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Colapsos e revivais quânticos

O estudo da interação entre a luz e a matéria baseado no modelo de Jaynes-Cummings, nos permitiu, até o presente momento, descrever alguns dos fenômenos apresentados por este sistema. Porém, como já foi discutido anteriormente, modelar um feixe de laser como um estado de Fock não é o procedimento mais adequado uma vez que estados de Fock, com número bem definido de fótons, apresentam características quânticas que estão em desacordo com o esperado da luz clássica de um laser.

Com isso, nesse estágio do projeto, finalizamos nossos estudos baseados em sistemas formados por um átomo de dois níveis em interação com um campo eletromagnético que possui um número definido de fótons e passamos agora, a tratar a luz clássica de um laser por um modelo mais realista, os estados coerentes.

Neste caso, o sistema que antes era descrito pela equação (133), passa agora a ser representado por

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evidenciando mais uma vez, que um estado coerente é uma superposição de estados com todos os números de fótons possíveis, ou seja, uma superposição de estados de Fock.

Os coeficientes e em princípio, apresentam dependência temporal. Já o coeficiente é definido como

(137)

de forma que represente um átomo em interação com um estado coerente de radiação.

O problema da evolução temporal do sistema representado por na equação (136) já foi resolvido por Eberly e colaboradores[21] utilizando a abordagem do quadro de Heisenberg. A solução é bastante complexa pois se baseia na evolução temporal de um conjunto de operadores quânticos sem significado físico imediato, sendo, portanto, pouco natural ainda que formalmente correta. O método que utilizaremos para se analisar a evolução temporal de um átomo em interação com um feixe de laser é mais simples que o proposto na referência [21] e se baseia no quadro de Dirac. Até onde sabemos, é um tratamento inédito e mostrou-se conveniente pela relativa simplicidade quando comparado à solução do problema no quadro de Heisenberg.

O sistema representado por será inicialmente descrito por

(138)

e utilizaremos a equação de Schrödinger para o quadro da interação, pois como vimos anteriormente, é a equação que rege a evolução temporal dos estados dos observáveis

(139) onde (140)

porém, como consideraremos o caso de ressonância em que , o hamiltoniano de interação se resume a

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A resolução da equação de Schrödinger para a interação nos fornece outras duas equações:

(142)

As equações diferenciais obtidas desacoplam facilmente levando a uma equação de segunda ordem equivalente à do oscilador harmônico. A solução geral para este caso é

(143)

Como o estado inicial do sistema é formado por um átomo excitado em interação com um estado coerente de luz, obtemos e , o que nos leva a

(144)

e a amplitude de probabilidade do estado fundamental

(145)

Reescrevendo a equação (136) obteremos

(146)

que é a solução final da evolução temporal de um sistema formado pela interação entre um átomo de dois níveis e um estado coerente de luz.

Considerando-se agora o caso mais geral, com dessintonia diferente de zero ( ), teríamos para a amplitude de probabilidade do estado excitado e fundamental respectivamente

(147) ambas levando a

47 (148) com (149)

Porém, mais interessante que descobrir como o estado evolui no tempo, é descobrir como a inversão de população se comporta de acordo com a evolução do sistema. Para isso, calcularemos o valor médio do operador no estado descrito por e que, conforme a equação (29), é dado por .

Como resultado, temos que

(150)

que pode ser simplificado para

(151)

Deve-se notar que o resultado é uma série infinita da qual não se conhece solução analítica em forma fechada. Para estudar seu comportamento, foi necessário realizar a soma numericamente. Para os parâmetros que serão utilizados a seguir, verificamos que os primeiros 150 termos eram mais do que suficientes para que o erro da soma fosse inferior a 1%.

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Figura 7: Inversão da população na cavidade composta por um estado coerente em função do tempo, para o

caso em que e fótons.

A figura 7 nos permite constatar a existência de um fenômeno conhecido como colapsos e revivais. Os colapsos e os revivais surgem a partir da interação de um átomo com um estado coerente de luz, por causa da defasagem, provocada pela diferença de frequência, entre cada um dos estados de fótons que formam o estado coerente.

