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Coleta dos Conjuntos Cerâmicos Arqueológicos

1. O VALE DO TAPAJÓS E ARQUEOLOGIA NA T I KAIABI

1.2 A Pesquisa Arqueológica na T I Kaiabi

1.2.1. Coleta dos Conjuntos Cerâmicos Arqueológicos

Ainda em concordância com o Projeto Kaiabi-Lalima, o estudo de Francisco Stuchi na T. I. Kaiabi combinou diferentes metodologias arqueológicas, etnográficas e etnoarqueológicas.

O material escavado foi coletado por Stuchi (2010) e colegas a partir de um total de 84 dias de permanência na T. I. Kaiabi, divididos em 6 etapas de campo que tiveram uma variação em sua duração de 5 a 27 dias. A primeira etapa da pesquisa foi a de negociação com os indígenas para a autorização da pesquisa. A segunda etapa foi a de living archaeology (GOULD, 1980), que seria uma etnografia conduzida com interesse arqueológico. Por último, foi feita a pesquisa arqueológica propriamente dita, mas cabe ressaltar que só foi possível realizá-la e desenvolvê-la a partir dos resultados das etapas anteriores.

A negociação da pesquisa arqueológica foi uma importante etapa da metodologia, pois é a partir da interação entre pesquisador e comunidade indígena que os objetivos e procedimentos da pesquisa podem ter continuidade e significação para ambas as partes (STUCHI, 2010). Além disso, existem diversas técnicas direcionadas para esse momento do trabalho de campo que foram tema de reflexão por antropólogos e etnólogos.

O que trabalhos similares têm demonstrado é que, para trabalhar em terras indígenas juntamente com os indígenas em um processo como o da Arqueologia Colaborativa, existem algumas estratégias fundamentais: 1) promover a interação social entre a equipe de pesquisa e a comunidade local; 2) manter a presença da equipe na área ao longo da pesquisa; 3) buscar recursos para beneficiar a comunidade local; 4) manter a comunidade inteirada sobre os procedimentos e andamento da pesquisa; 5) permitir o acesso fácil da comunidade aos vestígios arqueológicos coletados (SILVA et al., 2011: 37; MOSER, 2002; TULLY, 2007). Nesse sentido, o pesquisador precisa: 1) definir a população indígena; 2) obter permissão; 3) selecionar os interlocutores e colaboradores para orientar e auxiliar na pesquisa; 4) obter informações prévias sobre os registros arqueológicos; 5) receber aprovação dos indígenas para analisar e divulgar o material arqueológico; 6) construir o conhecimento e disseminar os resultados a partir de uma perspectiva intercultural (STUCHI, 2010: 11; SILVA et al., 2011).

Dentro destes princípios citados, a negociação com os Kaiabi foi conduzida em dois momentos, em 2005 e 2006, quando foi discutida a proposta de trabalho e a autorização necessária ao seu desenvolvimento (STUCHI, 2010: 14). A partir dessas conversas, os Kaiabi compreenderam que a natureza acadêmica da pesquisa não lhes traria benefícios imediatos e

19 não esclareceria sua situação legal perante as autoridades, mas que, ao pesquisarem antigas aldeias, os arqueólogos estariam contribuindo para amparar suas demandas no processo de demarcação de suas terras. Assim, uma parceria foi estabelecida e a partir dos conhecimentos dos arqueólogos e dos indígenas o trabalho de campo foi realizado.

A pesquisa etnoarqueológica (feita a partir dos conceitos de POLITIS, 2002) foi a segunda etapa da pesquisa a ser desenvolvida, realizada ao longo de 25 dias, divididos em três momentos. A aldeia Kururuzinho (ver no mapa da Figura 5) foi escolhida como a base para a pesquisa por causa de sua localização estratégica em termos logísticos, além de ter sido o local de convergência deste grupo Kaiabi, ao final das décadas de 1980 e 1990, e de sua posterior dispersão para as demais aldeias (STUCHI, 2010: 109).

Foram feitas observações, anotações em cadernos de campo, registros fotográficos e desenvolvimento de entrevistas semi-estruturadas realizadas predominantemente com os chefes de família de cada aldeia. As entrevistas focaram na trajetória de vida dos interlocutores como um passo para entender a trajetória do próprio território (STUCHI, 2010: 110-111).

Foi então elaborado um diagrama da organização social do grupo, para conhecer melhor a população e sua distribuição nas aldeias, feito a partir das relações de parentesco, desde os anciãos das primeiras gerações que ocuparam a área até a 5ª geração de netos e bisnetos. Também elaboraram um mapa hidrográfico (figura 5) com a localização georeferenciada de cada aldeia, contendo informações sobre a ocupação e distribuição das casas, estruturas anexas, áreas de descarte de lixo, portos, pomares, antigas habitações, vestígios arqueológicos, etc., para se entender a organização e utilização do espaço (STUCHI, 2010: 109-110). No total, foram estudadas nesta etapa 9 aldeias ocupadas atualmente e 1 acampamento.

