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Técnicas de Construção da Vasilha

3. ANÁLISE CERÂMICA

3.3. Técnicas de Construção da Vasilha

A técnica de manufatura da vasilha pode ser observada a olho nu, mas uma análise arqueométrica adequada, como a radiografia, poderia refinar nossa percepção sobre esse processo. Existem diversas técnicas para transformar uma quantia amorfa de argila em uma vasilha cerâmica com forma e função específica, técnicas essas que podem ser combinadas de diversas maneiras e com diferentes propósitos, dependendo das características do material utilizado e da forma e tamanho que se deseja obter. É um dos elementos mais importantes na classificação de vasilhas cerâmicas, já que na cadeia operatória seria o elemento mais difícil de ser modificado, sendo, portanto, central na caracterização de tradições tecnológicas (van der LEEUW, 1993) e na marcação de limites culturais (DEGOY, 2008). As técnicas de manufatura que pudemos identificar em nossa análise foram: roletado e modelado.

O roletado é uma técnica que se utiliza de roletes de argila sobrepostos de maneira circular ou em espiral, unidos posteriormente por diversas técnicas, como alisamento com

46 dedo ou com instrumento, corrugado, etc. (SHEPARD, 1971: 57-59). A vantagem dessa técnica é que ela permite que se utilize uma argila menos plástica, portanto sem a necessidade de muito material antiplástico, além de garantir uma maior uniformidade de espessura da parede desde o começo, mas tem a desvantagem de ser uma técnica mais demorada e que tem a junção entre os roletes como uma potencial fonte de falhas posteriores, como rachaduras (SHEPARD, 1971: 57-59).

A técnica de modelagem é feita a partir de um bloco de argila, mais ou menos do tamanho que se quer a vasilha, que se vai moldando na forma desejada (SHEPARD, 1971: 55- 57). Para uniformizar a espessura e homogeneizar a superfície pode-se utilizar diversas técnicas, como pedras, pedaços de pau e a própria mão (SHEPARD, 1971: 55-57). Esta é uma técnica utilizada para vasilhas não muito grandes, apêndices e bases, além de outros artefatos cerâmicos com formas mais complexas, como estatuetas.

As duas técnicas são frequentemente combinadas. Por exemplo, pode-se modelar a base para depois adicionar os roletes para a construção do resto da vasilha; apêndices e outros apliques podem ser modelados e adicionados em vasilhas construídas por roletes; a vasilha modelada pode ter roletes colocados na borda para completá-la; etc.

As técnicas de construção vão definir os aspectos morfológicos da vasilha. Como trabalhamos basicamente com fragmentos, podemos dividir a vasilha em partes com diferentes nomenclaturas, as categorias estruturais. Vasilhas cerâmicas são, em diversas ocasiões, comparadas com o corpo humano (RICE, 1987: 212-215; DAVID et al., 1988; SILVA, 2000), por isso chamamos de corpo a vasilha toda, do orifício até a base, e suas partes às vezes têm nomes relacionados ao corpo humano: parede é qualquer fragmento do corpo da vasilha que não corresponde às partes específicas citadas na seqüência; a borda é a parte do orifício de abertura (boca) que contém o lábio, a margem desse orifício; base é a parte inferior da vasilha em contato com a superfície de apoio; a parte de restrição do orifício que começa acima do ponto de diâmetro máximo (ombro), é chamada de pescoço; um apêndice é uma projeção que se estende da vasilha, geralmente aplicado.Cada categoria estrutural pode ser classificada de várias maneiras, de acordo com sua posição em relação à vasilha e sua forma específica (Cf. RICE, 1987; SHEPARD, 1971).

Também foram classificados pedaços modelados de argila, queimada ou não, chamados bolota de argila que, apesar de não pertencerem a nenhuma categoria estrutural da vasilha, podem fazer parte de seu processo de produção.

A espessura do fragmento pode ser medida com um paquímetro. As medidas exatas em milímetros foram anotadas para cada fragmento, mas também classificamos as medidas

47 em muito fino, para medidas menores que 5 mm; fino, entre 6 mm e 10 mm; médio, entre 11 mm e 15 mm; grosso, entre 16 mm e 20 mm; e muito grosso, para medidas maiores que 20 mm.

