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Coletivos e Marchas da Maconha: “batendo de frente’ contra a política

CAPÍTULO 1: A PROIBIÇÃO DAS DROGAS EM TERMOS GLOBAIS E

1.3. Coletivos e Marchas da Maconha: “batendo de frente’ contra a política

Embora durante esta pesquisa eu não tenha encontrado dados confiáveis sobre o início dessas manifestações, textos mais informais e jornalísticos sobre o tema indicam que este tipo de mobilização tenha começado em 1999, em Nova Iorque. Segundo estes textos, estas manifestações acontecem atualmente em cerca de 300 cidades no mundo inteiro, inclusive em mais de 20 cidades brasileiras, através da criação e organizações de Coletivos que começam a se mobilizar para expandir o movimento em prol da legalização da maconha.

A proposta intitulada antiproibicionista é explicitamente relacionada com o aspecto da proibição e da ilegalidade da cannabis e do seu uso. Internamente, os participantes deste movimento entendem que a atual política de proibição não permite que questões centrais decorrentes da existência de um mercado ilegal de drogas sejam discutidas e revistas. Esta postura proibicionista refuta e desestimula as discussões sobre as drogas e seus usos, além de impedir que outras alternativas e propostas políticas sejam cogitadas pelos poderes públicos para lidar com a questão. A bandeira antiproibicionista é, portanto, a tentativa de não-proibir e de discutir o tema baseado em pesquisas e dados científicos sobre as substâncias, seus efeitos, danos reais e melhores formas de reduzir danos e consequências do uso de psicoativos.

A partir de 2007, as manifestações se tornaram mais organizadas no país sob o nome nacional de Marchas da Maconha, realizadas e articuladas conjuntamente em várias cidades. Embora desde 2000 alguns atos e manifestações tenham acontecido de forma esporádica e descentralizada, foi com a organização de um Coletivo nacional da Marcha da Maconha que em todo o país manifestações com o mesmo propósito passaram a acontecer anualmente, concentradas principalmente no mês de maio sob o mesmo título, assim como acontece em muitos outros países que organizam a Global Marijuana March.

O Coletivo Nacional Marcha da Maconha tem como objetivo unificar as manifestações que propõem a descriminalização e a legalização da maconha no país sob o mesmo título. Este Coletivo se propõe horizontal e não hierárquico em sua organização e é um núcleo central que tem a função de atualizar as informações do sítio da Marcha da Maconha na internet, organizar o fórum de discussão deste meio virtual, produzir e distribuir

anualmente as logomarcas e o material de divulgação, informação e orientação para a realização das Marchas da Maconha em várias cidades e, embora também receba contribuições e informações a partir de uma rede virtual que congrega vários outros Coletivos, associações, instituições e indivíduos que militam pela descriminalização, legalização e regulação da maconha, é este Coletivo central que orienta a realização das manifestações em prol da maconha em todo o país. O foco deste Coletivo central limita-se à questão da maconha. A posição acerca da legalização de outras drogas (tais como a cocaína, o crack, a heroína, o LSD, etc.) não faz parte das propostas deste núcleo central já que as posições sobre estas outras substâncias não é unânime entre os que discutem a questão, ficando a cargo de cada Coletivo regional ou local que realiza suas manifestações expor sua posição sobre os demais psicoativos ilegais. Como nota esclarecedora existente na página principal da Marcha da Maconha, afirma-se que a intenção deste Coletivo é:

Criar espaços onde indivíduos e instituições interessadas em debater a questão possam se articular e dialogar; Estimular reformas nas Leis e Políticas Públicas sobre a maconha e seus diversos usos; Ajudar a criar contextos sociais, políticos e culturais onde todos os cidadãos brasileiros possam se manifestar de forma livre e democrática a respeito das políticas e leis sobre drogas; Exigir formas de elaboração e aplicação dessas políticas e leis que sejam mais transparente, justas, eficazes e pragmáticas, respeitando a cidadania e os Direitos Humanos. O Coletivo Marcha da Maconha Brasil reafirma que suas atividades não têm a intenção de fazer apologia à maconha ou ao seu uso, nem incentivar qualquer tipo de atividade criminosa. As atividades do Coletivo respeitam não só o direito à livre manifestação de ideias e opiniões, mas também os limites legais desse e de outros direitos.17

As manifestações que acontecem em todo o país com esse propósito, embora sigam as orientações do Coletivo central da Marcha da Maconha, são organizados por outros Coletivos regionais, com atuação local em várias cidades do país, sobretudo nas capitais.

