a Natureza permitindo que dela se faça uma descrição uniforme. Corpos sólidos e líquidos explicam-se todos de um modo mecânico. De igual modo a distinção entre seres vivos e inanimados é abolida mediante a introdução de uma linguagem científica que toma como modelo a máquina, descrevendo todos os seres em função da sua constituição intrínseca e das suas funções:

“Eu não reconheço nenhuma diferença entre as máquinas que os artesãos fazem e os diversos corpos que a Natureza por si só compõe, a não ser esta: que os efeitos das máquinas não dependem de mais nada a não ser da disposição de certos tubos, que devendo ter alguma proporção com as mãos daqueles que os fazem, são sempre tão grandes que as suas figuras e movimentos se podem ver, ao passo que os tubos ou molas que causam os efeitos dos corpos naturais são ordinariamente demasiados pequenos para poderem ser percebidos pelos nossos sentidos (...) Por exemplo, quando um relógio marca as horas por meio das rodas de que é feito, isto não lhe é menos natural do que uma árvore a produzir os seus frutos.”

Princípios de Filosofia13

Entre corpos vivos e não vivos a diferença é de escala e o natural num corpo vivo é igual ao natural numa máquina. A perfeição identifica-se com a repetibilidade, a previsibilidade e a obediência a leis. Descartes avança com a hipótese de um mundo criado por Deus a partir de uma matéria em movimento, matéria essa que seria progressivamente ordenada por leis, nela impressas pelo Criador. As leis da Natureza expostas no capítulo VII do Tratado do Mundo, são leis mecânicas que se explicam pelo recurso ao contacto e ao movimento.

13. “ (...) car je ne reconnais aucune différence entre les machines que font les artisans et les divers corps que la nature seule compose, sinon que les effets des machines ne dépendent que de l’ agencement de certains tuyaux, ou ressorts, ou autres instruments, qui, devant avoir quelque proportion avec les mains de ceux qui les font, sont toujours si grands que leurs figures et mouvements se peuvent voir, au lieu que les tuyaux ou ressorts qui causent les effets des corps naturels sont ordinairement trop petits pour être aperçus de nos sens. (...) Car par exemple lorsqu’ une montre marque les heures par le moyen des roues dont elle est faite, cela ne lui est pas moins naturel qu’ il est à un arbre de produire ses fruits.” DESCARTES, Les Principes de la Philosophie, IV, § 203, AT, IX, pp. 321-322

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Para o filósofo há uma infinidade de diversos movimentos que se ini- ciaram com a criação do mundo e que continuarão até ao fim do mesmo.14

A diferença entre os grandes movimentos que provocam a sucessão de dias, meses e anos e os pequenos movimentos de uma chama, é apenas de escala: “ De onde conheço evidentemente que não é apenas na chama que há uma quantidade de pequenas partes que não cessam de se mover; mas que as há também em todos os outros corpos, ainda que as suas acções não sejam tão violentas, e que por causa da sua pequenez elas não possam ser apercebidas por nenhum dos nossos sentidos.”

Tratado do Mundo15

No Tratado que temos vindo a referir, Descartes rebate os argumentos aristotélicos e escolásticos sobre o movimento, os quais vêem na forma o princípio de acção das coisas. Na sua perspectiva, o movimento resulta da inter-actuação dos corpos. Descartes recusa a teoria aristotélica dos lugares

No documento NATUREZA, CAUSALIDADE E FORMAS DE CORPOREIDADE (páginas 106-132)