Podemos entender o resultado observado da seguinte maneira: assim que o sistema é colocado para interagir, temos uma maior probabilidade de encontrarmos o átomo ou no estado excitado ou no estado de menor energia, de maneira discreta. Por conta da incomensurabilidade das frequências de oscilação de cada termo da série, a coerência quântica colapsa, reduzindo a zero o valor da inversão de população. Porém, de tempos em tempos, os diversos termos da série voltam a se encontrar quase em fase novamente, e a coerência quântica ressurge parcial mas espontaneamante em um fenômeno chamado de revival.

Se compararmos a inversão de população quando a radiação dentro da cavidade era descrita por um estado de Fock (figura 6) com os resultados obtidos agora, onde a luz é representada por um estado coerente, veremos de imediato que além de não termos uma variação constante durante o regime de estado estacionário, nos sistemas em que a luz é descrita por um estado coerente, o valor da inversão de população não é bem definido devido à influência do princípio da incerteza de Heisenberg.

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(152)

e percebemos que não há grandes diferenças entre o caso de ressonância e o de dessintonia diferente de zero, pelo menos quando utilizados valores razoáveis para as dessintonias. Talvez por este motivo, este caso parece ausente da literatura até o momento.

Ainda que a análise da inversão da população já evidencie a existência de colapsos e revivais no sistema estudado, parece ser mais simples medir a probabilidade de encontrar o átomo no estado excitado. Esta grandeza, relacionada à inversão da população, é a que foi determinada em experimentos pioneiros realizados ainda na década de 1980[22]. Para poder comparar nossos resultados com as medições realizadas, calculamos a probabilidade de encontrar o átomo no estado excitado, que é o estado inicial do sistema. Considerando-se o sistema em situação de ressonância ( ), temos

(153) com (154)

e podemos perceber como a inversão de população está intimamente relacionada à probabilidade do átomo estar excitado.

Os resultados obtidos pela soma numérica dos primeiros 150 termos da série representada na equação (153) foram comparados aos resultados experimentais obtidos por Rempe, Walther e Klein[22] na figura 8. Os resultados são qualitativamente semelhantes e parecem concordar de modo bastante razoável do ponto de vista quantitativo. O experimento foi feito utilizando um sistema formado pela interação entre átomos de rubídio e estados coerentes de luz. Percebemos que entre e a probabilidade é praticamente constante. Após isso, volta a oscilar novamente, iniciando o fenômeno de revival.

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Figura 8: Probabilidade de se encontrar o sistema no estado inicial na interação entre átomos e estados coerentes

de luz, para o caso em que e .

5 CONCLUSÃO

Durante o projeto, a revisão bibliográfica permitiu o entendimento dos postulados e interpretação do formalismo quântico envolvido em seu desenvolvimento. O estudo realizado permitiu que modelos quânticos fossem usados tanto para descrever o átomo como um sistema de dois níveis quanto para descrever o campo eletromagnético como um conjunto de osciladores harmônicos. A interação entre estes sistemas foi descrita pelo modelo de Jaynes- Cummings.

No contexto do modelo de Jaynes-Cummings, diagonalizamos o Hamiltoniano, obtivemos a probabilidade de transição e comparamos nossos resultados com resultados obtidos experimentalmente[18]. A comparação sugere que o modelo de Jaynes-Cummings é capaz de descrever a interação de um átomo com o campo eletromagnético de modo bastante acurado no que diz respeito às trocas de energia entre o átomo e a luz.

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Porém, a luz clássica de um laser é dotada de uma complexidade um pouco maior do que aquela que pode ser representada por estados de Fock puros. Com isso, o entendimento da radiação a partir de sua descrição por estados coerentes permitiu que estas características peculiares fossem descritas tanto para a luz como um sistema isolado, quanto para sua interação com a matéria. A introdução do princípio da incerteza de Heisenberg durante o desenvolvimento das propriedades dos estados coerentes deixou ainda mais clara a interpretação probabilística que a física quântica nos permite fazer da natureza. A partir disso, pudemos utilizar o quadro de Dirac para a realização dos cálculos envolvendo os estados coerentes de luz e sua interação com modelos atômicos de dois níveis, método que não foi encontrado na literatura e que, no entanto, mostrou-se mais simples que os utilizados por outros autores.

Calculamos a evolução temporal desse sistema e comparamos nossas previsões teóricas com os resultados obtidos experimentalmente[22]. Esta comparação permitiu que concluíssemos que os modelos utilizados neste trabalho são adequados para descrever de modo acurado os fenômenos de interação entre radiação e matéria.

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