Não foi possível aos pesquisadores visitarem todos os locais de ocupação passada, mas com base nas informações dos Kaiabi e no levantamento etnográfico feito anteriormente por Medonça em 1994, foram elencados 41 locais considerados antigas aldeias ou outros tipos de ocupação. Deste conjunto de aldeias antigas somadas as 9 aldeias atuais, foram escavados 7 locais, seguindo alguns critérios que concordassem com os objetivos da pesquisa: 1) realizar uma amostragem que permitisse obter dados na maior extensão territorial da T. I. Kaiabi; 2) pesquisar contextos arqueológicos e históricos indicados pelos Kaiabi; 3) escolher aldeias atuais onde a presença dos pesquisadores tivesse receptividade, para divulgar e debater com os Kaiabi os objetivos e os resultados da pesquisa; 4) construir através do diálogo uma parceria com os Kaiabi (STUCHI, 2010: 179).

20 F ig ura 5 : L oca lizaç ão d os s ítio s escav ad os n a T . I . Kaia bi.( Ma pa ad ap tad o de STUCHI , 2 01 0: 1 62 ).

21 Os sítios arqueológicos escavados estão localizados em quatro aldeias atuais (Dinossauro – DR, Aldeia Tukumã – AT, Minhocoçu – MI e Aldeia Coelho – AC), duas aldeias antigas (Ywantã – YA e Taitetu – TT) e uma antiga área de roça (sítio Mukuin Caniné – MC). Os procedimentos realizados em cada sítio foram: 1) delimitação da área do sítio; 2) coletas assistemáticas e sistemáticas amostrais não-probabilísticas em superfície; 3) coletas sistemáticas amostrais não-probabilísticas em sub-superfície por meio de sondagens e poços testes (STUCHI, 2010:179).

Para a delimitação dos sítios, foram utilizados critérios distintos como: as linhas de sondagens, a presença de vestígios arqueológicos em superfície e subsuperficie e a orientação dos Kaiabi, que acompanharam os pesquisadores nas escavações e auxiliaram na identificação, delimitação e classificação dos sítios (STUCHI, 2010: 179-180). Na superfície a coleta sistemática foi realizada em quadrantes com área mínima de 10 m2, onde foram recolhidos os materiais diagnósticos dispersos. Os pesquisadores e os indígenas abriram picadas para estabelecer as linhas que orientaram as sondagens em busca dos limites da terra preta e da capoeira, bem como da distribuição horizontal de superfície dos vestígios arqueológicos. Essas atividades foram registradas em croqui para posterior definição em carta planialtimétrica confeccionada por topógrafo.

Ao longo das linhas estabelecidas foram efetuadas sondagens com cavadeira a cada 50 m, tendo cada sondagem 30 cm de diâmetro e 1 m de profundidade, controlados por níveis artificiais de 10 cm, permitindo assim verificar a distribuição vertical das evidências e a caracterização das camadas de solo (STUCHI, 2010: 179-180). Os solos escavados passaram pela peneira para que materiais menos visíveis pudessem ser recolhidos. Foram também escavados poços testes de 1 m2 dispostos a partir das informações obtidas nas sondagens, controladas também a partir de níveis artificiais de 10 cm (em alguns casos 20 cm) e escavadas para verificar a disposição do contexto, obter evidências arqueológicas e materiais para datação de C14 e termoluminescência. Todo o material recolhido foi contabilizado e registrado em fichas, tabelas e diários de campo. Em cada poço-teste também foram coletadas amostras de solo de 10 cm3 do quadrante nordeste de cada nível escavado (AVC), para posteriores análises paleobotânicas e pedológicas.

Com os sítios delimitados e esboçados em croquis, foram obtidas informações dos Kaiabi, ainda em campo, sobre a etnoclassificação dos tipos de solo encontrados e a classificação da vegetação conforme a etnobotânica Kaiabi, para correlacionar essas informações com os resultados arqueológicos obtidos (STUCHI, 2010: 180).

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Sítio Material Cerâmico Material lítico Total por Sítio

Aldeia Dinossauro 2.558 283 2.849 Mukuin Caniné 1.059 169 1.228 Taitetu 2.051 195 2.246 Aldeia Minhocoçu 368 56 424 Ywantã 1.143 87 1.227 Aldeia Tukumã 1.782 490 2.272 Aldeia Coelho 1.003 19 1.022 Total Geral 9.964 1.299 11.268

Tabela 1: Relação de campo do material coletado na T. I. Kaiabi.