Todos os fragmentos foram pesados em uma balança para a anotação da massa. Dependendo do tamanho do fragmento da borda, podemos reconstituir a forma da vasilha inteira. Para isso, precisamos identificar seu ângulo de inclinação e seu diâmetro.A posição que o fragmento deveria ocupar na vasilha, vista lateralmente, é o ângulo. O método utilizado é o de orientar a borda apoiando o lábio sobre uma superfície plana, partindo do pressuposto de que o plano da boca das vasilhas se encontra em posição relativamente horizontal na posição de uso (BROCHADO et al., 1990: 727). O diâmetro da boca foi medido somente quando constituía 12% do diâmetro total, ou quando podíamos estimar essa medida a partir da medida de outro ponto da vasilha (como o ângulo de inflexão ou o diâmetro máximo), utilizando um medidor de curvas. O diâmetro pode ser calculado ao colocarmos o fragmento (ou a curva) “sobre um ábaco de círculos concêntricos divididos em intervalos de um ou dois centímetros” (BROCHADO et al., 1λλ0μ 728), partindo do pressuposto de que a boca (e demais medidas) é circular. O mesmo processo pode ser feito para medir o diâmetro da base. Somente a partir de uma reconstituição de formas inteiras é que podemos medir o diâmetro máximo,o volume9 e a altura da vasilha, assim como ter

noção de sua forma.

A forma final pode estar relacionada com a funcionalidade e padrões estéticos, apesar de raramente serem relações fixas, podendo ser verificadas somente após um longo estudo (como para a cerâmica Guarani em LA SALVIA e BROCHADO, 1989), além de serem possíveis marcadores culturais. No entanto, a forma possui fatores limitantes, como os requerimentos para a estabilidade da vasilha em alguma superfície (geralmente plana) e algumas exigências específicas de cada função para a qual a vasilha foi feita (SHEPARD, 1971; SKIBO e BLINMAN, 1999). Aspectos estéticos valorizados pela cultura e pelo artista podem influenciar a forma, assim como a proporção, relação entre as partes, manuseio da curvatura e complexidade de contorno, ou seja, número e tipos de pontos característicos (SHEPARD, 1971: 251).

Para classificá-las, utilizamos a abordagem de Shepard, que considera a comparação com as formas geométricas para as vasilhas que tem simetria em relação a um eixo de revolução, o que exclui as vasilhas com formas de objetos naturais (SHEPARD, 1971: 228).

48 Isso não significa que as formas das vasilhas sejam matematicamente perfeitas, mas que elas podem ser definidas com referência às formas geométricas: esférica, semi-esférica, elíptica

vertical, semi-elíptica vertical, elíptica horizontal, semi-elíptica horizontal, oval vertical, semi-oval vertical, oval invertido, semi-oval invertido, cilíndrica, cônica, hiperbólica, semi- hiperbólica (SHEPARD, 1971: 234).

Para auxiliar nessa reconstituição, podemos considerar os pontos característicos da vasilha: o ponto final, que indica o limite da vasilha na base e no lábio; o ponto de tangência vertical, que é o ponto de diâmetro máximo e mínimo; o ponto de quebra, onde a direção da tangente muda abruptamente; o ponto de inflexão, onde a curvatura muda de côncava para convexa e vice-versa (SHEPARD, 1971: 226). É por meio desses pontos que o contorno é classificado como simples, quando tem apenas pontos finais; infletido, caracterizado pelo ponto de inflexão; composto, que pode ou não ter pontos de tangência vertical, mas não tem pontos de inflexão; e complexo, com dois ou mais pontos de virada e de inflexão, ou com os dois pontos (SHEPARD, 1971: 232).

A relação do diâmetro da boca e do corpo pode ser tirada dessas medidas, e as vasilhas podem ser caracterizadas como abertas, se o diâmetro do orifício for maior que o diâmetro máximo, ou fechadas, se for o contrário. Paredes carenadas e infletidas podem ser uma evidência de que a vasilha é fechada. Outro atributo derivado dessas medidas é a classe estrutural da vasilha: não restringida, com diâmetro do orifício sendo maior ou igual ao diâmetro máximo da vasilha; restringida, com diâmetro do orifício menor que o diâmetro máximo da vasilha; restringida independente, com um ponto de virada ou de inflexão acima do diâmetro máximo (SHEPARD, 1971:229-231).