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2. A Pesquisa

2.2 Coleta de Dados

Partindo dos princípios acima arrolados, foram escolhidos dois casos de crianças atendidas pelo Ensino Fundamental do município de Quatá – SP e que foram vítimas de violência doméstica. Essa escolha se deu tomando como base o fato de tais crianças serem vítimas de violência doméstica de natureza física, psicológica e negligência. A triagem desses casos se tornou possível devido à inclusão do autor deste trabalho junto à rede municipal de Ensino Fundamental, onde realizou acompanhamento de 39 (trinta e nove) casos de crianças vítimas de violência doméstica dessa rede.

Para a apreensão do objetivo de estudo em questão, considera-se de vital importância pontuar que foram utilizados os instrumentais entrevista e diário de campo. Tomando como base essas colocações, definiu-se pela utilização da entrevista a fim de identificar o objetivo proposto.

As informações do diário de campo permitiram compreender caso a caso com maior profundidade, identificando informações importantes sobre cada família das crianças entrevistadas e, sobretudo, em relação à incidência de violência doméstica ocorrida com cada qual, se dando assim as aproximações sucessivas ou abstrações ao fenômeno. Assim, as explicações fornecidas sobre a situação de cada família e sobre as várias ocorrências da violência doméstica que cada uma vivenciou provêm das anotações desse diário. Como “situação de cada família” é feita referência a informações sobre o modo de vida de cada família, como a renda, composição de seus membros, ocupação etc. É preciso que se destaque ainda que, no diário de campo, constam todas as informações sobre as intervenções que foram realizadas junto às famílias por conta da situação de violência doméstica porque passou a criança.

Essas informações vêm ampliar a compreensão sobre a família da criança e seria muito difícil conseguir tais dados apenas com a entrevista realizada com a criança. Constam, em anexo, os diários de campo, elaborados inicialmente em manuscritos e posteriormente digitados e agregados ao trabalho. Dessa forma, foi possível estabelecer vínculos estreitos com os sujeitos da pesquisa e, por isso, se tornou possível acompanhar sistematicamente a realidade sobre a qual a pesquisa iria ocorrer (ABRANTES; MARTINS, 2007).

A entrevista, por sua vez, foi adotada por se constituir uma técnica em que será privilegiada a voz das crianças, e mais, o sentido que a vivência da violência doméstica tem para elas. Nesse processo, em que há o privilégio dos sujeitos da pesquisa por meio de sua fala, pode-se compreender com maior profundidade o universo no qual as crianças estão imersas, sem, no entanto, descolar essa análise da realidade social e econômica a que estão vinculadas ou, conforme diz Minayo, com relação à entrevista que enfoque o ator social, sujeito da pesquisa,

[...] não se reduz a uma troca de perguntas e respostas previamente preparadas, mas é concebida como uma produção de linguagem, portanto dialógica. [...] é o sujeito que se expressa, mas sua voz carrega o tom de outras vozes, refletindo a realidade de seu grupo, gênero, etnia, classe, momento histórico e social. (2002, p.29).

Entende-se, portanto, que a fala não expressa o vazio, mas a realidade vivenciada pelos sujeitos pesquisados, trazendo implícitas as concepções formadas historicamente por estes, uma vez que o sujeito é concebido como um ser histórico, constituído com base na sua realidade histórica. Não que a compreensão de que o conhecimento produzido pelos sujeitos da pesquisa seja soberano, mas, antes, que está totalmente imbricado à realidade social de uma sociedade capitalista.

A entrevista com as crianças partiu, no entanto, de fatos concretos, com os quais elas já haviam vivenciado, seguindo a metodologia proposta por Vigotski(2000b), de que a pesquisa se realize sempre pautando em situações cotidianas da vida das crianças. Esses fatos eram conhecidos do autor deste trabalho, como já se explicitou neste texto, em virtude do acompanhamento realizado enquanto assistente social e que fora registrado em diário de campo. O fato era retomado junto à criança, sendo-lhe perguntado como ela o percebia. Isso se dava, geralmente, pela sentença: “O que você acha disso que aconteceu?” ou, ainda, “Isso está correto”? A entrevista desenvolvida foi a do tipo semi-estruturada,

e, a partir dela, a criança começava a discorrer sobre o assunto. Todavia, a inserção da pergunta foi realizada dependendo do contexto vivenciado pela criança.

O local de realização de cada abordagem foi o espaço escolar. As entrevistas foram realizadas individualmente e ocorreram em sala particular, localizada no interior da unidade escolar, a qual a criança freqüentava. Apesar de haver necessidade da presença dos pais ou responsáveis, para encaminharem a criança até a escola, os mesmos não participaram das entrevistas, o que já fora previamente acordado. Foi, entretanto, realizada em contraturno ao horário de aula freqüentado pela criança. Com cada sujeito da pesquisa foram realizadas três entrevistas, visando a discutir fatos de violência doméstica separadamente.

Todas as entrevistas foram gravadas, transcritas e estão disponíveis em anexo neste trabalho. Os procedimentos necessários, como a solicitação de autorização dos pais, foram tomados segundo recomendação do Comitê de Ética em pesquisa, ao qual a mesma está subordinada.

Após a realização das entrevistas e da transcrição das mesmas, foram percebidos pontos em comuns nas falas das crianças entrevistadas. Esses pontos tornaram possível a compreensão do sentido que a violência doméstica tem para a criança entrevistada, conforme será possível observar a seguir.

Após essas colocações sobre o método de análise e os instrumentais utilizados para a realização da pesquisa, serão expostas as informações que foram identificadas.