Embora o foco principal dessa pesquisa esteja voltado para as mobilizações que vem acontecendo em Natal (RN), estes atos não estão isolados das propostas e realizações de um movimento nacional composto por dezenas de outros Coletivos que mantém vínculos e articulações entre si e com outros países em razão de seus interesses comuns, inclusive há 17

mais tempo do que os Coletivos potiguares. A Marcha da Maconha é o melhor exemplo desta convergência de interesses, pois é realizada anualmente em grande parte das capitais do país e os argumentos e propostas dos grupos organizados que promovem cada uma delas, em cada cidade, são orientados pelo núcleo central que converge os interesses a fim de que todas as mobilizações tenham o mesmo foco, embora também apresentem suas particularidades. Exatamente por isso o título de Marcha da Maconha pode ser exibido nacionalmente. Outros países também realizam a mesma mobilização, sempre com diretrizes muito parecidas, semelhantes as adotadas no Brasil. Estas ligações possibilitam que a abordagem dada à questão, seja desenvolvida de forma articulada, sempre em contato com outros contextos que apresentam a mesma proposta e questionam que “as fronteiras das autonomias, das liberdades e dos direitos individuais no âmbito neurofarmacológico ainda não foram ampliadas, continuando sob a guarda combinada das autoridades médicas e policiais.” (CARNEIRO 2005: 24).

É interessante observar que este “movimento” engloba, mais amplamente, outras formas de articulação com o intuito de discutir e rever as políticas nacionais sobre drogas. Eventos, como os Ciclos de Debates Antiproibicionistas que serão descritos aqui, acontecem nacionalmente, organizados por e para pesquisadores e profissionais que tratam da questão dos psicoativos ilícitos em todas as suas múltiplas abordagens. Em outubro de 2012, aconteceu em Salvador – BA, o 1º Encontro da Rede Latino-americana de Pessoas que Usam Drogas – LANPUD, ocasião que reuniu mais de trinta pessoas na intenção de discutir e propor mudanças no tratamento aos usuários de drogas, sobretudo com o propósito de uma abordagem mais justa e humana18. Ao final do encontro, foi escrito coletivamente um manifesto antiproibicionista, no qual foram abordadas questões relativas ao tema que haviam sido discutidas pelo grupo durante o evento.

Outro evento recente que merece destaque ocorreu em Brasília – DF, entre os dias 3 e 5 de maio de 2013. O 1º Congresso Internacional sobre Drogas, organizado por pesquisadores e profissionais nacionais e internacionais de diversas áreas, médica, biológicas, humanas, jurídicas, para tratar do tema. Este evento de grande porte reuniu durante três dias mais de mil pessoas interessadas em discutir a questão das drogas e, ao final do evento, os participantes 18 Informações sobre o evento e a Rede disponíveis em: http://lanpud.blogspot.com.br/ consultado em: 16/05/2013.

produziram uma carta com propostas de mudanças a ser entregue a Presidente de República. No documento, também foi declarada a posição antiproibicionistas dos pesquisadores e militantes sobre a atual política de drogas.

Ainda é cedo para avaliar se haverão efeitos desses eventos. Agora, o que nos interessa, é saber da realização de encontros como estes no cenário antiproibicionista nacional, que adquire força ao ser endossado por autoridades que pesquisam e trabalham com e sobre as drogas e seus usuários. Do mesmo modo, a exposição de um grupo assumidamente consumidor de psicoativos ilícitos acrescenta um sentido pessoal, vivo e interessado à esta discussão, com uma questão que tanto diz respeito a eles, tal como as Marchas da Maconha também o fazem. Sobre este ponto de vista, vale citar as considerações do antropólogo Gilberto Velho, já na década de 1980 sobre a abertura para as discussões sobre a maconha considerando-a como um assunto cotidiano a ser despido de tabus:

O primeiro fato sociológico e antropológico relevante a ser considerado, pra mim, pelo menos, é a criação ou a consolidação de um espaço para se discutir o caso maconha, o que representa evidentemente uma abertura muito grande em relação a uma série de outros assuntos que interessam ao nosso cotidiano. Não é preciso dizer que esse tipo de assunto era tabu não só para as pessoas, digamos, assim mais conservadoras, mas também era visto com muita desconfiança por pessoas progressistas. As coisas que tocam o cotidiano das pessoas não eram vistas como dignas de serem debatidas. (VELHO 1985:43)

Nesses termos, apenas com a abertura da qual fala Gilberto Velho é que temos a possibilidade de ver a organização dos eventos que citei. A partir disso, discutirei ao longo deste trabalho como a Marcha da Maconha e os debates antiproibicionistas foram concebidos e realizados em Natal.

1.4. O Direito de Reivindicar: o Posicionamento do Superior Tribunal